Diário do Alentejo

Ho Chi Minh: “VÁ CARVÃOOOOOOOOO”!

22 de julho 2021 - 11:00

“Nós não fazemos parte de uma banda rock, fazemos parte de uma banda de metal”, diz João Ramos, vocalista dos Ho Chi Minh, em entrevista ao “Diário do Alentejo”, reforçando a energia do som da banda bejense que está a comemorar 20 anos de amplificadores ligados ao público. Duas décadas de música celebradas através do lançamento do álbum “This is Hell” e do tão aguardado regresso aos palcos – “a melhor das sensações”. 

 

Texto José Serrano

 

Vinte anos passados desde o início da banda, encontram-se no ponto do caminho expectável ou a paisagem do momento é completamente diferente daquela que poderiam prever?

Nunca pensámos muito onde queríamos estar, passados “x” anos. A verdade é que a banda tem neste momento 20 anos de existência e, mais do que pensar onde deveríamos estar hoje, pensamos onde vamos querer estar amanhã, esse é o nosso foco – conseguir o máximo de oportunidades de mostrar o nosso trabalho.

 

Na celebração destes 20 anos lançaram, em janeiro último, o disco “This is Hell”. Que inferno é este, o vosso?

Este álbum tem uma sonoridade mais “dark”, mais pesada, do que os nossos registos anteriores – foi algo que achámos que faria sentido quando compusemos as músicas. A vida muitas vezes parece um inferno e há que conseguir dar a volta por cima… Se na verdade sentirmos, por vezes, que tudo o que nos rodeia parece um inferno, que haja a força e a determinação para nos “sentirmos em casa”, conseguindo seguir em frente, apoiando-nos naqueles que nos amam e que nos rodeiam.

 

A inspiração para as vossas músicas provém dos mesmos estímulos, de 2001, ou é inevitável ir bebendo, ao longo do caminho, a outras fontes?

Como é óbvio, o caminho que percorremos vai-nos moldando e influenciando. A inspiração continua a ser a mesma – partilhar e viver momentos entre amigos e para amigos. Mas hoje somos seres humanos e músicos diferentes do que éramos, há 20 anos. As músicas são outras mas a mensagem e a ideologia é a mesma.

 

Sendo raras as bandas com a longevidade da vossa, qual o segredo desta vossa união?

O segredo é a amizade, que sempre nos uniu. A capacidade para nos dedicarmos a algo sem interesses próprios ou individuais. Partilhamos o amor à música, partilhamos sentimentos, mas acima de tudo partilhamos um amor ao coletivo, que é a nossa banda.

 

Quase dois anos depois, voltaram agora aos palcos – tocaram recentemente no Pax Julia Teatro Municipal, em Beja no RCA Club, em Lisboa. Qual a sensação deste regresso à comunhão com o público?

A sensação é muito boa. Se por um lado dar concertos para um público sentado é estranho, sem a partilha do calor que este tipo de música proporciona, a vontade de partilhar emoções e de voltar a sentir o prazer de estar em palco supera este facto. Quem foi aos nossos concertos anteriores, apesar de assumir que é estranho estar sentado, gostou bastante de poder a voltar a ver-nos ao vivo.

 

O palco é, para vocês, o prazer musical supremo, algo insuperável?

Estar em palco é a melhor sensação de todas, sem dúvida. O estúdio depende mais de músico para músico. Eu adoro o processo de estúdio – na elaboração das músicas gosto de ver tudo a acontecer, desde o início até ao fim. Os ensaios também são excelentes momentos de partilha e de convívio, mas diria que estar em palco é a melhor das sensações, sem dúvida.

 

De que forma se adaptaram, como músicos, ao período de confinamento imposto pela pandemia? Paralisou a pulsão criativa ou, por outro lado, impulsionou novas ideias e caminhos?

No nosso caso específico serviu apenas para termos mais tempo para preparar os concertos ao vivo. Na verdade, veio em muito má hora (se é que haveria uma boa hora), porque já tínhamos terminado as gravações do álbum e a pandemia acabou por “paralisar” o processo que tínhamos pensado para este disco.

 

Beja tem sido o berço de inúmeras bandas. Como diriam que está o estado de saúde do rock bejense, se compararmos com o que se passava em 2001, o vosso ano de estreia?

Diríamos que está pior... A tendência atual não está direcionada para o rock/metal. Neste momento, os jovens estão mais virados para outros estilos de música e há, sem dúvida, menos bandas de originais em Beja, com muita pena nossa.

 

Consideram que os poderes públicos, nomeadamente aqueles que se relacionam com a área cultural, deveriam criar melhores condições para as bandas existentes e fomentar as circunstâncias para as que possam ambicionar surgir?

Na verdade, pensamos que para recebermos boas condições e oportunidades temos que as merecer. Muitas vezes, existe a ideia que basta existir, que basta fazer alguns ensaios para se merecer boas condições e apoios. Nós, ao longo dos anos, conquistámos o nosso espaço: iniciámos os ensaios debaixo da bancada exterior da Casa da Cultura de Beja, mais tarde passámos para uma sala debaixo do palco e depois para uma sala que pertencia ao Conservatório. Fomos sempre agradecidos e respeitadores dos apoios que nos foram dados e mostrámos que seríamos uma bandeira da nossa cidade, num estilo que não é ‘mainstream’. É verdade que a sonoridade não é comercial, mas também é verdade que não nos faltaram oportunidades de atuar nos principais eventos da cidade como a Ovibeja, a Rural Beja e a Bejalternativa. Nos dias de hoje, acredito que não seja tão fácil isso acontecer, pelas razões que já disse anteriormente – a tendência atual da música é outra. Assumimos, no entanto, que gostaríamos de voltar à Ovibeja ou, mais ainda, tocar na Praça da República. Seria um orgulho para nós… quem sabe, um dia.

 

Sentem que, com 20 anos de amplificadores ligados, têm vido a criar descendência metálica em Beja?

Sentimos que somos uma referência para a cidade, dentro deste estilo musical. Não sei se estaremos a criar uma descendência metálica mas penso que seremos, sempre, uma referência para possíveis novos projetos.

 

Que importância tem para as vossas vidas o facto de fazerem parte de uma banda rock?

Nós não fazemos parte de uma banda rock, fazemos parte de uma banda de metal – isto para reforçar que a sonoridade é mais forte que a do rock. A importância que tem, esse facto, é a possibilidade de podermos partilhar algo entre nós e entre nós e as pessoas que nos ouvem e se identificam connosco, que são cada vez mais. Mais importante do que o som é a mensagem, e essa pode resumir-se ao facto de não precisarmos de seguir as mesmas linhas ou tendências dos outros. Temos muito orgulho no que fazemos e nos valores inerentes à sonoridade que tocamos, são esses valores que vou querer, enquanto pai, transmitir aos meus filhos. Igualdade de direitos e deveres para todos! Não precisamos de seguir as tendências que os outros seguem para sermos aceites ou felizes.

 

Como gostariam de comemorar Ho Chi Minh, daqui a mais vinte anos, em 2041?

Com os nossos filhos em palco a tocar – e nós no público, com os nossos amigos de uma vida, a ver! Vá carvãoooooooooo!

 

Nota: Os Ho Chi Minh são formados por João Ramos (voz), Aresta e Rosa (guitarras), Pedro Reis (baixo) e Arlindo Cardoso (bateria).

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