João Mourato, 29 anos, Vila de Frades, Vidigueira
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa
A luz que entra pela grande janela ilumina uma das bancadas da cozinha. O calor que se faz sentir e a mistura de aromas no ar é sinal de que terminou há poucos minutos mais uma hora de almoço. Numa das fritadeiras o óleo já está a ferver. Ao lume também já se encontra o refogado de um dos petiscos que João Mourato, chefe da Quinta do Quetzal, irá preparar, mas antes disso é hora de um outro. “Vamos começar aqui com os nossos peixinhos da horta”, diz.
Enquanto prepara a polme – com uma mistura de farinhas de trigo e milho, fermento e água com gás – conta ao “Diário do Alentejo” que sempre gostou “da natureza e do campo” e que por ter nascido no Alentejo, mais propriamente em Portalegre, desde cedo se acostumou “a ir à horta” com o avó, “a ajudar [a cozinhar] em casa” e, por exemplo, “a fazer pão caseiro”.
Diz, com um sorriso no rosto, que ingressou na Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre e que “correu bem”, desenvolvendo, a partir daí, um gosto especial pela cozinha e pela gastronomia alentejana.
“O que me fascina mais é quando o cliente gosta do que fazemos, essa é a melhor parte, [mas], antes, gosto de trabalhar o ingrediente e o produto. Nós aqui, no Baixo Alentejo, temos excelentes produtos e qualquer cozinheiro que escolha bem o seu produto é um privilegiado”, afirma. Acrescentando de seguida: “Nós temos as melhores carnes, os melhores queijos, o melhor peixe do mar e rio, a melhor flor de sal do mundo, portanto, basta não estragar e não inventar muito, é com os pequenos retoques que conseguimos fazer a diferença”.
É aqui, ciente de que os pormenores são o segredo e a alma da cozinha, que João Mourato dá continuidade ao primeiro petisco. Depois do polme estar com a textura adequada, mergulha-se o feijão verde e leva-se a fritar. “Por que é que se chama peixinhos da horta? Porque quando ele [o feijão verde] está na fritadeira vai ao fundo e depois vem a nadar até cá acima. Isto acontece quando o polme está bem feita, [ou seja] vai ao fundo e volta a boiar”, explica.
Este petisco “vegan” é acompanhado com uma mostarda caseira de pimentão que “relembra a massa de pimentão aqui do Alentejo”.
Habituado à correria da cozinha, João Mourato segue rapidamente para os próximos dois petiscos – tomatada de pato com pão frito e lagostins do rio à Bulhão Pato com gema de ovo. No primeiro, assim como nos restantes pratos, o segredo está “no sabor” dos ingredientes escolhidos e, por isso, “o tomate é um excelente ingrediente agora do verão”.
Com o pato previamente assado e desfiado, a gordura do mesmo servirá para dar início ao refogado com “um bocadinho de cenoura em meia-lua, tomate e o caldo da [sua] assadura”. “Depois deixamos apurar muito bem, colocamos o nosso pato desfiado e deixamos ganhar algum sabor”, continua. A acompanhar o prato, dando-lhe um toque mais sofisticado, junta-se “pão da Vidigueira frito”, “um ovo cozinhado a baixa temperatura, [isto é], a 62 graus durante 45 minutos” e coentros.
Por sua vez, o refogado dos lagostins é simples. Na frigideira junta-se azeite, alho picado, louro e vinho branco – “o vinho para cozinhar também tem de ser bom” –, deixando-se “evaporar o álcool” e adicionando “um bocadinho de sal”. De seguida, os lagostins do rio Guadiana, previamente pré-cozinhados em água – “a ideia é que sejam mais fáceis de descascar e que se mantenham intactos, sem que percam propriedades –, são adicionados ao tempero com “um bocadinho de sumo de limão verdadeiro”. “Este prato é quase um terra e mar, aliás, um terra e rio”, graceja. Para finalizar, João Mourato adiciona “uma gema de ovo também cozinhada a baixa temperatura para dar uma cremosidade na boca”, umas lascas de toucinho de porco alentejano e raspas de limão.
“O último petisco que temos são uns pastéis de massa tenra com queijo Serpa e espinafres”, revela. Enquanto prepara, novamente, a bancada, João Mourato explica que o prato é “inspirado numa sopa que existe na Vidigueira, que é a açorda de espinafres com queijo de cabra”. Esta é outra das características da culinária que fascina o chefe, a criação e a transformação de pratos.
“Hoje em dia com as tendências do mercado com menos gorduras temos de olhar para um prato de receita típica alentejana e saber alterá-lo, [mas] que no final de contas tenha a mesma essência, como é o caso dos nossos pastéis”, afirma.
Assim, o petisco consiste numa massa tenra recheada com queijo Serpa e espinafres, acompanhada com “um bocadinho de maionese caseira feita de azeite, limão e salsa”.
“Temos de preservar as nossas tradições, o que é nosso aqui no Baixo Alentejo, mas ao mesmo tempo reinventar, dar-lhes novos empratamentos e valorizar ainda mais [a nossa gastronomia] para os mercados externos”, conclui.