Antes do Valagua, cerca de 400 cabeças de gado passavam e pastoreavam todos os dias durante a época de estio neste barranco. Hoje, no âmbito de sensibilização com os exploradores agropecuários, houve um pastor que se disponibilizou para alterar o seu comportamento em benefício da conservação da natureza. Foi uma mais-valia, mas o desafio, agora, passa por ultrapassar a resistência à mudança de outras pessoas. “Não estamos a falar de o gado ir beber e depois voltar. Estamos a falar da presença do gado contínua, que é um problema geral a nível da bacia do Guadiana”, afirma a bióloga. Com a requalificação fluvial do barranco dos Alcaides tentou- -se “demonstrar que é possível compatibilizar as duas coisas, é possível que as pessoas desenvolvam a sua exploração pecuária, mas tendo em conta a preservação da linha de água e do ecossistema ribeirinho, tudo aquilo que está por trás”.
Com o som da água a atravessar este pequeno curso, num dia solarengo de inverno, Ana Cristina Cardoso conta que a atual imagem da água a correr em contínuo é muito diferente do que acontece no verão – a seca reduz o cenário “a uma poça de água, a um pego, e não há escorrência de água”. Acelerando a recuperação do ecossistema, o ICNF colocou uma vedação nas duas margens do barranco e fez plantações com espécies de vegetação ribeirinha, com estacas de salgueiros e de freixo. Os resultados já são visíveis, “nota-se já que, em termos arbustivos, há uma cobertura de juncos e de bunho que cobrem agora o solo e a margem, coisa que não acontecia antes”.
A ideia é ensombrar os pegos, para que se diminua a evaporação, mantendo a massa de água, e para que se estabilize a temperatura da água, que é importante para a qualidade e para os seres vivos presentes nestes habitats, “naquela Arca de Noé, naquele oásis de biodiversidade”, realça a bióloga. A recuperação da vegetação vai criar maior nichos ecológicos e uma maior possibilidade de desenvolvimento de mais macroinvertebrados, que é a alimentação dos peixes. O barranco dos Alcaides – onde foi instalado um parque de merendas e um painel informativo para facilitar a sensibilização da população para esta intervenção de cerca de dois quilómetros e que abrange três pegos – beneficia “toda a biodiversidade que está nesta poça de água”, desde amêijoas de água doce a libélulas e libelinhas.
“Quer a nível de macroinvertebrados, quer a nível de libélulas, existem mesmo espécies que estão identificadas como bioindicadores da boa qualidade das ribeiras e o facto de elas aparecerem indiciam que estamos a trabalhar num bom sentido”, sublinha Ana Cristina Cardoso. Deixando o Alentejo para trás, rumo ao Sul de Portugal, num trajeto de perto de 40 quilómetros, em que a serra toma o lugar da planície, Alcoutim (no distrito de Faro) destaca-se por ter o Guadiana, ternamente apelidado de Grande Rio do Sul, a delimitar a fronteira com Espanha.
Esta barreira administrativa é facilmente ultrapassada em menos de cinco minutos de barco, numa espécie de táxi flutuante em águas doces. De Alcoutim chega- -se até Sanlúcar de Guadiana, município raiano espanhol na província de Huelva, comunidade autónoma da Andaluzia. Noutros tempos, esta travessia era usada para contrabando de produtos entre os dois países. Parceira no projeto Valagua, a Diputación de Huelva desenvolveu diferentes intervenções em toda a área do Baixo Guadiana, inclusive no ponto mais alto de Sanlúcar de Guadiana. Conservando dois antigos moinhos, neste espaço surgiu um miradouro com vista para Alcoutim, permitindo contemplar o rio, assim como observar as estrelas, através de um planisfério celeste, neste que é um dos pontos de certificação Starlight. Há também um miradouro em San Silvestre de Guzmán. Outras das intervenções na província foram o equipamento de dois centros de visitantes, um em Puebla de Guzmán, com uma exposição sobre água, e outro em Puerto de La Laja.