Diário do Alentejo

António Canteiro, vencedor da 4.ª edição do Prémio Literário Joaquim Mestre

25 de abril 2024 - 12:00
Foto | Joaquim MargaridoFoto | Joaquim Margarido

Texto | Luís Miguel Ricardo

 

Nasceu há 59 anos na freguesia de São Caetano, no concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra, e reside atualmente em Febres, localidade do mesmo concelho e distrito, e que dista 1500 metros da casa onde nasceu. É licenciado em Serviço Social e frequentou o Conservatório de Música de Coimbra como executante de flauta transversal. Desde o ano de 1990 que exerce a profissão de técnico superior de reinserção e serviços prisionais, primeiro em Paços de Ferreira e atualmente em Aveiro. Um trabalho que o coloca em contato com população reclusa e/ou em cumprimento de medidas alternativas, prestando apoio técnico aos tribunais, em relatórios para liberdade condicional, para julgamento e para vigilância eletrónica.

Conta que, desde jovem, quando viajava em férias de verão por Espanha, França e Suíça, registava tudo o que via ao longo dos itinerários no seu “caderninho de viagem”. Porém, só depois da licenciatura em Coimbra; só depois da frequência do conservatório; só depois do casamento e do nascimento de uma filha e de um filho; só depois de pertencer aos órgãos sociais de sete coletividades da sua freguesia; só depois de oito anos de vida autárquica; e só depois de completar 42 anos de idade, é que ousou aventurar-se a escrever o seu primeiro romance, Parede de Adobo. Uma aventura que lhe valeu uma menção de honra no Primeiro Prémio Carlos de Oliveira, em Cantanhede. Uma aventura que lhe aprimorou o gosto pela literatura. Uma aventura que já o fez “parir” da sua veia criativa 12 livros, sete romances e cinco de poesia, com o detalhe de terem sido todos premiados, e encontrando-se um deles já traduzido para língua inglesa.

Eis António Canteiro, pseudónimo de João Carlos Costa da Cruz, escritor vencedor da 4.ª edição do Prémio Literário Joaquim Mestre.

 

Porquê António Canteiro?

Uma parte de Cantanhede é gândara, zona de areias e dunas, celebrizada pelo escritor Carlos de Oliveira, e, nesta sub-região da Beira Litoral, “António” era sempre o filho mais velho da prole, às vezes famílias com 10 descendentes. “António” era como se chamava o meu próprio pai. A outra parte de Cantanhede é a região da Bairrada e da pedra Ançã, onde pululavam canteiros, escultores de martelo e cinzel, fazendo surgir do bloco de pedra a estátua que estava lá dentro. “António Canteiro” representa a região onde nasci, o nome com que assino e que adotei para a arte da escrita literária e poética, diferenciado do nome com que assino os meus documentos/ /relatórios de trabalho para os tribunais. Usei este pseudónimo no original do primeiro prémio literário a que concorri, e desde essa data ficou comigo para sempre.

 

Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?

Desde sempre me lembro de escrever e de guardar o que escrevia, pequenos textos e poemas durante o período do ensino secundário e, no ensino superior, textos da juvenília que ainda mantenho e preservo, escritos em máquinas antigas. Fui, aos 16, 17 anos, cofundador do jornal “Ver Lendo” e desde essa altura tenho vindo a colaborar com textos, poemas e crónicas em jornais locais: o “Auri-Negra”, “Boa Nova” e o “Varzeense”. As maiores influências que tive foram do escritor/mestre Idalécio Cação e de Carlos de Oliveira, de quem já li várias vezes todas as suas obras literárias e poéticas. Para além destes, existem escritores a que sempre volto: José Saramago, Juan Rulfo, Gabriel Garcia Marques, Herberto Helder, Sophia de Mello Breyner Andresen, Manuel de Barros, Paul Celan e Marguerite Yourcenar. 

 

Quais as motivações e onde se vai beber inspiração para a escrita?

