O Baixo Alentejo perdeu 9,3 por cento da população residente na última década. O declínio demográfico verificado é acompanhado pelo envelhecimento da população. De acordo com os resultados provisórios dos Censos 2021, 27,6 por cento dos residentes têm 65 e mais anos. Com menos de 15 anos são 12,7 por cento, menos de metade da população idosa. Segundo o sociólogo Marcos Olímpio dos Santos, para inverter o cenário “seria necessário que os territórios dispusessem de uma população jovem em idade fértil e que cada mulher tivesse em média, pelo menos, 2,1 crianças”.
Texto Nélia Pedrosa
Os resultados provisórios do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação – Censos 2021, divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que 27,6 por cento da população residente no Baixo Alentejo (NUT III que, para fins estatísticos, corresponde ao distrito de Beja, excluindo o concelho de Odemira) têm 65 e mais anos. Em 2011 eram 25,2 por cento. Ainda de acordo com os Censos 2021, 12,7 por cento dos residentes têm menos de 15 anos, o que corresponde a menos de metade da população idosa.
Os resultados provisórios resultam, adianta o INE, de uma fase intermédia do processo de tratamento e validação da informação e constituem o segundo momento de divulgação dos Censos 2021.
Segundo os dados do INE, entre 2011 e 2021, o Baixo Alentejo perdeu população em todos os grupos etários, registando-se a maior quebra na faixa dos 0-14 anos (-13,8 por cento), seguindo-se os grupos 15-24 anos (-12 por cento), 25-64 (-11,9 por cento) e 65 e mais anos (-0,6 por cento). No total, na última década, o Baixo Alentejo perdeu 9,3 por cento da sua população residente, contabilizando atualmente 114 889 indivíduos (menos 11 803 residentes do que em 2011) – 56 359 homens e 58 530 mulheres.
Barrancos e Mértola, como já tinha sido noticiado aquando da divulgação dos resultados preliminares dos Censos 2021, são os concelhos que apresentam um decréscimo populacional mais significativo comparativamente a 2011, -21,5 e -14,7 por cento, respetivamente. Seguem-se Vidigueira (-12,7 por cento), Moura (-12,6 por cento), Serpa (-11,9 por cento), Cuba (-10,3 por cento), Ourique (-10,2 por cento), Almodôvar (-9,9 por cento), Alvito (-8,9 por cento), Ferreira do Alentejo (-6,9 por cento), Beja (-6,8 por cento) e Castro Verde (-5,5 por cento).
MÉRTOLA, OURIQUE E ALMODÔVAR SÃO OS CONCELHOS MAIS ENVELHECIDOS
Analisando a evolução da população por grupo etário e concelho, Mértola (36,8 por cento), Ourique (34,4 por cento) e Almodôvar (32,6 por cento) são os que apresentam percentagens de população idosa (65 e mais anos) mais elevadas. Os restantes concelhos registam valores entre os 23,5 (Beja) e os 30 por cento (Alvito). De salientar que, no conjunto dos 13 municípios que integram o Baixo Alentejo, Aljustrel é o que apresenta o maior acréscimo populacional na faixa 65 e mais anos, na última década, (7,7 por cento) e Barrancos a quebra mais acentuada (-13,2 por cento).
No lado oposto, os concelhos com maior percentagem de população entre os zero e os 14 anos são Moura (14,8 por cento), Beja (14,1 por cento) e Cuba (13,2 por cento). As quebras mais significativas de população jovem (0-14) entre 2011 e 2021 verificam-se em Barrancos (-28,5 por cento), Vidigueira (-18,9 por cento) e Serpa (-18,7 por cento). Em contrapartida, Aljustrel é o município que perdeu menos crianças e jovens entre os zero e os 14 anos (-0,4 por cento).
Na generalidade dos concelhos que compõem a NUT III Baixo Alentejo, a faixa 25-64 anos representa cerca de 50 por cento do total da população. A média do Baixo Alentejo é de 50,1 por cento. Barrancos (-25,5 por cento), Moura (-15,9 por cento) e Mértola (-14,7 por cento) são os que apresentam as quebras mais acentuadas no referido grupo etário, na última década.
No grupo 15-24 anos, as percentagens mais elevadas de população registam-se nos concelhos de Moura (11,1 por cento) e Beja (10,5 por cento) e as menores em Ourique (8,1 por cento) e Almodôvar (8,6 por cento). Os municípios de Mértola (-32,6 por cento), Vidigueira (-27,9 por cento) e Serpa (-20,6 por cento) são os que sofreram uma maior quebra de população, entre 2011 e 2021, nesta faixa etária.
