Mais direi, agora, do que mais me toca: o Leonel Borrela como pintor. A pintura é uma arte da paixão e do olhar, creio tê-lo dito já. O temperamento, esse, é fundamental. Penso que Leonel Borrela era predominantemente um extrovertido. (Mas digo predominantemente, não exclusivamente.) Estava, também, sempre aberto às circunstâncias do quotidiano. Essas características parecem tê-lo destinado a ser um pintor figurativo e realista, atento aos aspectos do mundo exterior que mais o tocavam, que mais o ligavam à Terra (à terra entendida como Elemento); ao Céu (como extensão azul e solar do horizonte que não acaba senão na folha do papel), e à Vida, com predominância para a vegetação, para as árvores (lembremos os seus tão recorrentes sobreiros). Estava-lhe no sangue, por assim dizer. Porque Leonel Borrela possuía um temperamento sanguíneo, era um apaixonado, sempre pronto a abrir-se às emoções fortes.
Atendamos, agora, à natureza e especificidade da sua pintura. Embora tenha realizado pintura a óleo, Borrela era visceralmente um aguarelista. Curiosamente, as marcas gráficas, a minúcia das pinceladas, a escala das imagens, as gradações de cor, o próprio uso da aguarela como técnica da sua eleição, curiosamente, dizia eu, a sua pintura era por regra suave, delicada e sem artifícios de que resultava um realismo claro e directo. E isto num homem que podia ser tempestuoso. Mas decerto a contradição é só aparente. Borrela possuía uma alma deveras sensível num corpo maciço e enérgico. Ver, para ele, seria um trabalho minucioso, e, direi, amoroso, atento à luz que se espalha nas paredes caiadas e ressalta a brancura e as faixas azuis do casario, a mesma luz que atravessa as folhagens, por vezes ásperas, dos sobreiros, ou coloria as flores nos alegretes.
Sente-se, com frequência, uma vivacidade “nervosa” na marcação das formas, no bosquejo rápido, no registo dos pormenores de uma balaustrada, na textura ou nas irregularidades que mostravam a presença das pedras num paredão ou na torre tantas vezes por ele pintada do castelo da cidade. E creio poder dizer-se que o seu olhar sentia a nostalgia daquilo que já uma vez fora e, no presente, se ausentara, porque o homem assim quisera ou o tempo o destinara. Então o pintor recuperava essa presença, mas sempre com o cuidado do arqueólogo, sempre vocacionado para a esperada e verosímil realidade, sem transigências com possíveis efeitos que a imaginação, por si só, pudesse propor. O troço de muralha que já não existia, o passadiço que em tempos ali estivera, o recanto pitoresco ou o pátio cheio de serenidade e silêncio eram repostos de acordo com a imagem que a memória, ou uma velha gravura, ou a antiga foto, atestavam ter existido. A talho de foice relembro a reconstituição de uma Mértola com a muralha e a torre do rio, no porto do Guadiana, ou o moinho do cubo e a azenha do poço, próxima de Serpa.