Diário do Alentejo

Património: Símbolos de proteção nas chaminés do Alentejo

17 de maio 2019 - 09:00

Texto Luís Lobato de Faria

 

O Alentejo é terra de forte personalidade. Aqui a identidade cultural é feita de milénios. Encontramos esta identidade nos povoados, no seu urbanismo e na sua arquitetura. As casas brancas térreas são uma das imagens de marca do Alentejo. Casas em montes isolados ou em aldeias, de paredes grossas de taipa ou adobe reforçadas por “gigantes” ou “gatos”. Casas de cantos boleados de tanta vez que foram lavadas de branco, com o azul da barra protegendo balcão, janelas e portas. Casas com espetaculares chaminés.

 

As chaminés no Alentejo são verdadeiras obras de arte. A chaminé alentejana é o centro da casa, o local de reunião da família, onde se cozinha, come e contam histórias. O resto da casa desenvolve-se em volta da chaminé. Quando se construía uma nova casa era importante saber quantos dias de chaminé se encomendavam ao construtor. As chaminés do Alentejo são únicas na forma, no papel que têm no quotidiano e na decoração, justamente o tema que vamos abordar.

 

O medo do desconhecido acompanha o homem desde sempre. Criámos religiões para explicar um universo que não conhecemos ou não podemos controlar. Ao longo da nossa vida, ao longo do ano, vamos passando por datas e rituais que nos dão segurança. Na tentativa de regular todo o caos, de controlar o nosso destino, rodeámos o quotidiano de símbolos de proteção. 

 

No Alentejo ainda encontramos símbolos das várias culturas que por aqui passaram. Alguns destes povos acabaram esquecidos pela História. Ficaram os símbolos. Encontramos símbolos de diferentes épocas que chegaram até nós em caminhos, templos, necrópoles e sepulturas, e em diferentes partes das casas como portas, janelas ou chaminés. 

 

A chaminé é especialmente importante porque à noite podemos trancar as janelas e as portas mas não podemos trancar a chaminé. Esta está próxima de uma divindade muito importante para as comunidades agrárias... a lua. 

Consideramos a “chaminé de escuta” como aquela que é tipicamente alentejana. Diz-se “de escuta”, pois quem está dentro de casa consegue ouvir as conversas de quem está na rua. Este tipo de chaminé tem base e tronco prismático retangular. A saída dos fumos é coberta com diferentes construções em telha. 

É precisamente nas chaminés de escuta que encontramos a maior parte dos símbolos de proteção e as datas mais antigas que nos chegam remontam ao final do século XVII. As decorações com símbolos de proteção são uma das evidências mais diretas que temos para estudar o imaginário dos alentejanos desde o século XVII. Num meio rural, e em muitas das suas habitações, temos decorações que são reflexo de uma população com um riquíssimo leque de crenças.

 

Com o nosso estudo pretendemos chamar a atenção para este aspeto da nossa identidade cultural que tem sido completamente negligenciado: a decoração das chaminés alentejanas com símbolos de proteção. É urgente despertar para a importância destas chaminés, para que possamos protegê-las legalmente ou para que os proprietários tomem consciência do seu valor.

 

Estudámos 94 chaminés decoradas com símbolos de proteção. Destas, 89 são de escuta (94 por cento) e apresentam datas do século XVII ao XIX, num período de 200 anos. O símbolo omnipresente e central é a Cruz Latina, que surge em 80 chaminés (85 por cento). Dois outros símbolos surgem em maior percentagem que os restantes: a Roseta Hexapétala, muitas vezes isolada, e a Suástica Lauburu, por vezes em pares. Encontramos também o Pentagrama, o Nó de Salomão, o Crescente, a Roda Solar e vários símbolos geométricos. Passamos a descrever alguns deles.

 

A Cruz Latina representa um método de execução dos romanos: a crucificação. Jesus Cristo foi crucificado pelos romanos e o cristianismo adotou este símbolo. A cruz simples é um símbolo mais antigo e usado por várias religiões em várias partes do mundo. Pode mesmo ser uma forma de suástica e um símbolo solar. Nas nossas chaminés, a Cruz Latina tem um papel central por vezes ladeada ou mesmo substituída pela Roseta Hexapétala. A Hexapétala e o Lauburu podem também ser símbolos solares. Encontramos aqui, provavelmente, uma tentativa de abafar cultos lunares tão queridos às sociedades agrárias.

A Roseta Hexapétala é usada como símbolo de proteção desde a Idade do Bronze até ao século XX. É dos símbolos de proteção que surge com mais frequência ao longo da história. É também daqueles que surge nos mais variados suportes, aparecendo muito associada a crescentes, a estrelas e a pentagramas, por exemplo. Esta associação faz-nos lembrar a dualidade sol e lua. E isto leva-nos a pensar que pode ser uma representação estilizada do sol, invocando assim a proteção de deuses solares.

 

O Pentagrama (Selo de Salomão) é dos símbolos de proteção mais antigos que se conhece. Os registos mais antigos chegam-nos do crescente fértil há mais de cinco mil anos. Com o nome de Pentalfa teve grande destaque entre os gregos, especialmente os pitagóricos. Foi símbolo de Salomão e de Jerusálem, ganhando o nome de Selo de Salomão. O que torna o Pentagrama tão interessante é o facto de ainda ser usado no Alentejo sob o nome adulterado de Sino Saimão (Selo de Salomão). Encontramos o Pentagrama protegendo portas e janelas, igrejas, pontes, abrigos de pastores, fornos, castelos e até barcos.

 

Os nós fazem parte da história do homem. Quem não conhece o Nó Górdio e a solução de Alexandre? Leite de Vasconcelos, na sua obra Signum Salomonis, refere o nodus herculaneus dos gregos e romanos, um nó mágico, que pode ter ganho o nome de Nó de Salomão na crença judaico-cristã e que, também ele, encontramos a decorar as nossas chaminés. Ainda segundo Vasconcelos, “os nós mágicos têm fundamentalmente por fim prender os espíritos, ou os bons ou os maus”.

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