A primeira motivação e a inspiração para a minha escrita surgem do contexto gândara, onde vivo diariamente, somando a essa condição todas as experiências de vida com que me cruzo no meu quotidiano. Acrescem, a isto, a leitura diária, semanal, mensal de muitos livros, especialmente, romance, poesia, ensaio e crónica. Começo pela manhã, depois de deixar o meu carro junto à paragem do autocarro, que fica a cerca de cinco quilómetros de minha casa. Viajo, utilizando passe social, todos os dias, e durante o percurso leio cerca de 50 minutos de manhã e outros 50 minutos ao fim da tarde. Somando a estes os minutos enquanto tomo um café, consigo ler duas horas por dia. Em geral, consigo ler um livro por semana, 52 livros por ano, isto, no mínimo. Claro que, da leitura, como de uma laranja que exprimida deita sumo, nasce a escrita, gotas e gotas de palavras com que sustento todo o imaginário, toda a criatividade.

 Tendo o António recebido diversas distinções no campo das letras, consegue identificar os concursos literários já vencidos?

Na poesia e no romance, conto com 12 obras publicadas: Parede de Adobo (Edições Húmus), romance que recebeu menção honrosa do Prémio Carlos de Oliveira, em 2005; Ao Redor dos Muros (Gradiva Publicações), romance, venceu o Prémio Alves Redol, em 2009; Largo da Capella (Gradiva Publicações), romance, obteve a menção honrosa do Prémio João Gaspar Simões, em 2011; O Silêncio Solar das Manhãs (Gradiva Publicações), poesia, venceu o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, em 2013; Logo à Tarde Vai Estar Frio (Gradiva Publicações), romance galardoado em 2013, com menção especial do júri, no Prémio João José Cochofel/Casa da Escrita de Coimbra, e vencedor, em 2015, do Prémio M.ª Amália Vaz de Carvalho; Na Luz das Janelas Pestanejam as Sombras (Edições Húmus), poesia, arrecadou o Prémio de Poesia de Bocage, em 2015; A Luz Vem das Pedras (Gradiva Publicações), romance, venceu o Prémio Alves Redol, em 2015; Vamos Então Falar de Árvores (Edições Húmus), romance, venceu ex-aequo o Prémio Bento da Cruz, em 2018; A Casa do Ser (Gradiva Publicações), poesia, venceu o Prémio de Poesia de Bocage, em 2018. Não Fosse o Tumulto de Um Corpo (Edições Húmus), poesia, venceu o Prémio de Poesia António Cabral, em 2019 e foi menção honrosa no Prémio Glória de Sant’Anna, em 2022. Nocturno (Gradiva Publicações), romance, venceu o Prémio Literário Ferreira de Castro, em 2020. O Sol Incendeia o Alarido das Cigarras (Edições Húmus), poesia, venceu o Prémio de Poesia Fausto Guedes Teixeira, em 2022. O romance Logo à Tarde Vai Estar Frio (It Will Be Cold In The Afternoon) foi traduzido para língua inglesa, por Sara I. Veiga, e publicado pela Eglantyne Books – Publishers of Distinctive Electicism – 2022.

 

E onde “mora o segredo” para o sucesso nos concursos literários?

O segredo tenho quase a certeza que estará na leitura, na boa literatura, excelentes mestres de escrita com quem me cruzei e que acima reporto; está também no método, no rigor com que uso as 24 horas do dia: a necessária disponibilidade para a família, o rigor no horário de trabalho, o tempo de convívio com amigos, no desporto; no cuidar do jardim e da horta/quintal. Em suma, é nesta diversidade de contextos que encaixa a escrita, ela não é mais do que a observação/descrição de contextos, deste dia a dia, em que nós, personagens, nos movemos.

 O que o levou a participar na 4.ª edição do Prémio Literário Joaquim Mestre?

