Com um percurso de 15 anos, André Martins e Cristiano Rodrigues são a cara de “Imperfecthus”, um grupo humorístico que nasceu em Beja, em 2009, envolto no “humor de embaraço” e em personagens “inspiradas em pessoas 100 por cento reais”. Ao “Diário do Alentejo”, no ano em que lançam o seu segundo filme, o grupo faz um balanço do que tem sido esta caminhada on line.
Texto Ana Filipa Sousa de SousaFoto Ricardo Zambujo
Aníbal, Engrola, Valdemar Marreco, Puto Irritante, Salazar ou Homem do Lixo. São estas algumas das personagens a que, nos últimos anos, André Martins e Cristiano Rodrigues têm vestido a pele e dado a conhecer ao público. A aventura, segundo contam ao “Diário do Alentejo”, começou em 2009 com o surgimento e o boom do Youtube e a tentativa de “conseguir fazer uma coisa parecida com aquilo que nós víamos na televisão”, ou seja, os “Gato Fedorento” e “Os Contemporâneos”.
“O Youtube despertou-me alguma atenção, porque pensei que aquilo realmente poderia ser o futuro. Eu via o Cristiano na escola a imitar os sketches dos ‘Gato Fedorento’ e decidi convidá-lo para fazermos o canal em conjunto e foi a partir daí que começámos a gravar e, como tinha interesse na parte da produção e edição, a editar os vídeos”, começa por contar André Martins, de 32 anos.
Embora soubessem desde cedo o caminho que queriam percorrer na comédia, o começar a criar “foi um bocadinho mais difícil”, uma vez que não estavam “habituados a isso”. “Nós não tínhamos um guião. Nós tínhamos uma ideia inicial de uma piada ou de uma caricatura que queríamos fazer, metíamos a gravar e depois desenvolvíamos com a criatividade do momento”, confirma Cristiano Rodrigues, de 31 anos.
Entraram, assim, na comédia, através de personagens “inspiradas em pessoas 100 por cento reais”, que traziam das suas infâncias e vivências do dia a dia e cujas “falhas” tinham “piada”, como o Engrola, que surge em tributo “aos velhotes que iam com as mãozinhas atrás das costas a mexer nas chaves e a perguntar aos moços, que estavam a jogar à bola, ‘então o que andam fazendo?’”, ou o Aníbal, que é criado após “um ‘mongolóide’” chamar “’mongolóide’” a um dos “Imperfecthus”, como são conhecidos. “Achei graça, ou seja, o gajo não se consegue observar a ele próprio”, graceja André Martins.
“Acabamos por utilizar isso e trazer para as nossas personagens e resulta, porque a malta ri-se e as próprias pessoas que têm estas falhas acabam por se identificar e achar graça, ou seja, não se sentem ofendidas e a pensar que estamos simplesmente a fazer pouco delas”, revela Cristiano Rodrigues. O colega corrobora: “Acho que o humor é sempre a identificação e nós, além do texto, que trabalhamos bastante para que fique em condições, temos a preocupação de representar e a única forma de sermos mais originais do que tudo o resto é realmente ir buscar às nossas origens, porque vivemos aquilo, observamos aquilo e, de certa forma, toda a gente tem aquelas pessoas nas suas regiões”.
Desta forma, com base na comédia através de personagens, optaram por se diferenciar dos demais humoristas também pelo “humor de embaraço”, algo que “não era um humor muito português”. “Se formos analisar o nosso humor, é mais popular, é um humor de piada dita e não propriamente constrangimento de sentir a situação, [mas] o Cristiano fazia um embaraço engraçado, uns constrangimentos engraçados e eu divertia-me muito a vê-lo fazer. Aliás, eu escrevia já para depois vê-lo a fazer aquilo e nós começámos por esse género de humor e conseguimos logo cinco mil seguidores no Youtube, o que, para essa altura, já eram alguns”, diz.
