E Gil pode, desde há uns meses, fazê-lo, porque este modelo baseia-se na assistência pessoal e Gil, como qualquer outra das pessoas que seja destinatária do Modelo de Apoio à Vida Independente, teve um papel ativo no processo de seleção.
“Este serviço de assistência pessoal é totalmente gratuito e é financiado pelo Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (Poise), sendo que as escolha destes assistentes pessoais e o plano de atividades são definidos pelos próprios destinatários deste programa. No entanto, todos os assistentes pessoais são formados por nós e têm uma formação especializada. São os destinatários do modelo, porém, que identificam as suas necessidades e as suas expetativas e o assistente pessoal é colocado junto das pessoas com deficiência ou incapacidade a realizar as atividades que estas pessoas definiram como necessárias”, afirma Ana Rita Soares, do CAVI do CPCBEja. Que acrescenta: “Os planos são de tal forma individualizados que são feitos de acordo com o que cada um pretende. E o assistente pessoal é único para cada pessoa e executa as tarefas sempre com a orientação e supervisão do destinatário. Existem, no entanto, pessoas que beneficiam mais do que um assistente pessoal, de acordo com as necessidades identificadas”.
Margarida Bate é assistente pessoal de Gil e estão, desde agosto, a adaptar-se um ao outro. “O Gil tem-me ensinado a abrandar o ritmo. Estamos todos os dias a conhecer-nos melhor. Eu executava tudo muito depressa, que era como estava habituada a fazer. O Gil, em sua casa, gosta que as coisas sejam feitas de uma determinada maneira. Gosta de perceber o que falta, de fazer a lista de compras, de saber se a máquina de lavar roupa está totalmente cheia para aí, sim, colocar-se a lavar. Enfim, gosta de ter a responsabilidade de tudo e eu executo as tarefas de acordo com as suas orientações”.
O horário de Margarida é, por isso, feito pelo Gil e quando está ao serviço não precisa, necessariamente, de estar sempre na sua companhia. “Estou na sua casa, por exemplo, a desempenhar as atividades que me deixou destinadas e se ele precisar de mim na biblioteca, quando está a trabalhar, chama-me e eu vou. Eu sou a substituição, quando necessário, das pernas, das mãos do Gil. Apenas isso”.
“Este é o novo paradigma. E nós dizemos muitas vezes na formação que a diferença entre um cuidador e um assistente pessoal é que se estiver um dia de inverno o cuidador escolhe a roupa e a pessoa vai com a roupa de inverno. Se estiver um dia de inverno e o destinatário disser que quer ir com uma roupa de verão, de calção e manga curta, o assistente pessoal só tem de vestir a pessoa de acordo com a sua vontade. O assistente pessoal está ali para cumprir a vontade do destinatário, enquanto o cuidador acaba por fazer o que em seu entender será melhor, acaba por tomar a decisão pela pessoa”, explica Ana Rita Soares.
E Margarida completa, imediatamente: “É o Gil que escolhe tudo o que quer vestir. Escolhe o que quer comer, escolhe tudo. E eu faço tudo à sua maneira, ou vou tentando fazer. Que é tudo muito novo para os dois. Trabalhei a dar assistência a pessoas, mas não neste modelo, eu executava o que achava melhor. Aqui dou assistência a uma pessoa que tem plena consciência, que sabe o que quer e que comanda a sua vida. Que só precisa de uma pessoa para o ajudar a executar tarefas que não consegue sozinho”.
Gil faz uma pausa na conversa como se precisasse de um tempo para escolher as palavras certas. Pensa, uma e outra vez, e desabafa: “Com esta resposta, com este apoio, ganhei muita autonomia, mas também muita responsabilidade. E confesso que fico preocupadíssimo e a pensar como estará a minha família em casa, sem mim. Porque os meus pais viveram toda a sua vida em minha função. E de repente o seu menino saiu e foi viver a sua vida, mas isto é por mim e por eles, porque eles não vão cá estar sempre. E eles compreendem muito bem o porquê de isto estar a acontecer. Eles sabem que era um desejo muito grande que eu tinha, desde muito novo. Sabem, agora, que o estou a cumprir”.
Gil cumpriu, está a cumprir, o seu projeto de vida pessoal. “Conquistou aquilo que nós mais desejávamos quando decidimos agarrar este projeto. Só pela conquista do Gil já teria valido a pena, mas depois temos também as conquistas dos nossos outros 23 destinatários. As pessoas tinham um projeto de vida, que estava comprometido, e que deixou de estar. Só podemos estar muito felizes”, conclui Francisca Guerreiro. E Gil sorri. “Muito, muito feliz. Esperei por este momento toda a minha vida”. Pela vida independente.