O desporto não é, jamais poderá ser, apenas, a promoção de atividade física frequente e regulada. O desporto deve ser uma semente que faça germinar valores como a tolerância, a igualdade, a capacitação, a inclusão e a justiça. Pilares para a construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais humanista e, especialmente, promotora da paz.
Texto | Firmino Paixão
A Associação de Promoção e Desenvolvimento de Desporto – Cautchú, de Odemira, deu um exemplo notável do papel social e humanista que o desporto pode ter na formação de crianças e jovens. Organizou um encontro de andebol dirigido aos escalões mais baixos da modalidade, manitas (sub/8) e bâmbis (sub/10) e, associando-se à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Odemira, deixou às largas dezenas de meninos e meninas, e às respetivas famílias, que estiveram no Pavilhão Municipal de Odemira, uma mensagem de reflexão do desporto enquanto veículo promotor de valores, promotor da paz. No final da atividade, miúdos e miúdas, largas dezenas em representação de oito clubes do Sul do País, juntaram-se na nave central do pavilhão e formaram a palavra “PAZ”.
Para muitos deles, os que questionámos, a palavra paz tem um significado óbvio, como “a não existência de guerras”. Os valores que o desporto potencia podem levar-nos lá, mas o político e pensador indiano Mahatma Gandhi, que não resistimos a citar, deixou dito: “Não há caminho para a paz, a paz é o caminho”. Seja como for, numa altura em que existem conflitos armados no leste europeu e no médio oriente, foi emotivo vermos tantas crianças a pedir paz.
Sandra Bento, presidente da Cautchú, concordou com importância do apelo. “Claro, ainda mais com tudo aquilo que se passa a nível global no nosso planeta. Hoje quisemos salientar isso com as nossas crianças, um momento que serviu para nos questionarmos a todos: os meninos, os pais, a nós próprios. Nós temos esse papel, aqui na Cautchú, de os alertar para o que se passa no mundo e de lhes transmitirmos valores que devem levar para a vida futura, como a tolerância, a igualdade, a justiça. Essa é, também, uma das nossas missões!”. Sandra Bento quis também sublinhar: “No desporto, como em todas as outras coisas, as crianças têm que ter os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, e nós, enquanto adultos, enquanto dirigentes responsáveis, e ainda mais quando trabalhamos maioritariamente com jovens, temos o dever, diria mesmo, a obrigação, de os alertar para que não abdiquem desses valores, para reivindicarem a igualdade de direitos e, ao mesmo tempo, transmitir-lhes o que se passa no mundo. Os valores que devem mover a sociedade, porque mais do que formar atletas, devem formar-se pessoas”.
A dirigente odemirense deixou claro: “O andebol é uma modalidade espetacular, sem dúvida nenhuma. Promove a atividade física e o crescimento das crianças e jovens, promove o fair-play, promove o respeito pelos adversários e tem aqui um papel social importantíssimo que nem sempre se consegue noutros desportos”. Razões de sobra para que o evento tenha sido bem-sucedido: “Sem dúvida, é para isso que trabalhamos todos os dias. Mas este é um trabalho de muitas pessoas, de pais, de dirigentes, de técnicos. Este encontro foi o culminar de muitos dias de empenho e de dedicação. Só esperamos que os outros clubes e, principalmente, as crianças, tenham apreciado e saiam daqui mais felizes”.
À associação Cautchú juntaram-se, neste evento, a Zona Azul, de Beja e o Centro de Cultura Popular de Serpa, mas também o Vela de Tavira, o Académico de Lagoa, o Olhão Andebol Clube, o Costa d’Oiro e o Gil Eanes, ambos de Lagos.
Diversão, convívio e prática desportiva saudável, felicidade e aprendizagem de valores são os alicerces sobre os quais se construirá o percurso destes jovens, potenciais atletas desta ou de outra modalidade. Uma ideia partilhada também pelos responsáveis de outros clubes da região, Marco Borges, treinador do CCP Serpa, e José Bexiga Fialho, presidente da Zona Azul, de Beja. O técnico serpense referiu: “A base deste trabalho é incutir nos miúdos o gosto pela prática desportiva. É o mais importante nestas idades. Estes encontros têm o mérito de podermos promover esses hábitos de vida saudável, através do desporto, neste caso o andebol, sendo certo que o mais relevante é que eles possam divertir-se”. Numa perspetiva mais ampla, Marcos Borges admitiu: “Este é também um percurso que estamos a encetar, porque o nosso clube ainda não tem alguns dos escalões mais baixos. Acreditamos que, motivando estes meninos para a prática desta modalidade, poderemos, um dia mais tarde, completar o nosso leque de equipas e, através de uma boa base de formação, darmos uma maior sustentabilidade ao clube”.
O técnico recordou: “No topo da pirâmide temos a nossa equipa na segunda divisão nacional, mas temos que trabalhar com muita qualidade numa base mais alargada, para que, no futuro, possamos alimentar esse topo, através do crescimento e valorização destes meninos, pelas diferentes etapas de formação que irão percorrendo”.
O líder do executivo da Zona Azul convergiu em algumas das ideias, nomeadamente, com a noção de que “são estes encontros que permitem criar motivação nos miúdos e que lhes dão também a possibilidade de conhecerem miúdos de outros clubes e de outras localidades diferentes”. Contudo, reconheceu: “É assim que, paulatinamente, se vão criando condições para que estes meninos possam continuar na modalidade. Mas o mais importante é que eles pratiquem desporto. São ainda muito novinhos, não é seguro que se mantenham no andebol, podem até derivar para outra modalidade, mas aquilo que nós pretendemos é motivá-los para praticarem desporto e, se for esse o caso, que se fidelizem ao andebol. Se isso for conseguido, tudo bem, se não for, também não vem mal nenhum ao mundo. O essencial é que tenham hábitos de vida saudável e estas são as idades ideais para começarem a fazê-lo”. Já agora, acrescentamos, que nunca esqueçam quanto nos é grata a palavra “paz”.