DIMINUIÇÃO DE NASCIMENTOS E PERSISTÊNCIA DA MIGRAÇÃO
Marcos Olímpio dos Santos, sociólogo, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS. NOVA. EU Évora), sublinha, em declarações ao “Diário do Alentejo”, que o decréscimo populacional do Baixo Alentejo “está relacionado com o fenómeno migratório dos territórios aqui incluídos, a partir da década de 50 do século XX, em direção a territórios com vantagens comparativas favoráveis (localização privilegiada, setores produtivos dinâmicos, população em crescendo), tais como a zona da Grande Lisboa, a península de Setúbal e locais de alguns países da Europa em particular”. Na sua maioria, prossegue, “foi população jovem, na idade fértil, que saiu para o exterior, o que desequilibrou o saldo natural (pois o número de nascimentos começou a baixar, enquanto o número de falecimentos se manteve a níveis previstos, e em breve superou aquele), tendo contribuído para o decréscimo populacional e para o duplo envelhecimento em cada território”.
Na base da migração de jovens, adianta ainda Marcos Olímpio dos Santos, “esteve a falta de emprego nos locais de origem e a disponibilidade de emprego nos locais de destino, o que decorreu do crescimento da indústria e dos serviços nos, ou perto, dos grandes centros urbanos”.
No que diz respeito aos jovens casais que têm permanecido no Baixo Alentejo, constata-se, na generalidade, “que o número dos respetivos descendentes tem diminuído em comparação com gerações anteriores, devido, em muito, aos condicionalismos da vida moderna (desempenho de uma profissão pelos dois membros do casal e preocupação de proporcionar a mais elevada qualificação possível a filhos e filhas), o que originou a diminuição da fecundidade e, em especial, abaixo da média de 2,1 filhos por mulher em idade fértil, patamar abaixo do qual não é possível que a renovação de gerações seja assegurada”.
“O decréscimo da população em territórios com problemas de desenvolvimento gera mais decréscimo da população, quer pela diminuição de nascimentos, quer por persistência da migração (com destaque para jovens com qualificações), o que acarreta consequências já conhecidas: diminuição de funções centrais públicas (educação, saúde, forças de segurança) e mesmo de alguns serviços privados (por exemplo, agências bancárias), o que é justificado por uma questão de escala ou de limiares mínimos aceitáveis”, diz o investigador, adiantando que “tais territórios entram, assim, num processo circular negativo, e não raro, de fragilização acentuada, que dificulta a sustentabilidade demográfica e económica”.
“NÃO SE AFIGURA POSSÍVEL INVERTER A TENDÊNCIA DE DECLÍNIO”
Para se “inverter o cenário descrito”, frisa o sociólogo, “seria necessário que os territórios dispusessem de uma população jovem em idade fértil e que cada mulher tivesse em média, pelo menos, 2,1 crianças, ou seja, seria necessário uma reviravolta demográfica, a qual depende quer de políticas públicas locais (municipais e intermunicipais), que têm vindo a ser concretizadas desde 1974, quer de políticas públicas nacionais, que têm vindo a ser timidamente ensaiadas, e que até à presente data não têm surtido o efeito desejado, ambas apoiadas por fundos disponibilizados pela União Europeia”.
Face “à situação de partida”, sistematizada nos Censos 2021, e “aos contextos pouco favoráveis de âmbito nacional e internacional”, Marcos Olímpio dos Santos sublinha que “não se afigura possível, mesmo no longo prazo (por exemplo, até aos próximos censos 2031), inverter a tendência de declínio demográfico nos territórios com problemas de desenvolvimento, mas tanto quanto possível atenuar essa tendência”.
“Manter ou reforçar o investimento em infraestruturas de apoio qualidade de vida (incluindo a cultura) e no desenvolvimento económico e empreendedorismo, traçar ou aprimorar um rumo que indique como se irá revalorizar a identidade territorial e afirmar o território no exterior, através de opções estratégicas e ‘marketing’ territorial” são, segundo o sociólogo, “algumas das reflexões que sugere para debate e aprofundamento a situação que se vive no Baixo Alentejo”, para que seja possível “fixar os e as jovens locais e atrair população qualificada de outros territórios”.
A concluir, Marcos Olímpio dos Santos diz que “nestas circunstâncias mais adversas do que favoráveis” se deve dar o “devido reconhecimento a todos e todas – autarcas, responsáveis por organizações sem fins lucrativos, empresários/as e população que persiste em permanecer –, pois são a eles e elas que se deve a continuidade da esperança num futuro melhor”.