No monumento encontrado em Vale de Aguieiro temos então representada uma forma de visão do paraíso, na qual pequenas aves debitam uvas (os tais cristãos que unidos em cachos de uvas se associam na videira – Igreja – e representam o povo de Deus), enquanto duas pombas eliminam o mal (basilisco) que tinha fugido do Cantharus onde estava agora a água benta que se encontra no seu interior, funcionando aquele agora como pia batismal. Não esqueçamos, que, na visão cristã, o homem só se salvará depois de devidamente batizado.
Não é de estranhar que as formas escolhidas para representar o paraíso sejam comuns à pintura e aos mosaicos. Afinal, a pintura e o mosaico estiveram ligadas à expansão do Cristianismo desde o seu início, as sepulturas cristãs mais antigas do norte de África eram revestidas de mosaicos, enquanto as catacumbas de Roma desde logo foram revestidas com pinturas murais. Neste campo, é demonstrativa a interação cultural com outras regiões do mediterrâneo, como se tentou demonstrar ao longo do texto apresentado, a qual resulta na importação de signos e de formas de representação que atestam uma grande dinâmica cultural que foi impulsionada por vários agentes ligados à religião, ao comércio, à política, ou ao meio militar. Esta interação cultural poderá ter sido muito intensa em Pace (Beja) no século VI, pois, do ponto de vista económico e social, era uma cidade muito pujante (faltam algumas escavações arqueológicas que o confirmem). Mas por que não executar esta decoração num mosaico ou numa pintura? Como já escrevi, faltam em Beja escavações arqueológicas que coloquem a descoberto os muitos edifícios cristãos que aqui existiam.
Além disso, no conuentus Pacensis predominava a utilização do mármore, já que na região seriam abundantes as zonas de extração (Estremoz, Alvito, São Brissos/Trigaches e, eventualmente, serra do Mendro, entre Marmelar e Vera Cruz de Marmelar, e Serpa). Era a pedra nobre por excelência e foi este o suporte escolhido para carregar os novos signos cristãos e os epitáfios de quem partiu para uma nova vida neste espaço geográfico. O trabalho do mármore não é comparável à elaboração de uma pintura ou de um mosaico, notando-se uma maior dificuldade em conceber peças que se distingam por uma superior execução técnica. É necessária muita destreza e aquilo que podemos designar como escola, o que significa a possível existência de ateliês. Por esse motivo, as peças aqui estudadas dão a entender, indiretamente, que nos séculos VI e VII as populações locais mais abastadas, e com uma cultura mais refinada, podiam ainda apelar aos serviços de excelentes escultores, contrariando ainda a ideia de uma certa decadência da produção artística desta época, fosse ela de execução local (mesmo regional) ou importada. Lembremos ainda que é no território correspondente ao antigo conuentus Pacensis que se localizam as maiores e melhores coleções de arte da Antiguidade Tardia e da Alta Idade Média, registadas em Portugal, sobretudo no que diz respeito à arquitetura, o que significa que este espaço político e geográfico manteve ainda uma forte dinâmica, no campo da cultura e das manifestações religiosas entre os séculos V e VIII.
É tudo isto que diretamente e indiretamente nos transmite este pequeno fuste de coluna que eu considero corresponder a um pé de altar, sobre o qual assentava a tampa da mesa do próprio altar. Diretamente dá-nos a conhecer a mensagem religiosa que transcrevemos acima. Indiretamente "diz-nos" que no século VI a cidade de Pace continuava a ser cosmopolita e estava a par do que de melhor existia no mundo das artes em todo o espaço mediterrânico, o que significa que os seus habitantes (pelo menos os da elite) eram bastante cultos e que a cidade era pujante do ponto de vista económico, pois uma sociedade que tem uma elite com elevada cultura é sinónimo da existência de uma vida financeira muito desafogada. Uma pequena peça mostra assim, de forma concentrada, o quão importante era a cidade de Beja no século VI.