O historiador diz que, à semelhança do que hoje acontece para evitar a disseminação da covid-19, durante a gripe espanhola foram adotadas medidas como o afastamento social, o uso da máscara e a quarentena. Jornais da época dão conta, por exemplo, que na estação de caminho de ferro de Serpa “um aviso proibia a entrada de forasteiros na vila, que ficava acessível apenas a quem ali tivesse família, sendo, no entanto, obrigado a um período de quarentena determinado pelas autoridades sanitárias”. A epidemia terá tido um impacto enorme em todo o distrito de Beja, atingindo o ponto alto em outubro de 1918, e tendo como foco de infeção o Quartel de Infantaria 17.
O fim do mundo pós-moderno como o conhecemos Hoje, para fazer face à propagação da covid-19, a sociedade global foi obrigada a reorganizar-se quase de um dia para o outro, operando-se alterações profundas dos costumes ao nível do quotidiano. Entrou-se em modo de teletrabalho, o ensino (e algum comércio) passou a ser feito à distância, e fomos afastados da generalidade das experiências sociais que nos davam tanto prazer.
Na opinião da socióloga Sandra Saúde estamos a viver “um choque tremendo à nossa base civilizacional, ou pelo menos na forma como nos habituámos a viver no chamado mundo pós-moderno, regulado pela rotina diária à volta do trabalho, pelo consumismo e globalização, e pelo ritmo acelerado do dia a dia, que não nos dava tempo para pensar, mas trazia algum conforto em termos de cadência e forma de estar”. Um embate, no entanto, “necessário e que já se previa, pois havia muitos sinais de desequilíbrio entre a humanidade e o ecossistema”.
A investigadora do CICS Nova - Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, e professora adjunta do Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), comenta que nas últimas décadas ter-se-á andado com a ilusão de que uma combinação “de industrialização, tecnologia, biotecnologia e descoberta de várias nuances tecnológicas” nos daria o conforto e a defesa para todos os males. “Parecíamos indestrutíveis, não tínhamos a ideia da finitude”, observa, lembrando que não temos “uma educação para o risco, para o que nos incomoda e fere”. E, portanto, o que está a acontecer é, “por um lado, uma espécie de alerta para que a sociedade reveja formas de estar, de consumir e equilibrar recursos, e, provavelmente, não ser tão predadora”. E, por outro, “um confronto com essa finitude”. A atual pandemia sobretudo, “veio mostrar que não podemos dar nada como adquirido, e isso é muito difícil de enquadrar”.
(Re)descobrir o que é essencial Kierkegaard dizia que “para o cristão, todas as derrotas se podem tornar vitórias”. A frase do filósofo dinamarquês é lembrada pelo padre Manuel António Guerreiro do Rosário, para dizer que concorda com ele. Acredita que esta pandemia, “pelas mudanças que obrigou a introduzir na nossa vida pessoal e coletiva, para além do sofrimento que é evidente e nos toca a todos, convida a repensar a vida e a (re)descobrir aquilo que, de facto, é essencial. E para os cristãos, o essencial são as pessoas e não as coisas”.