Diário do Alentejo

Hallo, Munique

18 de julho 2025 - 08:00
Coro Juvenil do Carmo participa no 45.º Congresso Internacional de Pueri Cantores, na Alemanha
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Depois de se ter estreado em Roma, no final de 2023, no seu primeiro Congresso Internacional de Pueri Cantores, o Coro Juvenil do Carmo participa, até domingo, pela segunda vez, no certame, cuja 45.ª edição está a decorrer em Munique, na Alemanha, voltando ser o único representante do País.

 

Texto Luís Miguel Ricardo 

 

O dia cai sobre a cidade. O Sol está abrasador. As cigarras cantam nas árvores. Pela fresta da porta entreaberta libertam-se vozes melodiosas que refrescam a tarde e ofuscam a cantiga que vem do calor. Estamos no Seminário Diocesano de Beja. Estamos entrando no salão. Estamos de volta ao contacto com o Coro Juvenil do Carmo cerca de um ano e meio depois.

Aprumados com o rigor da responsabilidade, e sincronizados com a batuta da maestrina, os elementos do coro fazem evoluir o ensaio. Não é um ensaio igual aos que semanalmente alimentam a sua performance regular, é um ensaio com um reportório de músicas cantadas em português, latim, inglês e alemão. É um ensaio específico para a próxima internacionalização do coro. Depois de se ter estreado, em Roma, no seu primeiro Congresso Internacional de Pueri Cantores (entre os dias 28 de dezembro de 2023 e 1 de janeiro de 2024), segue-se a segunda participação no certame, que já vai na sua 45.ª edição, e que neste ano está a decorrer em Munique, na Alemanha, desde quarta-feira, dia 16, e até domingo, 20, voltando o coro da capital baixo-alentejana a ser o único representante do País.

Helena Almeida, a lisboeta radicada no Alentejo desde 1996, maestrina, fundadora e agora presidente da associação criada para gerir os destinos do projeto musical juvenil, relembra que o Coro Juvenil do Carmo foi fundado em 1999, porque havia a necessidade de assegurar a música na missa das 10:30 horas na paróquia de São João Baptista. Atualmente o coro possui 25 elementos. “Foi um ano bastante exigente, pois houve muito repertório novo, e totalmente distinto, a aprender. Também saíram alguns jovens e entraram outros (menos). Estas oscilações já são habituais no grupo, mas noto que há cada vez mais dificuldade em cativar novos elementos, pois os jovens de hoje não estão motivados para atividades de grupo, de cariz cultural. Fecham-se muito nas redes sociais e não querem sair do ‘conforto’ do seu casulo”, justifica Helena.

A representação em Munique é garantida por 15 cantores, menos do que noutras ocasiões, fator a que também não é alheio o facto de se estar em plena época de exames do ensino secundário, mas “estará muito bem representado, pois o coro continuou a desenvolver-se e cresceu em qualidade”. Palavra de maestrina.

Sobre o evento, explica Helena Almeida que “os congressos internacionais de Pueri Cantores surgiram como uma forma de unir coros de crianças e adolescentes de todo o mundo, incentivando o canto litúrgico, favorecendo o intercâmbio cultural e espiritual, promovendo a amizade entre os povos e reforçando a identidade do movimento e a missão evangelizadora dos coros. O movimento tem raízes no início do século XX e os congressos são um desdobramento natural da sua expansão e institucionalização. O primeiro congresso ocorreu em 1950, em Paris, reunindo coros de diversos países da Europa. A escolha de França deu-se por ser o berço do movimento. O evento teve enorme sucesso e mostrou o potencial da música sacra como instrumento de paz, reconciliação e formação espiritual, especialmente, num contexto de pós-guerra. Desde então os congressos passaram a ser realizados, periodicamente, a cada dois ou três anos, em diferentes cidades do mundo, como Roma, Barcelona, Colónia, Washington, Cracóvia e Rio de Janeiro, entre outras”.

