Diário do Alentejo

Seca: Agricultores e ambientalistas gravemente preocupados

16 de fevereiro 2022 - 10:30

Perante a ameaça da seca, os agricultores defendem a aposta na retenção da água, quer através da construção de novas barragens e beneficiação de outras já existentes, quer através de uma gestão do regadio mais eficiente. Os ambientalistas, pelo contrário, dizem que “a água planta-se” e que o recurso à agricultura intensiva e a destruição da floresta autóctone é que está a pôr em causa o acesso aos recursos aquíferos. Numa coisa estão ambos de acordo: o clima está a mudar e não é para melhor.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O mês de dezembro de 2021 foi quente e seco. O quarto mais quente desde 1931, com um valor médio da temperatura do ar de 11,69 º C, superior em 1,73º C à média dos anos entre 1971 e 2000. Na estação da Zambujeira do Mar, os termómetros marcaram 26.4 º C, um máximo que constitui um novo extremo para o mês de dezembro em Portugal continental desde 1941. Neste período apenas em um dia, a 20, se verificou alguma precipitação, mas manifestamente insuficiente para suprir as carências dos agricultores.

 

Para a região do Baixo Alentejo as notícias não são boas. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (Ipma), as próximas semanas não trarão grandes mudanças a este cenário, não sendo de esperar que a chuva comece a cair. Assim, o território deverá manter-se dentro dos regimes de seca severa e moderada. O valor médio da precipitação em dezembro foi de 93, 4 milímetros por metro quadrado, 35 por cento abaixo da média registada entre 1971 e 2000.

 

No perímetro de rega do Roxo a situação é dramática. A albufeira encontra-se com apenas 6,6 por cento da capacidade total e António Parreira diz que a manter-se a seca isso implicará um custo acrescido para os agricultores “acima de um milhão de euros”, uma vez que serão obrigados a recorrer à água de Alqueva.

 

O presidente da Associação de Beneficiários do Roxo diz que “essa água tem um preço e é um encargo que os agricultores têm de suportar”, o que a juntar à “subida dos combustíveis, da energia, dos adubos e dos fitofármacos, é muito preocupante”, alertou.

 

Para António Parreira já não restam dúvidas: este cenário resulta das alterações climáticas o que o leva a defender “mais armazenamento de água”, para evitar o que acontece na bacia do Sado, que apresenta menor disponibilidade de água em Portugal e onde “70 por cento da água vai para o mar”.

 

Elísio Martins, da Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado (Arbcas) traça um retrato pessimista para os próximos tempos: “Nunca tinha visto nada assim. Normalmente a seca era no verão, mas agora está a acontecer no inverno”. Este responsável da Arbcas diz que estão na “total dependência” da água de Alqueva e apenas para os canais de rega, uma vez que a projetada ligação à albufeira do Monte da Rocha “ainda não avançou”.

 

“Vai ser mais um ano em que metade dos agricultores vai ter pouca água e os outros nenhuma”, vaticina Elísio Martins acrescentando que está preocupado como abastecimento de água para o abeberamento dos animais que “pode estar em causa”.

 

Também a Associação de Agricultores do Litoral Alentejano (Aala) adivinha uma campanha “muito complicada” e que levará os associados a recorrer à compra de rações para os animais, aumentando os custos de produção, devido às dificuldades de garantirem pastagens para a alimentação e água para as sementeiras.

 

No passado dia 25 de janeiro a albufeira do Monte da Rocha estava a 15,4 por cento da capacidade; Campilhas a 4,1; Fonte Serne a 24,6; Migueis a 69,2; e Monte Gato a 71,1. No total a bacia do Sado encontra-se a 41,6 por cento da capacidade total. No Mira a situação não era melhor, estava nos 41,9 por cento quando a média é de 73,1 por cento.

 

“A ÁGUA PLANTA-SE”

Há quem defenda a construção de mais barragens e a ampliação de outras, mas não é essa a opinião de Alexandra Azevedo, presidente da Quercus. Em declarações ao “Diário do Alentejo” a ambientalista diz que “tudo aquilo que destrói o coberto vegetal tem influência no regime das chuvas. A água planta-se e as barragens são inúteis se não chover”, avisa.

 

No fundo estamos a pagar a fatura da destruição da floresta autóctone, uma prática que “começou com a construção das caravelas nos descobrimentos” e nunca mais foi invertida. “A agricultura intensiva põe em causa os habitats naturais e os ecossistemas, que são de um valor inestimável, e põe em perigo os reservatórios de água”, diz Alexandra Azevedo.

 

Exemplificando com o caso de Odemira, diz que “estamos a repetir modelos que os promotores já utilizaram noutros locais, destruindo os solos e, agora, mudaram-se para esta zona”. “É uma política de terra queimada e há sempre algum país disponível para aceitar estas práticas considerando- as de interesse nacional”, acusa.

