Reconhecendo que esta realidade se manifesta de uma forma mais grave nos territórios de baixa densidade, o responsável do estudo chama a atenção para “as consequências clínicas” resultantes da suspensão dos tratamentos, que podem ser gravosas, principalmente, para quem padece de doenças crónicas e está dependente da toma diária de um qualquer medicamento. Acresce que a necessidade de deslocação aos centros de saúde para alterar as receitas tem um “impacto económico” na vida das pessoas e sobrecarrega o Serviço Nacional de Saúde de forma “desnecessária”.
Mas os impactos negativos não se ficam por aqui. Também as farmácias sofrem com este mal. “De facto há um conjunto de farmácias nos territórios desertificados, e que são um fator de proximidade importante no que diz respeito à saúde pública”, para as quais se está a tornar “incomportável” esta situação, diz António Rodrigues. “É a nossa realidade diária”, confirma ao “DA” Sílvia Bentes, responsável farmacêutica numa localidade rural. As causas para esta situação são variadas: por um lado, os preços dos medicamentos em Portugal são mais baixos que na maioria dos países europeus, o que leva os laboratórios a optarem, prioritariamente, pela exportação; por outro, o facto de haver rateio de medicamentos pelas farmácias, dependendo da faturação de cada uma, penaliza os estabelecimentos das terras pequenas; acresce que os genéricos, com preços muito baixos, são desinteressantes para a indústria, que muitas das vezes decide deixar de os produzir.
“É uma pescadinha de rabo na boca: não temos medicamentos, não temos clientes; não temos clientes, não temos medicamentos”, desabafa a farmacêutica. “É uma situação dramática e que pode levar ao encerramento das pequenas farmácias, e ao desmantelamento de uma rede de proximidade” importante para a saúde dos cidadãos. Sílvia Bentes diz que é habitual um utente com uma receita com meia dúzia de prescrições, posto perante a falta de uma, decidir deslocar-se à cidade mais próxima, onde tem mais probabilidades de conseguir aviar-se na totalidade, penalizando ainda mais os negócios pequenos.António Rodrigues descreve o mesmo cenário: “A culpa é da centralização da produção a nível global e da falta de competitividade devido aos preços baixos”, uma realidade que “desvaloriza a cadeia” do medicamento.
Nos últimos 12 meses, a perceção dos consumidores quanto à indisponibilidade de medicamentos é muito maior nos distritos de Beja, Bragança, Guarda e Viseu, com os utentes a declararem que a situação se agravou. As regiões autónomas dos Açores e da Madeira são onde o problema da escassez de medicamentos é menos referida por parte dos utentes com, respetivamente, 39,7 e 40,7 por cento de respostas. No continente, Faro e Setúbal, com cerca de 48 por cento, são os distritos menos afetados.