É neste contexto que a sociedade foi encerrada, os estatutos foram anulados por decisão do tribunal e a 11 de agosto de 1939. No mesmo espaço, um grupo constituído pelos homens injustiçados, a que se juntaram familiares e amigos, formaram a Sociedade Recreativa 1.º de Dezembro que hoje conhecemos por “sociedade dos pobres”. Os sócios fundadores, por ordem de inscrição nos estatutos, foram os bravos: Francisco Soares Valente, Alberto Pires Lopes, Francisco Graça Valente, Francisco Pedro Calvinho, Manuel Guerreiro Garcia, António Martins Seita, Francisco Cachopo, Sebastião Mourão d’ Oliveira, José Paulino Ferreira, José da Silva Tomar, Manços Correia, Francisco Valente Sargento, José d’ Almeida do Carmo, Francisco Valente Roupa, José Valente Roupa, Bento Gonçalves Carrasco, Francisco José d’Oliveira, Vicente Tereza Gatinho, José da Silva Paulino, Francisco Veredas Nogueira, João Ferreira Monge, António Bica Garcia, Manuel Valverde, José Candeias Pimenta, António Valente Oliveira, José Francisco Calvinho, Bento Gonçalves Seita Violante, António do Carmo Almeida, Sebastião Marta de Oliveira, António da Conceição Soares, Francisco Valente de Oliveira, Manuel Luiz Carreira, Manuel da Graça Caeiro, José António Sargento, Manuel José Valente Roupa, José Calvinho Oliveira, José Valente Oliveira, António Valente Cândido, Francisco Sales Calvinho, Vicente Preto Paulino, António Carreira d’Almeida, Bento Estevens Martins, João Caetano da Silva, José Almeida Santana, Bento Lourenço Calvinho, António Joaquim Grilo, Francisco Martins Caçador, Bento Garcia Sargento, Bento José Campaniço e Domingos Gouveia Grilo.
A denominação de 1.º de Dezembro não foi aleatória, por representar uma data com significado histórico associada à Restauração da Independência em 1640, contra a União Ibérica (1580-1640), acontecimento oficialmente festejado em Lisboa a partir do século XIX, num contexto político de patriotismo exacerbado , posteriormente instituído como feriado nacional e profusamente comemorado durante a ditadura. A escolha do nome recorda-me James C. Scott quando nos fala da dimensão social e política do “discurso público” e do “discurso escondido”, resultantes da institucionalização de um sistema de dominação . Em termos ideológicos o “discurso público” reforça convincentemente a hegemonia do discurso dominante, neste caso de afirmação nacionalista, de lealdade ao Estado e à Nação, num contexto político em que “o perigo espanhol” constituía uma ameaça para Salazar.
A apropriação voluntária do discurso dominante pelos fundadores da Sociedade Recreativa representou uma estratégia útil à dissimulação de ideias contrárias à ordem estabelecida, e à indignação coletiva perante a injustiça. Em 1939, a esperança depositada no regime republicano espanhol e no consequente derrube de Salazar desfez-se, com a vitória do ditador Francisco Franco. Vislumbravam-se tempos sombrios com a ascensão do nazi-fascismo na Europa, uma guerra mundial, a fome e a repressão, que exigiam unidade e novas estratégias de luta. O “discurso escondido”, a dissimulação e o contrabando como alternativa de sobrevivência económica foram as armas dos subalternos. Na clandestinidade esboçava-se o derrube do regime salazarista, e o Partido Comunista Português reorganizava o movimento dos trabalhadores como o cimento de uma revolução de massas desejada. Em Ficalho as relações com os vizinhos espanhóis nunca cessaram e o 1.º de Dezembro era festejado efusivamente pelas ruas da vila ao som de cordofones que anunciavam vitórias e futuros risonhos.