Diário do Alentejo

Margem direita do “grande rio do Sul” como pano de fundo do Trail Entre Moinhos do Guadiana

20 de outubro 2023 - 10:00
“Rio Guadiana, querido”…
Foto| Firmino PaixãoFoto| Firmino Paixão

Quintos recebeu mais uma edição do seu, ainda jovem, Trail Entre Moinhos do Guadiana. Um certame que pretende mostrar o território e que fez duplicar a população da aldeia. Uma organização com futuro…

 

Texto  Firmino Paixão

Um percurso de 27 quilómetros, para os mais audazes e melhor preparados, outro de 14, para aqueles a quem as pernas pesam um pouco mais, e uma caminhada com uma dezena de quilómetros para desfrutar do ar fresco da manhã. O dia amanheceu com uma intensa neblina que o sol, bastante tímido, foi dissipando à medida que os atletas já se aventuravam pelos montes e vales da margem esquerda do “grande rio do Sul” na procura e descoberta dos antigos moinhos, vestígios de uma atividade ancestral, e das paisagens idílicas que a região oferece. Nelson Gatinho, coordenador da organização, confirmou ao “Diário do Alentejo”: “Temos o propósito de mostrar o rio Guadiana e os seus moinhos, mas também de trazer pessoas à nossa freguesia. Conseguimos duplicar hoje aquela que é, atualmente, a população de Quintos, cerca de 150 pessoas, e nós temos cá 300 participantes”. Por outro lado, prosseguiu: “Queremos também sensibilizar as pessoas da terra para a prática desportiva, numa manhã que nós queremos realmente que seja desportiva, mas, ao mesmo tempo, uma oportunidade para darmos alguma vida a estas pequenas povoações que vão perdendo a sua população”.

Foi uma manhã diferente, viu-se que a organização fez bem o trabalho de casa, doutra forma, face à simultaneidade de provas, não teria sido possível reunir um pelotão tão encorpado. “As pessoas aderiram bem à nossa organização, mas também é verdade que fizemos alguns apelos à participação de atletas de outras organizações e de muitas equipas com quem falámos, no sentido de os sensibilizar para nos apoiarem com a sua presença”, reconheceu Nelson Gatinho, apelando a esta sintonia entre os diferentes organizadores. “Não pode existir uma competição entre provas, devemos arranjar um calendário sem sobrepor as provas, porque isso é benéfico para todos. É essa compreensão, essa partilha, que deve existir entre as pessoas das diferentes organizações. Repare que nós já marcámos a próxima edição para o dia 13 de outubro de 2024”.

 

O CENÁRIO DO TRAIL

Quintos está uma terra mais arrumada, mas não mudou muito desde que, há cerca de 40 anos, deixámos de pisar diariamente aquelas calçadas. Uma entrada pela avenida do Prior, até à ponte sobre um afluente da ribeira da Cardeira, antes da velha nogueira sob cuja frondosa sombra se sentava todos os dias o Tio Zé, à época já com mais de 90 primaveras. Sempre atento a quem entrava e saía do povoado, o patriarca de uma das famílias mais populares do lugar dava-se à conversa com quem lhe quisesse fazer companhia naquele banco onde descansava as pernas e recordava as muitas décadas de campanhas agrícolas.

O autocarro de passageiros pernoitava no largo da Casa do Povo. Saía logo pela manhã. Chamavam-lhe a “carreira das sete” por causa do horário de partida do povoado e regressava ao final de cada dia, com os jovens estudantes e outros profissionais que labutavam na cidade. A alternativa era a via-férrea, a automotora que circulava pelo antigo ramal de Moura, mas o apeadeiro ficava a cerca de quilómetro e meio para oriente, 300 metros para lá do lugar de Pisões, depois de passarmos pelo campo de futebol, de piso térreo, onde ainda joga a equipa local, a mais antiga e assídua em competições da Fundação Inatel.

O comércio era pouco. Uma taberna logo à entrada da aldeia, numa esquina da rua das Bicas, frontal à nogueira, bem aventurava aqueles que vinham de longe com a goela mais seca. No largo da Casa do Povo, um varandim onde, em lados opostos, se viam uma segunda taberna e uma mercearia. Mais no interior da aldeia, outro comércio misto, mercearia e fabrico de vinho, mesmo ao lado do barbeiro, que também recomendava mezinhas, lavradas em papel pardo, que os pacientes iriam depois pedir prescrição ao médico que visitava a Casa do Povo uma vez por semana. Lá mais para o meio da rua, já a caminho da Gravia, o ferreiro, a sociedade e pouco mais. Nos campos em redor predominavam as culturas de outono, o trigo, a aveia e as cevadas. A gente da terra ganhava a jorna nas herdades da Gravia, do Vau, no Pica-Milho e na Corte Condessa. Os latifúndios permanecem, mas os agrários é que, hoje em dia, são outros, e as culturas também já modelaram e tingiram o recorte do horizonte com cores diferentes. Mas eram esses grãos de cereal que movimentavam as azenhas dos moinhos que hoje e, com muita propriedade, dão nome ao trail de Quintos. As correntes do Guadiana eram a força motriz que fazia girar as rodas verticais que impeliam, uma contra outra, as duas grandes mós, que transformariam os grãos de cereal em farinha. Noutro lugar depois, a farinha seria pão. O Alentejo não era o celeiro da nação?

As azenhas do Guadiana e o Fortim do Vau ainda estão hoje nas memórias dos mais antigos. Foi entre essas águas revoltas que, durante muitas décadas, navegou o pequeno bote do “Engrola”, na pesca artesanal que lhe aconchegava os ativos, para pagar à mercearia e suprir outras necessidades. Os trails vieram para ficar. Em Quintos via-se gente de muitas paragens desta metade sul do País. As organizações querem mostrar o território e é excelente a ideia de associar às corridas, e caminhadas, a nomenclatura daquilo que de mais importante as pessoas se podem orgulhar nas suas próprias terras. É assim com os moinhos do Guadiana, com a ribeira de Limas, com o Outeiro do Circo, o vinho da talha, o montado e outros. Enfim, todos eles puxam, como sói dizer-se, a “brasa à sua sardinha”.

 

TRAIL ENTRE MOINHOS DO GUADIANA

RESULTADOS

 

  • Trail curto | 14 quilómetros masculinos
  • 1.º Rui Dolores (Amiciclo/Grândola) 1h08’46
  • 2.º João Cruz (Beja Atlético Clube) 1h15’01
  • 3.º César Santos (Team CSP43) 1h21’29

 

  • Trail curto | 14 quilómetros femininos
  • 1.º Paula Ramalho (CB Reguengos) 1h37’33
  • 2.º Eugénia Isaías (A Natureza Ensina) 1h39’16
  • 3.º Catarina Pereira (Amiciclo Grândola) 1h48’37

 

  • Trail longo | 27 quilómetros masculinos
  • 1.º Pedro Calisto (individual) 2h12’50
  • 2.º Rafael Menau (individual) 2h30’10
  • 3.º Francisco Ferro (GD Alcoutim) 2h37’31

 

  • Trail longo | 27 quilómetros feminino
  • 1.º Ana Marinheiro (ADN Mértola) 2h57’14
  • 2.º Vera Reis (Piranhas Alqueva) 3h11’52
  • 3.º Tânia Calisto (individual) 3h17’57
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