Diário do Alentejo

“Não devemos ficar à espera que as ideias nos batam à porta”

08 de março 2021 - 12:30

Texto Luís Miguel Ricardo

 

“Costumo dizer que nasci duas vezes, uma em Lisboa e outra em Odemira. A primeira no ano de 1967 por vontade dos meus pais. A segunda, em 1998, por vontade própria, quando quis mudar de ambiente e estilo de vida.” Assim se começa a apresentar Gonçalo Condeixa, um alfacinha que desaguou na costa vicentina com a alma carregada de arte. Cinco anos depois, em conjunto com outros artistas, criou a famosa “Sopa dos Artistas”, uma associação local de artistas plásticos. A designação nasceu do facto de ter sido através da conceção e venda de sopas que se conseguiram fundos para o registo da associação e para as primeiras atividades começarem a ganhar forma. Nos 18 anos de existência, a “Sopa dos Artistas” já realizou sete simpósios internacionais de escultura, diversos eventos de arte ao ar livre, concursos e muitas exposições individuais e coletivas.

 

Gonçalo Condeixa é formado em escultura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Dos vários trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, destacam-se: “Diálogo Tauromáquico”, escultura criada para a Pousada de Alcácer do Sal, em 1998; a pintura e escultura dos muros de suporte da linha ferroviária do sul, em Ermidas do Sado, no ano de 2004 e o “castelo” para o largo da Câmara de Odemira, trabalho distinguido com o primeiro prémio do 2.º Simpósio Internacional de Escultura de Odemira, em 2008.

 

Que tipo de artista é o Gonçalo Condeixa?

Houve alturas em que dizia que tinha estudado escultura. Não conseguia dizer sou escultor, palavra muito forte para um aprendiz. Com o decorrer do trabalho e dos anos comecei a assumi-la e a expressá-la. No entanto, como muitos escultores, não me limito a esta área, pois exploro diferentes vertentes das artes plásticas. Na pintura, no desenho, na ilustração sou mais infantil e primário, com as histórias e os mil e um sorrisos do Condeixa. Já na escultura, sou mais maduro e adulto, com uma maneira de pensar e executar muito diferente do trabalho bidimensional.

 

Quando e como foi descoberta a vocação para a arte?

No final da minha quarta classe, no colégio onde estudava, havia a tradição de oferecer aos alunos uma prendinha, fazendo sempre a tal pergunta: O que gostarias de receber no final do ano? Para grande surpresa dos professores, pedi um bocado de madeira para esculpir uma caravela, coisa que não viria a receber, pois acharam muito estranho fazer tal oferta. No final, recebi um ‘kit’ de miniatura de uma caravela. Costumo dizer que nasci com jeito de mãos, pois tudo o que seja construir dá-me enorme prazer e satisfação, seja uma escultura, uma casa ou um jardim!

 

Viver no Alentejo é fonte de inspiração ou de limitações para a carreira?

O sonho do Alentejo apareceu por ligação ao meu pai. Estava em belas-artes e ao mesmo tempo estava a tirar um curso de jovem agricultor. Queria viver no campo. Assim, no verão de 1997 vim com um jipe UMM e uma bicicleta de dois lugares à procura de um monte alentejano. Costumo dizer que, tal como recuperei uma casa de taipa e construi outra com o mesmo material, também construo esculturas cada vez mais com os materiais da região: taipa, cortiça e xisto. Ou seja, dou cada vez maior importância aos recursos da zona onde vivo.

 

O Alentejo costuma estar presente nas criações artísticas?

Tendo nascido nestas bandas há 23 anos, como diz o meu irmão João, já representei o Alentejo de muitas formas. Na pintura e desenho criei a série “Planeta Alentejo”, com influências possivelmente das histórias de Italo Calvino, onde, num conto, as personagens habitam o cimo das árvores. Por falar em árvores, criei, no Simpósio Internacional de Escultura de 2017, a peça intitulada “Andamos a ver a natureza de pernas para o ar”… na pintura e desenho, as minhas personagens são alegres e bem-dispostas, sempre prontas a bons diálogos. Já na escultura, aproveito para chamar a atenção para a forma como descuidamos a nossa própria natureza.

 

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, quer destacar alguns que sejam marcantes?

Marcantes… tenho muitos trabalhos e peças, mas o conjunto “Diálogo Tauromáquico” exposto no Castelo de Alcácer do Sal e a intervenção de pintura mural com escultura em Ermidas do Sado marcaram-me bastante. O primeiro por ser uma estreia na conceção de duas peças com aquele porte e dimensão; o segundo, por requalificar esteticamente a entrada de uma vila com os seus 200 metros de muros de betão paralelos.

 

Como são identificadas as temáticas alvo de criação?

Costumo dizer que não devemos ficar à espera que as ideias nos batam à porta. A criatividade trabalha-se e procura-se diariamente. Gosto de trabalhar um tema de forma a explorá-lo ao máximo. Tive a série dos cavalos, dos ‘burladeros’, do circo, do “Planeta Alentejo”, entre outros. Atualmente, tenho a “Ida a Banhos”, para não falar das sombras das minhas esculturas que também eram objeto de pintura.

 

Qual a opinião sobre o universo da arte pictórica em Portugal?

O universo artístico em Portugal está a crescer. Cada vez há mais artistas. No meu tempo havia três escolas de belas-artes: Lisboa, Porto e Madeira. Atualmente há muitas mais. Mas uma coisa é certa: não quer dizer que todos os novos artistas sejam bons ou que tenham consistência no seu trabalho. No entanto, e graças às redes sociais, conseguem mostrar-se facilmente.

 

Como tem sido vivido este período de “stand by” no mundo?

Neste momento de quarentena comecei uma série de pinturas alusivas ao tema “Ida a Banhos”. Não são mais do que cenas de leitura, jogo ou de vida numa banheira ou piscina. Utilizando as redes sociais, até lancei um desafio: “Aproveite o confinamento para decorar a sua casa de banho, dê o tema, fotografia familiar ou singular, atividades no banho, com ou sem animais de estimação, etc. Vai ver que vai gostar”. Correu muito bem. Daqui poderá sair uma exposição, pois neste momento já tenho bastante material.

 

Para além da “Ida da Banhos”, que mais está na “manga” a curto e médio prazo?

Neste momento, estou a terminar um ‘atelier’ de escultura que me permitirá voltar a realizar mais trabalho. No que respeita a parcerias, estou a desenvolver projetos de ilustração e pintura com o escritor Fernando Évora e com a Sopa dos Artistas. Para finalizar, este ano irei realizar o cenário, figurinos e adereços da peça “O Juiz da Beira”, de Gil Vicente, pela companhia de Teatro do Mira – Os Piscos, peça encenada por Luís Varela, com o apoio da Direção-Geral das Artes.

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