Diário do Alentejo

Os alunos da Casa Pia Beja praticam diferentes modalidades desportivas

05 de novembro 2022 - 10:30
Os miúdos têm nome...
Foto | Firmino PaixãoFoto | Firmino Paixão

Uma dúzia de “moços” de diferentes idades, alunos da Casa de Pia de Beja, juntam-se, semanalmente, há já duas épocas, para praticar desporto. No caso, assistimos a uma partida de futsal, mas outros momentos vivem-nos em diferentes modalidades, como padel e natação.

 

Texto Firmino Paixão

 

Viver numa instituição de acolhimento, pode ser uma contrariedade, não uma fatalidade. São imensos, incomensuráveis mesmo, os exemplos de seres humanos que ultrapassaram essa circunstância, homens e mulheres a quem a vida também surpreendeu com esse percalço na sua juventude e que cresceram, que se valorizaram e encontraram o seu rumo, o trilho certo para a concretização dos seus sonhos, estruturando aquilo que não tiveram, uma família.

 

Caminhos bem-sucedidos, percursos que jamais farão esquecer, nem devem, as lutas, as dificuldades, os obstáculos superados no passado, porque os ensinamentos, os ganhos, as aprendizagens, projetam-se no futuro. Demos-lhes o tempo e a liberdade que precisam.

 

Agora, vamos ao jogo! Mas não sem que, antes, relevemos a enorme pedagogia e o grande humanismo do técnico que enquadra este projeto, o professor Vítor Rodrigues, responsável pela área de desporto no Centro Infantil Coronel Sousa Tavares, organismo que tutela a Casa Pia de Beja.

 

A emoção com que comunicou, a sinceridade das suas palavras, às vezes, embargadas pelo sentimento de quem interioriza o dia-a-dia destes miúdos. Um jovem pai, também, que festejou os golos com tamanho entusiasmo como se fossem as suas próprias crianças a colorirem aqueles momentos. Vimos bons dribles, grandes defesas, remates de trivela e passes de compêndio, até golos festejados com o “Siiii” do Cristiano Ronaldo.

 

“São dias diferentes para eles e a mim emociona-me estar aqui, porque estes miúdos têm nomes”, sublinhou Vítor Rodrigues. “É verdade que são os alunos da Casa Pia, mas eles têm nomes próprios, têm nome para os amigos, têm nome para mim, para os restantes colaboradores das nossas instituições. É incrível e eles sabem reconhecer isso”.

 

Mas contou também que os momentos passados juntos não se limitam às quatro linhas. “Estive com eles também nas férias. Fomos à praia, tivemos variadíssimas actividades e eles sentem-se importantes. Uma vez que a sociedade os excluiu, eles aqui sentem-se valorizados e isso é muito gratificante. Sinto-me um privilegiado por partilhar estes momentos com os jovens, porque tenho a certeza que recebo muito mais destas crianças do que aquilo que lhes dou. São jovens, entre os 11 e os 20 anos, mas a mim, que tenho 42, eles ensinam-me muito mais do que alguma vez poderia imaginar”.

 

Uma missão com metas bem definidas. “O objectivo é proporcionar estes momentos aos meninos que estão connosco. À segunda-feira fazemos natação na piscina municipal, às quartas-feiras praticamos padel, numa parceria que temos que agradecer ao engenheiro Alexandre Leal, para frequentarmos as instalações do Padel Beja, reconhecimento que, naturalmente, se estende ao município de Beja, por nos permitir, também, utilizar as suas instalações”. Depois, acrescentou: “São momentos que estes miúdos têm para desfrutarem de alguma actividade física e para estarem focados naquilo que são as necessidades de terem uma vida saudável, para que o desporto entre na vida deles de uma forma positiva e com os valores intrínsecos ao próprio desporto”.

 

Mas afinal, quantos e quem são estes jovens? “O número é sempre volátil, por causa dos compromissos escolares, mas, normalmente temos sempre em actividade entre 12 a 14 miúdos. Temos jovens de todo o país, desde Chaves ao Algarve, da zona de Lisboa e alguns também da nossa região, que as vicissitudes da vida colocaram na nossa instituição e nós, face à nossa responsabilidade e à nossa vocação, proporcionamos-lhes estes momentos, sem esquecermos todos que a disciplina, a amizade e o compromisso deverão estar também sempre muito presente na vida deles, a par do carinho, do colo e dos sorrisos que a actividade física também permite”.

 

São exemplos, diríamos, aos quais ninguém pode ficar alheio e que suscitam uma profunda reflexão, como acontece com Vítor Rodrigues.

 

“Como homem, não como profissional de educação física, sinto-me enriquecido na minha própria vida pessoal e familiar. Acho que, na educação dos meus filhos, passei a valorizar muito mais certos pormenores que, às vezes, tínhamos a tendência a colocar em segundo plano. Interiorizei estas vivências, o valor que eles dão a uma só bola de futebol, quando, afinal, o meu filho tem inúmeras lá por casa. Eles valorizam muito o pouco de que dispõem”.

 

A disponibilidade é total, garantiu: “Estão sempre ávidos de chegarem estes momentos de actividade, adoram desfrutar destas actividades, são inexcedíveis. Depois, este é também um momento de afirmação de que “O Desporto é Para Todos” e essa deverá ser sempre a nossa função. É a minha e deve ser a da nossa sociedade, proporcionarmos a igualdade, a inclusão o respeito através do desporto”.

 

A potenciação dos valores está imbuída na própria missão: “Claro, são jovens que, dados os diferentes percursos de vida, muitas vezes têm as emoções à flor da pele e nós tentamos sempre que eles as controlem. Inúmeras vezes levam as coisas ao limite, as frustrações que, para nós, são residuais, para eles são muito intensas e nós temos que ter a capacidade de fazermos esse ‘transfere’ para uma vida normal. Nem sempre lhes podemos dizer sim, mas o não, para eles, como já toda a gente lhes disse que não, durante o seu percurso de vida, nós temos que ter a pedagogia de os fazer compreender que, às vezes, realmente, terá que ser não”.

 

Sobre os sinais de crescimento e integração dos jovens, Vítor Rodrigues disse que: “Temos estas acções pela segunda época, alguns estão integrados, dois estão na arbitragem, um deles já dirige jogos, outros estão no futebol, no andebol. Nem todos terão capacidade para determinada modalidade e nós temos que ir experimentando, pelas diferentes áreas, a que melhor se adequa à sua integração. Tem corrido muito bem. Há pouco tempo estivemos na Academia do Sporting, estivemos na Cidade do Futebol. Nos próximos tempos pensamos assistir a jogos em Alvalade e no Estádio da Luz. Este é o nosso caminho, o desporto ao serviço da inclusão e do bem-estar destes jovens”.

 

 

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