Diário do Alentejo

Apicultores do Guadiana denunciam falta de apoios

18 de junho 2019 - 11:30

Texto Carlos Lopes Pereira

 

A serra de Serpa e Mértola é uma zona com longa história apícola. A importância económica da produção de mel e cera aparece em documentos pelo menos desde o século XIV, com referências a malhadas, cortiços, colmeias e abelhas – o “gado do ar”.  Hoje, os apicultores identificam três problemas principais: a redução das áreas de produção, as alterações climáticas e a falta de apoios à apicultura.

 

Paulo Silva e Cristina Caro, produtores em modo biológico, em Vale Pereiro de Cima, no concelho de Mértola, ajudaram o “Diário do Alentejo” a compreender as dificuldades.  Para eles, as políticas agrícolas atuais exercem um forte condicionamento à atividade apícola e à vida das abelhas. Do ponto de vista das áreas de produção, têm exercido pressão sobre os agricultores para que desmatem os terrenos para receberem subsídios, mesmo em zonas com declives que desaconselham a mobilização de terras. Tal pressão origina mal-estar entre os apicultores porque essa desmatação por vezes coincide com a única época de produção de mel, que nesta região é a primavera.

 

Para contrariar tal cenário, defendem que “devemos aproveitar a liberdade dada aos países, no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia pós 2020, para desenhar medidas mais amigas das abelhas, conjugando as visões de agricultores e apicultores”. Um exemplo poderia ser uma medida agroambiental para os agricultores que respeitassem zonas de matos com forte vocação apícola ou, ainda, no âmbito dos eco-regimes, uma lista de práticas agrícolas respeitadoras da atividade apícola.

Sobre as alterações climáticas, consideram que elas são percecionadas pelos apicultores na forma da imprevisibilidade de produções, devido à incerteza que existe no clima. Se antes era fácil produzir mel e manter os efetivos, agora é necessário mais conhecimento da biologia da abelha, da sua nutrição, e uma avaliação cuidada do potencial alimento que existe na vegetação naturalmente presente. Os apicultores têm seguido a via da profissionalização, também devido a este condicionalismo, que obriga a estudar, fazer formações e a estar na linha da frente do conhecimento. Atualmente, muitos apicultores optam por diversificar as produções para o pólen e o própolis e, contrariando os antigos manuais, colocam as colmeias à sombra, para que consigam conforto climático durante os períodos mais quentes do ano.

 

Paulo Silva e Cristina Caro garantem que a falta de apoios agrícolas à apicultura “é uma realidade”, o que torna o setor apícola menos competitivo e com maior desigualdade, comparativamente com outros sectores pecuários, sendo “o único que não tem ajudas à produção”. Ainda sobre apoios, é dos poucos setores que não tem ajudas ao modo de produção biológico. A única medida que foi desenhada para a apicultura nacional, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020), foi a Medida Agroambiental para a Apicultura, que consideram “estar mal desenhada desde o início, tendo uma taxa de adesão por parte dos apicultores de sensivelmente cinco por cento, durante este período comunitário de apoio”. O setor, através das suas associações, tem feito sugestões que são ignoradas pelos governos. O que é defendido são apoios à colmeia, como existem em Espanha ou França, e ao modo de produção biológico, bem como o reconhecimento pela tutela do papel da apicultura na manutenção das populações de abelhas e na biodiversidade.

 

Doenças, seca e pesticidas

 

Os apicultores organizam-se em torno de associações que os representam e tentam defender os seus interesses. No Baixo Alentejo existem duas associações, a Associação de Agricultores do Parque Natural do Vale do Guadiana (Apiguadiana), com sede em Mértola, e a Associação dos Apicultores do Vale do Guadiana (Apivale), em Moura. Estas associações lutam por uma apicultura mais sustentável e são pontos-chave na formação dos apicultores, ao nível da produção, das regras de higiene e da segurança alimentar que envolvem todos os produtos apícolas.

Rui Novalio é apicultor e o presidente da Apivale, que associa 170 apicultores de Moura, Serpa e de outros concelhos da Margem Esquerda do Guadiana. Concorda que um dos grandes problemas do setor apícola é a escassa ajuda, comparativamente com as ajudas dos outros sectores da agricultura. Outras dificuldades são o aparecimento de novas doenças que exigem um maior controlo das colónias de abelhas e, por isso, um maior custo de produção; as alterações climáticas, com períodos de seca nos meses de produção de mel; a agricultura intensiva, com limpeza de plantas melíferas e utilização de pesticidas nefastos para as abelhas; e a limpeza de mato para reduzir o risco de incêndios.

 

Com a seca destes meses, não prevê que 2019 seja um bom ano em termos de produção de mel, pois em março praticamente não choveu e o mês de abril foi muito ventoso. Quanto aos perigos para a apicultura que a utilização desregulada de agroquímicos na agricultura intensiva pode implicar, o presidente da Apivale está atento. Já Paulo Silva e Cristina Caro são mais assertivos: “A apicultura no País e na região está diretamente associada a áreas naturalizadas e é importante manter essas áreas, não as diminuindo. Há um mercado crescente ligado à polinização dos amendoais, mas os apicultores conhecem os riscos de levar as abelhas para essas culturas”.

Concluem que mais importante é pensar que o País pode ter uma atividade ambientalmente sustentável, economicamente interessante e com potencial para a criação de emprego, com fixação de famílias, se apoiar, “com a mesma intensidade e interesse, a apicultura e as culturas de regadio”.

 

SERPA E MÉRTOLA EXPORTAM  500 TONELADAS DE MEL POR ANO

Nos concelhos de Serpa e Mértola estão registados perto de 200 apicultores (30 dos quais profissionais a tempo inteiro) mas haverá mais, já que muitas pessoas, com poucas colmeias ou por desconhecimento, não as registam. Dos dois concelhos saem todos os anos cerca de 500 toneladas de mel, que maioritariamente têm por destino o mercado a granel alemão, francês e espanhol. Em Portugal, a produção de mel tem crescido consistentemente nos últimos 15 anos. Se em 2005 o País produziu pouco mais de 5,5 mil toneladas, em 2016 foram produzidas mais de 14 mil toneladas. Em 2017 a produção, afetada por incêndios e pela seca, atingiu 10 mil toneladas.

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