Foi um desafio lançado por alguns amigos ligados à Associação FotografArte, de Cantanhede, num dia em que homenageavam o fotógrafo Varela Pècurto, que eu havia de escrever sobre aquele homem de 96 anos, com imensas histórias para contar. Conheci-o nessa homenagem que lhe foi destinada, e passei a visitá-lo semanalmente em sua casa. Ele contava-me a sua infância passada no Ervedal – Avis, depois em Évora e em Coimbra. Adoeceu e foi internado num lar, local onde ainda hoje o visito. Ele ajudou-me a corrigir as imprecisões das histórias da sua vida neste livro.

 

Inventor de Esquecimentos. Que obra é esta?

Esta é uma obra de alguém que poderia ser, por via da fotografia, “fazedor de lembranças”, mas, para mim, tem sido um “inventor de esquecimentos”, pois a lucidez e clareza da narrativa de Varela Pècurto leva-o à recordação de tudo como único, inventivo, às vezes, inenarrável, e que se ele não o (re)inventasse ficaria mesmo no esquecimento. Das centenas de milhar de fotos que tem pelo chão da sua casa, sabe, recorda, (re)inventa, com precisão, o tempo, o modo, o contexto e figuras que captou naquele disparo de máquina fotográfica. Resumindo, Varela Pècurto traz-nos à vida, inventar de novo, aquilo que ficaria no esquecimento.

 

Qual a ligação ao Alentejo que permitiu criar uma narrativa vencedora com foco na região?

Todas as semanas ia jogar futebol de salão, a Coimbra, com amigos, mas, duas horas antes, falava com Eduardo Francisco Varela Pècurto, em sua casa. Ouvia e gravava a sua voz, pedia-lhe o significado para as palavras que eu não conhecia. Ele escreveu e, ainda escreve, corrige, presentemente, este livro comigo. Completará 99 anos no dia 27 do presente mês de abril e mantém uma clareza de linguagem e imaginação perfeitas.  

Algum momento inusitado experimentado ao longo do percurso de autor?

Recordo que quando lancei o romance Largo da Capella, publicado no ano do centenário da minha paróquia, São Caetano, o padre João Pedro me lançou o repto de eu ler um excerto do livro, antes da missa de domingo, uma vez por mês. Então, durante nove meses, de fevereiro a novembro de 2012, cumpri com o repto, apresentado, no dia 12 de novembro desse mesmo ano, a obra na igreja apinhada de paroquianos, com uma encenação adaptada do mesmo romance, um coral a cantar, a missa presidida pelo bispo D. Virgílio, de Coimbra, entidades sociais e autárquicas presentes. Foi memorável!   

Que opinião sobre o universo literário em Portugal?

Por um lado, penso que devia haver uma entidade reguladora para não se destruir tanta pasta de papel em livros, são árvores que vemos banhadas com letras e que depois ninguém lê. Por outro lado, penso que há públicos para todos os gostos e tipos de livro, e que devem ser publicados, mesmo que tenham apenas um leitor ou dois leitores, pois já valeu a pena, e só assim há democratização da leitura e da escrita, com a mesma legitimidade de acesso a todos, e para todos, pois, como forma de arte, a escrita não é monopólio de ninguém.

  E sobre o acordo ortográfico, qual o posicionamento face à polémica?

Aceito este último acordo ortográfico como aceitei os anteriores. Sou legalista, e lei aprovada na Assembleia da República é para cumprir. Pois se não escrever de acordo com a lei, estou a dar erros, consecutivamente, e isso tento não fazer.

 Que sonhos literários moram em António Canteiro?

Sonho manter saúde física e mental por muitos anos, para ler mais e mais, escrever aquilo que me aprouver, no momento, sem qualquer pressão ou tempo demarcado. Sempre ao sabor do dia a dia, como surge o sol, ou como cai a chuva. Nada de planos, a este nível, para futuro.

 

O que está na “manga”?

Tenho um pequeno livrinho de poesia, sobre mulheres do 25 de Abril, a sair neste mês, nas Edições Húmus. Tenho também toda a ficção romanesca esvaziada neste livro premiado, o Inventor de Esquecimentos, e diria, resumidamente, que tenho a gaveta vazia. Não tenho nada na “manga”. Zero.

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