Para a chefe da comitiva, “comandar um grupo de jovens num coro numa viagem internacional é uma experiência intensa, desafiadora e transformadora. Envolve uma mistura de responsabilidades logísticas, pedagógicas, emocionais e espirituais. O líder do grupo responde pela segurança, comportamento e bem-estar de todos. Em caso de doença, acidente ou conflito, recai sobre ele a decisão imediata. Temos também a questão das diferenças culturais e linguísticas: os jovens podem sofrer com o choque cultural, dificuldade de comunicação ou comportamento inadequado por falta de familiaridade com os costumes locais. Depois há que ter em conta que num grupo juvenil há sempre uma diversidade emocional: uns são independentes, outros precisam de atenção constante”.

A organização da logística é feita em partilha com os pais que acompanham o grupo. O ritmo do congresso é intenso: ensaios, apresentações, cerimónias religiosas, visitas culturais e deslocações frequentes, pelo que, é preciso estar atento à fadiga dos jovens e ao seu limite emocional.

Na outra face da medalha sobra tudo aquilo que justifica a motivação para a superação das dificuldades. “Os jovens crescem em autonomia, disciplina e responsabilidade, cantam em locais simbólicos, como catedrais ou praças históricas, o que amplia a dimensão espiritual e artística da experiência, vivenciam outras línguas, costumes e formas de expressar a fé. A convivência com coros de outros países gera também amizades internacionais e abertura à diversidade, hoje muito mais simplificada com as redes sociais. A nível interno, a viagem cria laços fortes entre os membros da comitiva, surgem memórias inesquecíveis que motivam a continuidade da prática coral, os jovens sentem-se embaixadores culturais: representam a paróquia, a diocese, a cidade e o País. Isso tudo gera autoestima, sentido de missão e pertença e também desenvolve a parte espiritual, pois as celebrações eucarísticas cantadas têm profundidade simbólica. Os jovens participam ativamente da liturgia mundial, o que reforça a sua fé”, conclui Helena Almeida, sem esquecer de referir um outro aspeto que paira no lado ótimo da medalha – os apoios –, e esses chegam de pessoas anónimas e de entidades, com destaque para a Câmara de Beja (monetário e transporte), para a Junta de Freguesia de Santiago Maior/ São João Baptista, para a CCDR Alentejo (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional), para a EMAS (Empresa Municipal de Água e Saneamento de Beja), para a Olivomundo e para a LeiriBeja.

 

“O coro é amizade e é família”

 

A comitiva portuguesa em Munique é formada por um total de 22 pessoas: 15 cantores, a maestrina, o organista, o assistente espiritual e quatro mães. As mães e os pais dos cantores são também eles alicerces de sustentação do coro. Tanto os que vão como os que ficam, pois durante o ano desdobram-se em múltiplas tarefas em prol do projeto musical, reforçando o conceito de grupo e nutrindo a confiança entre os seus elementos.

Patrícia Gonçalves, uma das mães que fica, mas cujos filhos vão, refere: “Eles já fazem parte do coro há alguns anos e a dinâmica mantém-se: os mais velhos acarinham e integram os mais novos. Depois, a acompanhá-los vão sempre alguns pais que incutem valores como espírito de equipa, de família e de evangelização”.

Emanuel e Cátia Moreno são outros pais que ficam. “É a terceira vez que a Lara tem uma participação internacional com o coro. Desta vez será diferente, pois será a primeira vez que não vai acompanhada pela mãe. No entanto, vai em família, pois o coro é amizade e é família. É maravilhoso ver a interação e o crescimento destes miúdos e a paixão pela música. São oportunidades de vida, memórias que ficarão gravadas no coração, e assim temos de ‘acalmar’ o coração dos pais que ficam, mas que confiam nos que acompanham os seus filhos”.

Marisa Cristino é uma das mães que vai, e para ela, o papel dos pais em Munique “é acompanhar com alegria e responsabilidade, garantindo que os jovens vivem esta experiência em segurança e com espírito de grupo. É também uma oportunidade de partilhar a caminhada de fé com os nossos filhos”.

Para Fátima Duarte, outra mãe que vai, “os pais vão com espírito de ‘pais’, no apoio logístico e no suporte emocional, na vivência, o mais plena possível, desta experiência em grupo, seja com os nossos filhos, sejam com os filhos de outros pais que não vão, mas que confiam e anseiam que tudo corra bem”.

