A Pax Jovem-Associação Juvenil de Beja, promotora local de futebol de rua, organizou mais um evento regional da modalidade, descobrindo talentos e promovendo a modalidade como ferramenta de inclusão e de promoção dos valores humanos, sob os auspícios da Associação Cais.
Texto e Fotos | Firmino Paixão
As equipas “Deixa Andar”, da Casa do Benfica de Beja (femininos), e o “Barrancos/ /PP” (masculinos/mistos) foram as vencedoras do Torneio Distrital de Futebol de Rua, disputado no Jardim Público de Beja, sob promoção da Pax Jovem-Associação Juvenil de Beja. Os oito melhores jogadores, a eleger pela organização, representarão o distrito de Beja no próximo torneio nacional, organizado pela Associação Cais, que, mais uma vez, acontecerá na cidade de Beja, em finais deste mês.
Bruno Sêco, o selecionador nacional de futebol de rua, esteve em Beja a assistir ao torneio distrital, naturalmente, com o intuito de observar jogadores para integrarem a futura seleção nacional. O “Diário do Alentejo” questionou-o nesse sentido. “Exatamente. Estou aqui em Beja, uma cidade que é um ninho de talentos, digamos que é mesmo uma fábrica de talentos para o futebol de rua, atletas com muita qualidade, quer em termos humanos, quer em termos técnico-tácticos, e eu vim observá-los, porque gosto muito de me deslocar aos melhores sítios. Gosto muito de estar nos locais onde a probabilidade de escolher alguém é muito elevada, e Beja, sem dúvida, é um dos melhores distritos ao nível nacional em termos de qualidade técnico-táctica, mas, principalmente e, vou de novo referir, em termos de qualidade humana. Muito bom, com muita qualidade”. Com 20 equipas em competição no torneio distrital, o técnico viu, certamente, muita qualidade desportiva, mas acabou por revelar que, afinal, esse item não importa significativamente: “Não vi conflitos, vi muita amizade, muita entrega e muita competitividade. No final de cada jogo, todos se abraçaram, todos se cumprimentaram, sem animosidade de nenhuma espécie. Viveu-se um ambiente espetacular, é mesmo este o ambiente que nós procuramos, que é um ambiente competitivo, mas só dentro do campo, momentos saudáveis e com desportivismo, e foram todas essas virtudes que encontrámos aqui no torneio distrital de Beja”.
Escolhas que não foram fáceis, porque estiveram 20 equipas em competição. Seguramente que Bruno Sêco já levou alguns talentos debaixo de olho: “Claramente”, garantiu. Adiantando: “Estiveram aqui alguns atletas que já andam debaixo de olho há uns tempinhos, há um ano ou dois, porque já os tinha observado em ocasiões anteriores. Há outros que tive oportunidade de observar neste torneio e que me despertaram a atenção, e, depois, a partir daqui, é tudo uma questão de conjugar vários fatores, ou seja, que eles sejam realmente bons jogadores, esse é apenas um dos pontos a considerar, mas depois existem muitos outros itens que são avaliados, tais como a forma como se relacionam com os colegas de equipa, como se relacionam com os adversários, como interagem com os árbitros, como reagem quando perdem e quando ganham, a história de vida, de onde vêm e para onde querem ir. São muitos os fatores a ponderar até chegarmos à convocatória. Se jogarem bem, contará 10 ou 15 por cento para a avaliação final”.
Inclusão, inserção, capacitação. Estamos a falar de uma missão do futebol de rua como ferramenta social. É isso? “Sim. A qualidade desportiva importa, mas a importância é relativa. Os valores humanos são fundamentais, o que conta é utilizarmos o futebol enquanto ferramenta para trabalharmos a autoestima e a autoconfiança, ou seja, fazer com que as pessoas, através da prestação que têm dentro e fora do campo, gostem mais delas, se aceitem melhor como são, independentemente da sua origem, da cor da pele, se vêm de um bairro ou de uma urbanização, se são famílias estruturadas ou não. Importa que gostem delas e que acreditem verdadeiramente em si próprias fora do campo de futebol. A entrega que eles aqui têm, a vontade de ganhar, as faltas que sofrem que não são assinaladas, as vezes que caem e têm de se levantar, os golos que sofrem, portanto, todas essas frustrações e desilusões, transportá-las para o dia a dia e não deixar que essas frustrações ou desilusões diárias os deitem abaixo. Que os faça acreditar que, na próxima, irão vencer, é este o objetivo”.
Um objetivo que tem sido plenamente conseguido, e até existem por aí bons exemplos, admitiu o técnico. “Existem bons exemplos. Há rapaziada que depois do futebol de rua ganhou, chamemos-lhe, coragem para construir a própria vida, para ser autónomo e pagar as suas próprias contas, para voltar a estudar, para tentar encontrar um trabalho que lhe garanta estabilidade para criar família e, antes do futebol de rua, eram pessoas que praticamente viviam dia após dia, com o pensamento que só tinham de sobreviver ao dia de hoje e que amanhã logo se verá. Se hoje tiver dinheiro gasto-o, se amanhã não tiver logo vejo. E o futebol de rua, este projeto de inserção e de aprendizagens, é uma forma de eles tentarem eliminar os tais prazeres imediatos, privilegiando o prazer futuro, tal como um campeonato é feito jogo a jogo, uma sucessão de etapas, mas sempre focados em vencerem cada uma delas e empenhados em serem campões. O objetivo é que no dia a dia eles trabalhem, lutem, estruturem e planifiquem a sua vida e, mais à frente, daqui a um ano, dois ou três, tenham a sua casa, o seu trabalho, a sua família, a vida que eles desejam”, concluiu.