Seis anos depois, em 2015, já com um grupo de espetadores consolidado, linear e ativo no on line, os “Imperfecthus” sentiram que, “para viver da comédia”, tinham de alterar o formato e ingressar no stand-up . “Começámos a batalhar para ganhar seguidores na Internet para depois mais tarde levar para o palco. Assim, desde 2015, que todas as semanas somos regulares, [ou seja], todas as terças-feiras saem sketches, independentemente do trabalho que tenhamos com outras coisas”, refere.
O mundo do cinema Um dos passos importantes que deram nas suas carreiras foi enveredar pelo mundo cinematográfico da comédia e, entre 2016 e 2018, gravaram e exibiram o “Dalila”, um filme “totalmente ‘Imperfecthus’”, que esgotou salas de cinema por todo o País, incluindo o Pax Julia Teatro Municipal, em Beja. Por seu turno, a “surpresa” e o sucesso das bilheteiras fez com que, no início do ano passado, os humoristas bejenses começassem a trabalhar num outro filme “criativamente diferente”.
“Basicamente, [o filme] consiste em dois irmãos que se envolveram com uma máfia, um deles deve dinheiro, o outro matou uma criança sem querer, e então estão ali numa ‘encrenca’ de terem de arranjar o dinheiro para pagar à máfia e fugir da polícia para não serem apanhados. Estão pobres, tiveram de fugir da casa onde estavam e vivem no carro e a história toda passa-se em volta do Cristiano treinar e emagrecer para ganhar um combate que tem um prémio que é o ideal para poder pagar à máfia e ficarem os dois livres dessa preocupação”, confidencia Cristiano Rodrigues.Porém, a originalidade da longa-metragem revela-se neste mesmo combate. A gravação desta cena foi “a sério”, num evento organizado no passado sábado, 15, na Casa da Cultura de Beja, e que resultou de mais de um ano de “treino intensivo” por parte de Cristiano Rodrigues, que perdeu 10 quilos, para que o resultado final fosse “um filme em condições”.
“Neste filme o desafio maior tem sido esta parte mais criativa, principalmente, no final, [porque] temos estes dois finais que podem ser totalmente distintos, dependendo do Cristiano ganhar ou perder. Tivemos de escrever dois guiões para a parte final, porque, caso o Cristiano ganhe, é um, caso o Cristiano perca, é outro”, realça André Martins. E acrescenta: “O desafio neste caso é mais interessante, porque também vem aqui um bocadinho da realidade. Num filme normal nós seguimos do início ao fim o guião, aqui vai depender do resultado real [do combate]. Em alguns momentos há dramas, não é só uma comédia pura e dura, é uma comédia dramática e há uma diferença [em relação ao ‘Dalila’], porque não há só palhaçada, mas, sim, uma certa profundidade”.Esta opção criativa, segundo os humoristas, criará também no público uma grande atenção e ansiedade, uma vez que, além da imprevisibilidade, tendo em conta que o resultado do combate que opôs Cristiano Rodrigues e Alcides Semedo não foi divulgado propositadamente, saber-se-á que essa parte do filme é “real” e que “o que aconteceu no combate é aquilo que vai acontecer no filme”, sem adulterações, ensaios ou invenções.
Em “O gordo contra-ataca” existem ainda outras características que o diferenciam de “Dalila”, principalmente, ao nível logístico, e que tem feito com que este seja um “desafio diferente”. Se no primeiro filme os dois humoristas interpretavam “os personagens todos” e ainda eram os cameramen e produtores, neste segundo “quisemos incorporar mais equipa e mais pessoas”, refere.
Com as últimas gravações ainda a decorrer, André Martins e Cristiano Rodrigues adiantam ao “DA” que estão “sempre dependentes da boa vontade das salas de cinema” para realizar a estreia do filme, porém, apontam-na para setembro, salvaguardando que, caso não seja possível, “pelo menos neste ano” devem “fazer algumas salas”.