E sobre a importância destes eventos, a opinião dos progenitores faz-se de sentimentos similares. “É uma oportunidade para viajar e conhecer novos países, novas culturas. Por outro lado, existe o convívio com outros jovens, a partilha de contactos e de partituras e, sobretudo, a partilha pelo gosto de louvar a Deus através do canto”, refere Patrícia Gonçalves.

Para o Emanuel e para a Cátia Moreno, “estas participações internacionais, para a nossa filha, são fascinantes, pois concilia o gosto pelas viagens, a paixão pela música e o estar rodeada de amigos”.

“A participação no Congresso em Munique representa uma experiência muito enriquecedora para os jovens do Coro Juvenil do Carmo. Permite-lhes crescer musicalmente, viver a fé de forma mais profunda e sentirem-se parte da Igreja. Cantar em contexto litúrgico, com coros de diferentes países, permite-lhes aprofundar a sua fé, viver a música como forma de oração e serviço, e ainda representar o nosso país com muito amor”, partilha Marisa Cristino.

“A internacionalização de um coro é por si só um aspeto positivo para a missão de uma associação com carácter cultural, permitindo a sua exposição e reconhecimento perante pares. Mas o maior impacto é para as crianças e jovens, promovendo o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, potenciando a empatia e curiosidade cultural por outras realidades europeias e mundiais”, conclui Fátima Duarte.

Para os cantores, estes momentos mais desafiantes e menos comuns expressam-se com emoções dimensionadas às idades. Francisco Baião, de 14 anos, há seis anos a viver a experiência do grupo, refere que, para ele, “o coro significa família, aprendizagem e convívio”, confessando os sentimentos antagónicos que o preenchem em vésperas de partida: “Sinto-me um bocado nervoso e ao mesmo tempo calmo, mas espero e acredito que será uma experiência diferente de quando o coro foi a Roma”.

Diana Silva, de 28 anos, no coro deste os tempos em que ainda nem sabia juntar as palavras para a leitura, reforça a ideia de Francisco, a de que este grupo é “família”. E sobre as emoções em palco refere que, “primeiramente, é responsabilidade, em seguida, quando os olhos caem sobre a maestrina ou o maestro, é concentração. Durante a apresentação é felicidade, é leveza e é disciplina. Aquando do fim da peça que estamos a interpretar é felicidade. No fim da apresentação do coro, quando os olhos batem na plateia, é a sensação de dever cumprido”.

Para Beatriz Palma, que conta 12 anos de idade e seis meses de grupo, “pertencer ao coro é bom porque posso cantar e cantar é uma coisa que eu gosto muito de fazer e que me alarga os conhecimentos musicais. Quando estou em palco sinto alguma ansiedade, que se dissipa quando começo a canta, e então sinto uma enorme felicidade”.

Quando é chegado o momento da partilha de expectativas para o encontro de Munique, elas afinam-se com o diapasão da maestrina: “Levo comigo o desejo de ver estes jovens crescerem, não só como músicos, mas como pessoas: mais atentos ao outro, mais conscientes do valor da beleza e da fé e mais abertos ao mundo que os acolhe. Espero que o congresso seja um verdadeiro encontro de culturas, de vozes e de corações unidos pela música sacra. Que os jovens possam perceber que fazem parte de algo maior: uma Igreja viva, jovem e universal. Como maestrina, espero que esta viagem fortaleça o vínculo do grupo, que cada jovem regresse mais maduro, mais sensível e mais comprometido. Que possamos, juntos, viver momentos que nos transformem e nos inspirem a continuar a cantar”.

“Espero que seja, à semelhança dos outros encontros de coros, um misto entre partilha e oração”, acrescenta Diana Silva.

“Espero que o encontro de Munique seja muito agradável, porque é a primeira vez que saio de Portugal com o coro e posso conhecer sítios novos e pessoas novas”, partilha Beatriz Palma.

E porque o 46.º Congresso Internacional de Pueri Cantores ainda não tem local, nem data marcada, o foco do Coro Juvenil do Carmo é total para a capital da Baviera.

Auf wiedersehen, Beja. Hallo, Munique!

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