Diário do Alentejo

Menos 10 mil hectares de montado de sobro no Alentejo

25 de setembro 2019 - 14:10

As alterações climáticas, e as doenças e pragas potenciadas por elas, aliadas a más práticas agrícolas e à ausência de uma política “musculada” e “diferenciada” de apoio ao rejuvenescimento e ampliação do montado, estão na base da redução deste tipo de floresta. A situação é de emergência, mas não é irreversível. A Iniciativa Pró-Montado Alentejo (IPMA), uma associação cívica que nasceu em 2018, e que junta especialistas nas áreas da produção, ensino, clima, ambiente e gestão, lançou um desafio aos partidos políticos para incluírem esta temática nos seus programas e aprovarem um projeto a 20 anos que permita a adaptação deste ecossistema ao novo paradigma climatérico. Acresce que uma floresta densa pode contribuir para a criação de um microclima mais ameno e para a ocorrência da precipitação que tanta falta nos faz.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

“Se não se tomarem medidas urgentes estamos a abrir o caminho à desertificação total” de um terço do território nacional. Francisco Avilez, professor catedrático de Economia e Política Agrícola, e professor emérito do Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, é bem claro quando se refere às consequências do desaparecimento da floresta de montado no Sul de Portugal, principalmente no Litoral e Baixo Alentejo. Segundo dados do 5.º Inventário Florestal Nacional, em 2005, existiam 711 mil hectares de montado de sobro. Dez anos depois, em 2015, tinham desaparecido cerca de cinco mil, e os dados provisórios do 6.º Inventário Florestal Nacional, a que o “Diário do Alentejo” teve acesso, apontam para uma redução semelhante no final de 2019, totalizando menos 10 mil hectares de floresta autóctone em apenas 14 anos.

 

As causas desta nova realidade são conhecidas: em primeiro lugar há que referir o aquecimento global e a fraca precipitação; em segundo as doenças e pragas, resultantes das primeiras; e, por fim, a não reposição dos exemplares mortos. Em 2006, o relatório “Projeto SIAM II – Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures” traçou um cenário preocupante: subida significativa da temperatura média em todo o País até ao final do século XXI (cerca de 7.º C nas regiões do interior); aumento da frequência e duração das ondas de calor; redução da chuva, mas com a possibilidade de ocorrência de fenómenos de precipitação extrema. Nada que os anos seguintes não tenham confirmado.

Após três anos de seca severa e extrema, em 2018, a chuva que caiu do céu nos meses de março, abril e novembro evitou um cenário pior. No entanto, segundo a IPMA, apenas “se registaram melhorias nos povoamentos florestais com maiores índices de matéria orgânica no solo”. Em 2019, em várias zonas do Alentejo, a precipitação voltou a baixar para valores pouco acima dos 300 milímetros, regressando, assim, os anos secos, “não como um fenómeno ocasional, mas sim de forma persistente”, diz o IPMA.

Joaquim Pinheiro, engenheiro florestal, em Santiago do Cacém, e também membro desta associação, diz que para inverter a situação é necessário por parte do “Estado e da sociedade uma atitude musculada”. “Esta realidade é reversível, mas para que isso aconteça é preciso apostar numa maior área de montado de sobro e azinho, e adensar e reforçar o existente”, uma vez que “toda a mortalidade tem a ver com as clareiras” que deixam as árvores, de alguma forma, mais desprotegidas, explica. O objetivo é criar “uma mancha florestal autóctone de dimensão crítica”, densa e “com expressão territorial relevante”, de forma a prover um microclima positivo e, “até mesmo, alguma precipitação”.

 

O ideal seria duplicar a área existente e atingir os 1,5 milhões de hectares, mas isso só será possível com a ajuda do Estado, já que os valores envolvidos, segundo estimativas já realizadas, rondarão os 60 milhões de euros. Esta meta garantiria a melhoria do microclima da região, em termos de humidade e temperatura do ar e do solo, e contribuiria “para um maior nível de precipitação, sobretudo, se se mantiver um contínuo florestal desde a orla marítima e, em especial, nas serras”, defendem os especialistas responsáveis pelo documento publicado pelo IPMA.

 

Para que isso seja concretizado, defendem, “é necessário que o tema seja assumido como uma prioridade” por parte do Governo – nomeadamente com um programa a duas décadas –, o que passa pela segmentação da política florestal, visto não existir apenas uma floresta em Portugal: “infelizmente só há uma política florestal para dois tipos de ecossistemas diferentes”, critica Joaquim Pinheiro. Os benefícios, garante, ultrapassariam em muito o aumento da produção da bolota e cortiça, já que esta aposta contribuiria para impedir a desertificação geográfica e humana do Alentejo, e criaria um escudo ambiental contra o avanço do deserto africano, o que protegeria todo o País.

O problema da morte dos sobreiros e azinheiras pode ser relativamente novo aqui, mas há conhecimento de projetos florestais em ambientes adversos, no âmbito da FAO (onde participaram alguns membros da IPMA), para promover a amenização climática. É o caso de África, mas também de Israel, China e Etiópia, em que “as florestas foram usadas no combate à desertificação”.

 

Num documento datado de agosto deste ano e publicado na página da IPMA na Internet, lembra-se que, ao contrário das quebras de precipitação resultantes de ações de deflorestação, “as manchas florestais contíguas, com arvoredo alto, adaptado ao calor, e copa larga e densa, são capazes de promover a evapotranspiração em grande escala”, um processo conhecido por “água-verde”, o que permite “enviar para o subsolo grandes quantidades de água proveniente da condensação foliar de neblinas, nevoeiros ou, simplesmente, de ar frio e húmido”, compensando, desta forma, a redução da precipitação convencional, e “aumentando os stocks de água nos aquíferos”.

 

Em Portugal já há exemplos de sucesso de plantações com recurso à rega. Os montados regados já plantados começaram a dar cortiça entre os 12 e 15 anos e a primeira tiragem com valor comercial (amadia) poderá acontecer aos 25 anos.  No entanto, também existem novas arborizações de sequeiro. Nestes casos, a realidade aconselha a que sejam utilizadas plantas já adaptadas às novas condições climatéricas, o que poderá antecipar a primeira tiragem para os 30 anos.

 

Em julho deste ano, o IPMA convidou todos os partidos políticos com assento parlamentar a adotar nos seus programas eleitorais as estratégias e soluções que preconizam. Antes, em maio, na Comissão Parlamentar de Agricultura, foi discutida uma proposta de resolução e, posteriormente, um documento de síntese foi aprovado por unanimidade “recomendando um programa plurianual para o montado”. Em plena pré-campanha eleitoral, o tema tem passado ao lado do discurso dos partidos mas, como dizia esta semana ao jornal “Público” Pedro Marques Sousa, proprietário florestal na zona do Litoral Alentejano, “no Alentejo não se pode esperar mais”. É importante criar uma floresta autóctone para impedir o avanço da desertificação para outras regiões, até porque “ainda não somos um deserto e não queremos ser”.

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