“Gostaríamos [de esgotar] obviamente. Os altos e baixos acontecem sempre, mas, pela minha perspetiva e pelo que estou a ver, acho que vamos conseguir fazer umas boas salas e talvez esgotar algumas, porque foi o que aconteceu nos espetáculos. Em princípio, o filme, como eu e o Cristiano não fazemos coisas juntos há algum tempo, vai aglomerar mais alguma gente, porque ver-nos numa sala de espetáculos juntos já não acontece há quase três anos. É um produto totalmente ‘Imperfecthus’ e tem tudo para correr bem e estamos confiantes que isso aconteça”, ambiciona André Martins.A acompanhar “O gordo contra-ataca”, os “Imperfecthus” lançarão, pela primeira vez, um livro ilustrado que “conta a outra parte da história”, isto é, “a parte que aprofunda mais a máfia” e que “é mais fácil escrever e as pessoas imaginarem como é do que propriamente estar a mostrar”.
Um percurso cimentado Volvidos 15 anos desde que seguiram o caminho da comédia, André Martins e Cristiano Rodrigues garantem que o balanço é “positivo” e que vai ao encontro do que tinham idealizado.
“Nós, no início, demos aquilo que nós queríamos, depois aquilo que as pessoas queriam e, aos poucos, fomos alterando para aquilo que nós queríamos novamente. Nós temos sentido essa transição, começámos com o humor de embaraço, fomos para os personagens e agora estamos a retomar a personagens de cara limpa, [ou seja], sermos nós próprios”, acentua André Martins. “Acho que fomos acompanhando também o tempo, porque inicialmente uma coisa funcionava, mas deixou de funcionar. E, por isso, vamo-nos adaptando também, fazendo aquilo sempre que nós queremos fazer, mas adaptando aquilo que as pessoas também gostam de ver”, completa Cristiano Rodrigues.
Ainda assim, os humoristas não escondem os degraus que, por diversas vezes, têm tido dificuldades em subir. Trabalhar da Internet e da apreciação dos outros não é tarefa fácil e desde o início que o grupo tem consciência de tal e o logótipo que os acompanha é um sinal claro dessas mesmas adversidades, já que representa “o fazer com pouco, fazermos nós com sacrifício, perseverança, dureza” e uma longa “história de andarmos a partir pedra”.
“Nós fazemos bonecos e a máscara é isso mesmo, simboliza os bonecos que nós fazemos, a encenação, e depois essa máscara tem algumas fraturas, ou seja, não é nova, já passou por batalhas, assim como o nosso crescimento”, revela Cristiano Rodrigues. Crescimento esse que tem sido marcado pela falta de apoios, pela tentativa de não cair na rotina, pela fuga à falta de criatividade e pela exigência de estar presente e constantemente a lançar trabalhos novos.
“Já são quase 15 anos a trabalhar nisto e este crescimento é interessante porque temos vindo a melhorar, obviamente, que é difícil manter uma qualidade sempre, mas nós assumimos essa imperfeição e daí também o nome do grupo. Tem de haver uma gestão de carreira que nós sempre tivemos cuidado. Por exemplo, é mais fácil aguentar um vídeo de três minutos por semana e viver a conseguir picar o ponto e a fazer com que as pessoas digam ‘olha nesta semana foi muito bom, na semana a seguir foi mais ou menos, na outra semana foi muito bom, no próximo foi mais fraquinho’, do que propriamente estar a fazer humor diário e estarmos a correr o risco de perder muito público, porque, entretanto, já é chato e já se cansaram”, justifica André Martins.
De forma inconsciente ou não, o grupo “Imperfecthus” tem marcado uma geração e tem conseguido acompanhá-la com a sua evolução humorística. Atualmente, são dos poucos humoristas alentejanos que não escondem a sua origem e fazem dela fonte de inspiração para o que está à sua volta, sendo críticos da sociedade que os rodeia. São conhecidos na rua não só pelas suas personagens, mas também por expressões características que o público carinhosamente tomou como suas. “Estamos sempre à prova, somos sempre o último sketch que lançamos”, conclui André Martins.