Diário do Alentejo

“Trago nos caracóis o Alentejo, no olhar o mar Atlântico”

16 de fevereiro 2021 - 10:00

Texto Luís Miguel Ricardo

 

“O mundo é a minha casa musical.” Assim se apresenta Marta Duarte d’Almeida, cantora-compositora e multi-instrumentista, em suma, “musicista”, conforme gosta de se autointitular, socorrendo-se da palavra ofertada pela amiga Ju, palavra resgatada do português do Brasil, ainda que as pessoas que a rodeiam a designem por ‘one-girl-show’. Marta domina vários instrumentos musicais e é possuidora de uma voz carismática que põe o público a viajar pelo mundo mágico do jazz, pelo folk português, tudo isso homogeneizado com a arte de narrar histórias a transbordar energia e emoções.

 

“A música tem sido a minha companheira desde os três anos de idade, no dia em subi ao palco e cantei e encantei, fazendo fé nos relatos de quem escutou”. Marta estudou guitarra e voz na JBJazz e no Hot Clube de Portugal. Na Universidade Lusíada de Lisboa concluiu a licenciatura em Jazz e Música Moderna, especializando-se em guitarra. "Marta, veste a saia! És a primeira mulher guitarrista de jazz de Portugal" – palavras do professor Nuno Costa, partilhadas pela própria.

 

Para além da sua carreira a solo, dentro e fora de Portugal, Marta Duarte d'Almeida criou uma panóplia de projetos, dos quais se destacam: a banda MaZéi; o espetáculo de contos "Tal Mãe, tal Filha"; ‘jam-concerts’, gravados ao vivo Plus One e interpretações em teatro musical. O seu primeiro álbum, intitulado “Alcanchais”, foi gravado em 2017 com a sua banda MaZéi. Em 2018, lançou o single "Ó Amor Todo, Ó Amor Às Vezes". Em 2020 editou o segundo álbum intitulado "Christmas with Marta".

 

Quando e como começou a aventura pelo mundo da música?

A música acompanha-me desde o tempo em que num só dia passava uma vida inteira. Subi a um palco, pela primeira vez, com três anos de idade. Fiz uma birra, mas, na companhia dos meus irmãos mais velhos, Maria e Zeca, lá me rendi à canção dos Bicharões, música composta pelos meus pais, Rui d’Almeida e Joaninha Duarte, para o festival infantojuvenil O Cantarolar, em Mora. Terá sido neste ambiente musical e familiar que descobri cedo a primeira forma de me expressar – tocar guitarra. Apesar do piano ter sido o meu primeiro instrumento, era muito grande para levar para a escola. Aos 12 anos descubro o fascínio do canto e aventuro-me a entoar canções e a brincar com as palavras, fazendo nascer letras. A minha primeira banda, a dita banda de garagem, era constituída por mim e pelos meus irmãos e chamava-se Ujmanus. E tudo começou, por graça, nas festas de família, entre amigos e no coro da missa.

 

Como nascem as canções de Marta Duarte d´Almeida?

As canções nascem em mim de muitas formas, sei sempre da sua existência antes mesmo de as colocar cá para fora. Não tenho uma fórmula mágica ou uma regra composicional, mas sou muita atenta às emoções, às histórias de cada emoção. Estou sempre a cantar interiormente, tenho momentos fugazes e alegres de inspiração e, hoje em dia, acontece-me algo muito bonito e consciente, que é procurar praticar o ato composicional. A imagem de que me sento “à espera da música” acontece ativamente com o ânimo e curiosidade de saber mais e de levar a música onde ainda não se conhece, ou não se conhece daquela forma.

 

Que influência tem o Alentejo na carreira artística?

Ser alentejana é mais do que motivo de ser artista. As planícies descansam-me o olhar. A qualidade humana que habita o Alentejo inspira-me, e a sensação de inércia, vazio e de um pouco de solidão, dão-me espaço.  

 

Algum momento inusitado a destacar ao longo do percurso artístico?

Muitas coisas caricatas já me aconteceram! Uma delas aconteceu-me pelo facto de ser mulher num mundo de homens. Numa ocasião, num festival de jazz, o meu sexteto partilhou palco com mais três bandas e eu era a única mulher no meio de cerca de 30 homens, a contar com pessoal técnico. Quando cheguei, procurei saber o nome de toda a gente, pois gosto de saber o nome das pessoas com quem estou a trabalhar. Um técnico de som, ‘stressado’ com a correria contra o relógio, mesmo depois de nos termos apresentado, chama-me senhora: “a senhora poderia experimentar esse microfone”, “a senhora isto”, “a senhora aquilo”, até que às tantas, eu já em palco, de vestido e salto alto, ao microfone, muito airosamente, lhe peço: “Ricardo, podes-me chamar pelo meu nome! Talvez seja mais fácil!”. E ele responde lá de longe, em bom som, no meio de tanto homem: “Opá! Vocês são tantos! Se calhar até tens o mesmo nome que eu, mas não vou decorar”. E é claro que tudo se desmanchou numa risada geral.

 

Que papel desempenham as novas tecnologias na carreira artística?

Hoje em dia, as redes sociais, a web, têm um lugar preponderante na minha vida profissional. Dedico largas horas semanais a cuidar, a dar a conhecer, a criar conteúdos, a partilhar muitas facetas do meu trabalho. Em julho de 2020 comecei também a realizar concertos através da plataforma Zoom, algo que a nível internacional está muito em voga. No último concerto Zoom que fiz, éramos mais de 100, oriundos de 12 países diferentes. Algo muito especial, sobretudo nos dias que correm.

 

Como tem sido vivido este período de ‘stand by’ no mundo?

Tem sido um tempo de grande mudança e de descoberta de novas formas de chegar a um público mais alargado, tal como acarinhar os seguidores do meu trabalho. Por exemplo, através do conceito mecenas nas artes (Patreon), a realizar concertos no Zoom, a gravar álbuns, a produzir vídeos musicais, a explorar ideias musicais em diferentes instrumentos, a compor muita música. E, entretanto, internacionalizei-me enquanto artista!

 

Como se deu essa internacionalização artística?

Eu vim cá, à Áustria, desenvolver um projeto internacional de Erasmus, relacionado com música. Vim enquanto artista palestrante e foi inevitável criar laços e estabelecer contactos, de tal forma relevantes que acabei a gravar o meu último disco, “Christmas With Marta”, aqui nos Alpes. Nas terras de Mozart e de tantos outros compositores, a cultura transborda. É muito vivida. A Áustria é um país lindo! Parece que os contos do maravilhoso foram todos inspirados nestas terras. Aqui, a paz de espírito é semelhante àquela que encontro no Alentejo.

 

O que esperar da artista Marta Duarte d´Almeida a curto e médio prazo?

Uma Marta que saiu menina de Portugal e que voltará do mundo, mulher. Espera-se uma Marta de mão dada à esperança, de pé firme e bem passado com a curiosidade pelo mundo, com uma vontade de viver e partilhar a vida com o(s) outro(s), lembrando-me sempre que trago nos caracóis o Alentejo, no olhar o mar Atlântico, no ouvido as músicas que carrego em mim, até aquelas que ainda não conheço, e, num suspiro de boca, o orgulho imenso de ser alentejana, de ser portuguesa!

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