Em 1918 morrem na freguesia de Castro Verde 242 pessoas, muitas delas devido à gripe espanhola. A maior incidência de mortes é de jovens adultos, com menos de 45 anos.
Texto Miguel Rego
A pandemia que assola o nosso país, desde os primeiros meses do ano de 2020, cujas origens se perdem num cada vez maior enredo de natureza estratégico-política, é um episódio terrífico nas nossas vidas cujos efeitos futuros são impossíveis de determinar. E pela experiência que temos relativamente ao ano passado, nem a astrologia nos salva… ou melhor, nos mostra os caminhos que vamos ter de calcorrear para podermos afirmar com segurança: vai ficar tudo bem! Até porque, não vai!
O conhecimento que temos do passado, permite-nos entrar em alguns episódios conjunturais de crises desta natureza que ocorreram nos últimos séculos, sobretudo depois do século XIV, permitindo-nos tirar ilações sobre o que foi lidar com crises pandémicas de dimensões universais. Mas pouco mais do que isso… Se bem que mesmo esse pouco não tenha sido utilizado vezes suficientes para percebermos como enfrentar um problema que começamos agora a assumir ser universal, desestabilizador da vida social e económica, de efeitos desconhecidos no que concerne à saúde individual num futuro próximo e menos próximo.
No meio de tantas epidemias que nos assolaram, há uma delas, a chamada gripe espanhola, que ocorreu nos anos de 1918 e 1919, que chegou a muitos de nós pelas histórias contadas pelos nossos pais e avós, que pela proximidade temporal e pela sua incidência no mundo ocidental é muitas vezes referenciada e tida como paralelo na forma como se olhou [olha] para a atual pandemia provocada pelo covid-19.
Na freguesia de Castro Verde o número de mortos provocados pela “gripe espanhola” não deverá andar longe das 150 pessoas. A ausência de um estudo pormenorizado pelo que se terá passado nas terras da “janela sobre a planície”, permite-nos apenas perceber as abordagens e a forma como por ali se lidou com a “influenza”. Este pequeno artigo é apenas um relato que pretende evidenciar a necessidade de se utilizar a história para perceber o que se passou então e responder a muitas das questões que hoje se colocam perante uma crise pandémica incomensurável.
A gripe espanhola, influenza, ou pneumónica, “atacou” em três vagas no nosso país. Tendo irrompido nos Estados Unidos no princípio do ano de 1918, chega a Portugal à volta de maio, aparentemente trazida pelos trabalhadores que regressavam dos trabalhos agrícolas em Espanha, tendo os primeiros casos sido identificados em Vila Viçosa. No entanto, afetou sobretudo as duas maiores cidades portuguesas, Lisboa e Porto, em junho, desaparecendo, aparentemente, quase que imediatamente no fim desse mês.
No entanto, pelas terras de Castro Verde, não terá sido reconhecida nesta sua primeira vaga. Pela leitura da documentação produzida pela Câmara Municipal local, ela não se faz sentir em junho. Contudo, o número de mortes registado em julho levanta dúvidas quanto às razões de tão anormal mortandade e obriga a questionar se não será ela fruto da pandemia que devastará o mundo em mais de 50 milhões de pessoas.
Em 1918 morrem na freguesia de Castro Verde 118 homens e 124 mulheres, num total de 242 pessoas. A título comparativo diga-se que em 1917 terão morrido menos de 100 pessoas e em 1919, mesmo estando a ocorrer a 3ª vaga da gripe espanhola em Portugal, os números terão rondado os 50 homens e 27 mulheres. Número que indicia uma fraca repercussão desta última vaga da pneumónica para as bandas da freguesia castrense.
Olhando para 1918 e para os meses em que ocorrem os 242 falecimentos, constatamos que eles se verificam sobretudo em julho (20 homens e sete mulheres), outubro (15 homens e 26 mulheres) e novembro (41 homens e 49 mulheres). Por norma, os números da mortandade andam abaixo da dezena.
A segunda vaga da pneumónica manifesta-se em agosto, no Norte do país. A primeira morte associada à pandemia é registada em Castro Verde no último dia do mês de setembro. A 2 de outubro um ofício do Administrador do Concelho, dirigido ao Governador Civil de Beja, informa que já apareceram casos de “…influenza pneumónica, tendo-se dado no dia 30 do mês findo [setembro] um caso fatal”. Mas será particularmente mortífera em novembro. Como já vimos, esta vaga ceifará cerca de uma centena de vidas só na sede de freguesia da “janela sobre a planície”.
A terceira vaga ocorreria em abril e maio do ano seguinte, mas sem as características mortíferas das duas anteriores. E por terras de Castro não há qualquer notícia da ocorrência de casos graves.
A identificação das mortes provocadas pela “pneumónica” não é comum na documentação consultada respeitante à freguesia de Castro Verde. Mas olhando para os números do ano de 1918, são visíveis alterações à norma que justificam, objetivamente, essa casualidade assente no episódio epidémico.
O período da segunda vaga da pneumónica é, sem sombra de dúvida, o de maior mortandade. E os piores dias concentram-se entre 1 e 4 de novembro. Dia 1 registam-se seis falecidos, dia 2, sete, dia 3, três e a 4 de novembro há registo de nove mortos.
Na memória de muitos de nós criada pelos nossos pais e avós, repetem-se cenários dantescos de vários mortos quase simultâneos na mesma casa… Na documentação consultada para esta freguesia multiplicam-se situações dilacerantes descritas pelo médico municipal: a morte do filho de nome Joaquim BG, de um ano, acontece às 18:00 horas e o pai, com 39 anos, três horas depois, na Estação de Ourique. Ou o caso de Francisca Figueira, 24 anos, e do seu filho de um mês. Ou o de Barbara JV, dos Geraldos, com 36 anos, que morre com a diferença de pouco mais de uma hora do seu filho de sete anos, João VB.