Entretanto, também quis ser forcado, à semelhança do seu pai?Bem, o meu pai tentou colocar-me à frente das vacas a partir dos cinco anos. Nessa altura não temos noção de nada. Tenho ideia de que entre os cinco e os nove anos tive duas ou três experiências, até que, com o meu grupo de amigos da rua 25 de Abril, começámos a andar atrás das garraiadas nas festas de aldeia. Uma vez, em Beringel, com os meus 16 ou 17 anos, fui experimentar e peguei duas vacas. Depois fui treinar com o Grupo de Montemor-o-Novo e lá fiquei durante 12 anos. Em maio de 1990 fardei-me, pela primeira vez, na praça de Toiros Varela Crujo, em Beja.
Ficou célebre o seu gesto numa corrida em que se deitou sobre o corpo do seu pai para evitar que ele fosse colhido…Foi numa corrida de homenagem ao Manuel dos Santos, no Campo Pequeno. Era o Grupo de Montemor e uma seleção de antigos forcados. O meu pai convidou-me para ir à primeira, convidou-me numa outra, nessa tive de ir dobrá-lo, e tive de dizer: pai já chega por aqui… sou do Grupo de Montemor e já não estou para andar mais nestas coisas.
No futebol, como na festa brava, tende a estabelecer-se uma certa analogia entre o Pedro e o seu pai. Orgulha-se disso ou é algo que o incomoda?Obviamente que me orgulho de ter essa referência do meu pai, relativamente ao mundo do futebol e dos toiros. Mas houve um momento em que teve de existir uma cisão, ele é o João, eu sou o Pedro. Cada um tem o seu caráter, a sua personalidade e maneira de estar na vida. Tenho pontos de vista diferentes dos dele e foi isso que, em determinado momento, tive que marcar. ‘A vida é minha, tu já viveste a tua, agora sou eu que quero viver a minha e à minha maneira’. Mas isso, por vezes, é incómodo. Mas é importante termos caráter, para sabermos marcar essa separação das coisas e não sentirmos pressão daquilo que é o pai, numa área ou noutra, e querer ver refletivo o trabalho que ele fez naquilo que o filho possa vir a fazer. Foi importante marcar essa cisão, mas a referência dele sempre esteve presente.
Chegou ao Sporting como adjunto de José Peseiro e dali seguiu-se Grécia, Roménia, Arábia Saudita…Foi um período de aprendizagem fantástica. Uma oportunidade excelente que primeiro me foi concedida pelo professor Pedro Mil Homens, nesse tempo diretor da Academia do Sporting (hoje no Benfica). Uma pessoa fantástica, que conheci num momento importante da minha vida, quando fiz o mestrado na Faculdade de Motricidade Humana. Orientou-me na tese de mestrado e possibilitou-me trabalhar com o Fernando Santos, através de análise de adversários, juntamente com o professor Júlio Garganta, eu mais a sul, ele a norte. Poder estar com os melhores foi importante para consolidar as múltiplas tarefas que tinha na análise de jogo e no controlo do treino.
Como técnico principal estreou-se em Leiria, passou pelo Nacional da Madeira e depois iniciou essa aventura mexicana onde venceu os quatro títulos possíveis naquele país…Tivemos a felicidade de sermos o primeiro treinador a fazer o poker. As competições no México são muito interessantes, muito intensas e também muito difíceis. A organização é totalmente diferente da que temos cá. Em 2015, com o Santos Laguna, ganhamos a Liga MX Clausura, ganhámos a Copa Apertura com o Santos e com o Cruz Azul, tivemos também a felicidade de ganhar a Supercopa e o título de Campeón dos Campeones, por isso, fomos os primeiros a ganhar, no México, todas as competições existentes naquele país.
A vida é feita de oportunidades, aproveitadas ou perdidas, nada acontece ao acaso. O seu percurso corresponde àquilo que têm sido as suas escolhas?Sem dúvida. Com o trabalho que tem sido feito os contactos têm aparecido naturalmente. No mundo do futebol, toda a gente tem um representante, eu tenho a sorte de contar com Nuno Batista, que me auxilia, de uma maneira muito profunda, quanto aos termos contratuais, porque os contactos, normalmente, são feitos mais diretamente comigo, algumas vezes também com ele, mas em termos contratuais é ele que gere toda a minha carreira.
Tornou-se mais exigente para com os desafios que lhe propõem? Estou num momento em que é importante refletir, é importante estar tranquilo, para decidir bem qual será o próximo passo em relação ao futuro. Penso que quero continuar a trabalhar lá fora. Tenho construído a minha carreira lá fora e em particular no futebol mexicano. Existe um mercado paralelo, que é o do MLS (liga norte-americana), onde tenho também alguns contactos e estou tentado, pelo menos curioso, em procurar uma oportunidade por lá, por isso estou expectante e estou em contactos para ver qual será o próximo passo.
Os treinadores portugueses têm de emigrar para terem o sucesso que o País lhes nega?Penso que esse é um processo normal. Eu tive a minha oportunidade em Leiria e no Nacional e depois tive a minha oportunidade no Santos Laguna. Penso que o percurso que os treinadores em Portugal fazem é para chegarem a um clube grande. Primeiro fazem um trabalho consolidado numa equipa média, em duas ou três épocas, e depois, a partir daí, têm chegado aos grandes. Eu tive de sair para fazer o meu percurso, é algo comum ao que o treinador português faz hoje em dia.
A sua saída do Cruz Azul coincidiu com a saída de Marcel Keizer do Sporting? Foi convidado para assumir esse lugar? Coincidiu com esse momento temporal e, provavelmente, falou-se nisso por ter existido essa coincidência, mas nunca tive qualquer tipo de abordagem do Sporting Clube de Portugal.
Vem a Beja em visitas muito fugazes. A sua cidade já não é o seu porto de abrigo? A minha é o meu porto de abrigo, sem dúvida. É aqui que tenho a minha casa, é aqui que vou construir uma casa de raiz, e a cidade de Beja será sempre o meu porto de abrigo.
Vai manter-se no “desemprego” até quando? Penso que muito em breve estarei a trabalhar. Olhando para o historial que tenho, desde que foi a transição de Leiria para o Nacional, daqui para o Santos Laguna, depois para o Catar, daí para o Rangers e depois para o Cruz Azul, nunca tardei mais do que dois a três meses para voltar a trabalhar e penso que, nesta altura, as coisas acontecerão de forma semelhante até voltar de novo ao trabalho.
O que faz nestes intervalos de inatividade?Faço reflexões, analiso, faço preparações para entrevistas. Desde que sai de Portugal todos os processos para ter um novo trabalho são através de entrevista. E o que eu faço normalmente, sempre que existem esses contactos, é preparar-me para os processos. Analiso jogos da liga portuguesa, da liga dos campeões, continuo ligado ao futebol e a analisar aquilo que são as novas tendências do jogo.