A culpa de ela ter voltado a emergir foi da seca. Da chuva que não caiu e que, por isso, deixou a barragem quase sem pinga de água. A albufeira do Monte da Rocha, em julho, segundo o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, contava com 9,8 por cento de armazenamento. E foi por isso que ela, a Aldeia Nova de Ourique, voltou a aparecer, deixando agora vislumbrar o que dela sobrou. E é por isso que as gentes que nela habitaram agora a rememoram, para que a memória, essa, jamais se perca.
Texto Bruna Soares Fotos José Ferrolho
Aquilo que lhe falta em edificado, sobra em lembrança. Porque a Aldeia Nova de Ourique, que ficou debaixo de água, no fundo da barragem do Monte da Rocha, aquando da sua construção, está ainda presente em todos os que nela habitaram. Na memória, nas vivências e na identidade de todos os nado e criados num torrão natal que, como dizem, “lhes arrancaram”, “lhes tiraram”. Para sempre. Em nome de um bem maior: da água em abundância para todos e para os campos. Em nome do desenvolvimento e do progresso. Do concelho de Ourique, da região, do Alentejo e do País.
A atestá-lo está a notícia, publicada no “Diário do Alentejo”, na inauguração da barragem do Monte da Rocha, a 11 de junho de 1972. O plano de rega do Alentejo estava, então, em marcha e a cerimónia foi presidida pelo chefe de Estado, o almirante Américo Tomás, que se fez acompanhar de mais dois membros do governo, o ministro das Obras Públicas, Rui Sanches, e o secretário de Estado da Agricultura, Vasco Leónidas.
E o ministro das Obras Públicas avisava: “À desigualdade da repartição especial das chuvas no continente, procura o Governo dar remédio com a criação de albufeiras de armazenamento, pois no caso do Alentejo a transferência de água entre bacias hidrográficas surge como única forma de lhe dar a água de que ele ainda carece para o seu desenvolvimento”.
Os discursos prosseguiram, mas sobre a Aldeia Nova de Ourique, em dia de inauguração, nem uma única palavra, nem uma única linha escrita. E, a essa data, já todos os moradores tinham saído. Porque a água houve um dia, inevitavelmente, que lhe chegou às soleiras das portas. Primeiro partiram uns. Depois outros, até ao dia em que não ficou ninguém.