 

Para contrariar este destino defende que “as medidas agroambientais deviam ser aplicadas a todo o tipo de agricultura. Pode-se ter boas práticas ambientais sem a aplicação de herbicidas” e dá como exemplo a Herdade do Esporão.

 

“O CLIMA ESTÁ A MUDAR”

Também Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, considera que a falta de chuva deixou de ser uma anomalia e é, agora, a norma. “Olhando para os últimos dezembros nota-se, claramente, que o clima está a mudar, deixámos de ter dezembros chuvosos. É um sinal que deve ser lido no contexto das alterações climáticas”, observa.

 

No entanto, apesar de no Mira, no Sado e no Barlavento Algarvio a situação ser “verdadeiramente dramática”, Francisco Ferreira defende que “a seca e o problema do diferentes e põe o foco na expansão do regadio e nas culturas intensivas que “precisam de muito mais água”. A alternativa, diz, “são as espécies autóctones que estão preparadas para lidar com estas circunstâncias. Os ecossistemas do Alentejo e do Algarve são resilientes, o pior são as culturas como os mirtilos, o abacate ou o olival intensivo”, aponta.

 

O dirigente da Zero lembra que “a agricultura é a principal consumidora de água [70 por cento da água disponível] e que “mesmo com medidas de eficiência nos regadios, apostar neles numa altura em que Portugal vai ter consequências grandes das alterações climáticas não tem sentido. E a ideia de que mais barragens podem garantir este investimento é contraditória com a necessidade de proteção dos rios e estuários”, alerta.

 

Francisco Ferreira lamenta que “o programa nacional para o uso eficiente da água nunca tenha sido levado a sério” e critica o facto de apenas reagirmos “em cima do momento” quando já estamos em situação de seca e defende a necessidade urgente de “estratégias de adaptação às alterações climáticas”.

 

“POPULAÇÃO AUSENTE DA DISCUSSÃO”

Francisco Guerreiro, eurodeputado independente e vice-presidente da Comissão de Agricultura Parlamento Europeu, em declarações ao “Diário do Alentejo” alerta para o facto de continuarmos a ter “o mesmo estilo de produção agrícola superintensiva que não olha para a necessidade de descarbonizar e preservar a biodiversidade, mesmo, em muitas áreas, indo contra a estratégia [da EU] ‘Do Prado ao Prato’”, e que fala de uma melhor “gestão da água e dos recursos aquíferos através da produção, muitas vezes, em modo extensivo, biológico e em agrofloresta”.

 

Para o eurodeputado que nasceu em Santiago do Cacém, “tudo isto vai contra o que tem sido proposto pelos planos nacionais, nomeadamente, de irrigação no Alentejo, por exemplo, em que se continua a promover o regadio em vez de produção em sequeiro”.

 

Acresce que o “plano hidrológico espanhol condiciona bastante a qualidade e quantidade da água que chega a Portugal”, mantendo “o nosso país muito dependente de Espanha e os estilos produtivos não são melhores que os nossos, muito pelo contrário”, afirma.

 

Por último, aponta a “falta de conhecimento” da “esfera pública”, muito com questões “muito técnicas” e direcionadas a “grupos de interesses”, com a generalidade da população “ausente da discussão por não compreender a sua importância”.

 

 

MEDIDAS PROPOSTAS

Recentemente a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (CIMBAL) juntou 13 dos 14 concelhos do distrito de Beja numa reunião de onde resultou de um conjunto de medidas “urgentes” e a “médio prazo” entregues ao Governo com o objetivo de mitigar os efeitos da seca.

 

Como o “Diário do Alentejo” já tinha noticiado de entre as 12 medidas urgentes propostas pelos municípios surgem a concessão de ajudas a fundo perdido para a construção de charcas, para a aquisição de depósitos de água e para suportar os custos da distribuição da água, para a autorização para pastoreio de pousios e culturas anuais e a atribuição de apoios a fundo perdido à pecuária “nomeadamente no transporte de água e equipamento de abeberamento de animais”, assim como às culturas de outono-inverno.

 

De entre as medidas a médio destacam-se a criação de “condições para implementar” seguros agrícolas que “considerem também a seca” e a reativação da eletricidade verde, “definindo uma taxa de apoio que compense efetivamente os agricultores pelos aumentos do custo da energia”, a ligação da Barragem do Roxo e a Albufeira do Monte da Rocha (concelhos de Aljustrel e Ourique respetivamente” e a constituição de uma “rede hidrológica nacional” que ligue "o norte ao sul” e “garanta água para os vários usos e uma gestão mais sustentável”.

 

Recorde-se também que que o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Eduardo Oliveira e Sousa, já tinha criticado o Governo por tomar medidas “sempre em cima do joelho” e, por isso, nunca serem “suficientes”.

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