Diário do Alentejo

DA: Os primeiros anos de um jornal "anti-situacionista"

31 de maio 2019 - 11:00
Primeiro número do Diário do Alentejo

Texto Carlos Lopes Pereira

 

Hoje semanário, público e democrático, insubstituível, o “Diário do Alentejo” continua a pugnar pela prática do bom jornalismo e a assumir-se como defensor dos interesses regionais e ator empenhado do desenvolvimento.

Foi há 87 anos, a 1 de junho de 1932, numa quarta-feira, à tarde, que surgiu em Beja o “Diário do Alentejo”. Em Portugal vivia-se a ditadura imposta pelo golpe militar de 28 de maio de 1926 e a implantação do “Estado Novo” fascista encabeçado por Oliveira Salazar. O contexto internacional era de crise económica – a Grande Depressão fazia sentir os seus efeitos na Europa e no mundo – e de ascensão dos fascismos, que haveriam de conduzir à II Guerra.

 

“Jornal da tarde – porta-voz regionalista”, propriedade da empresa Carlos Marques e C.ª L.ª, o vespertino nos primeiros cinco anos não indica no cabeçalho o nome do diretor mas uma “Direcção da Empreza”. Tratava-se da sociedade pertencente a Carlos Marques e a Manuel António Engana, os fundadores do vespertino bejense. Nos primeiros tempos, o jornal aponta um certo J. J. Corôa como administrador e editor. Composto e impresso na Minerva Comercial, em Beja, tinha a redação e administração na rua Dr. Augusto Barreto. Situavam-se também ali, em edifícios ainda hoje existentes, a papelaria, a livraria e o armazém de papel e materiais.

Carlos MarquesCarlos Marques

O jornal, que de começo não trazia o preço no cabeçalho, era distribuído pela própria empresa – vendido avulso ou enviado pelo correio para os assinantes, os “avençados”. Em 1937, uma assinatura mensal custava 7$50 (sete escudos e cinquenta centavos). 

 

O vespertino saía em geral com quatro páginas, grandes. Na primeira, nos anos iniciais, vinham os “Reparos…”, um conjunto de pequenos comentários e notícias, um artigo central de opinião e pequenas informações da cidade, da região, do País e do mundo – da Alemanha à América, passando pelo Japão. Raramente incluía fotografias e as poucas que apareciam eram relativas a questões internacionais. As outras três páginas eram preenchidas com os “continuados” dos textos da primeira, desporto, pequenas notícias, informações e publicidade. Uma organização que, no essencial, se manteve durante décadas, até aos anos Setenta, quando o tamanho das páginas diminuiu e o número aumentou. Havia excepções e por exemplo, no aniversário do jornal ou aquando da realização de feiras, as edições tinham 12 ou mais páginas, a maioria de publicidade.

 

No primeiro número, os “Reparos…” contavam que “um grupo de alentejanos, devotadamente amigos da terra que lhes foi berço, vinham desde longa data acalentando a ideia de lançarem um jornal dotado dos meios de acção necessários para atingir um ideal que os tentava”. Esse ideal era “animar e pôr em marcha um movimento, consciente, com o supremo objectivo de promover o progresso, o prestígio e a fortuna da Província onde nasceram”.

 

O desenvolvimento da região foi, pois, desde o primeiro momento, o propósito principal do jornal: “Os homens que conceberam e agora realizam o plano de criação de um órgão que se propõe ser o porta-voz, na imprensa, das justas aspirações, colectivas, que, debalde, algumas boas vontades dispersas não têm logrado, até hoje, efectivar, não trazem para este campo nem intenções reservadas, nem ambições pessoais. Animam-nos, tão somente, o acendrado desejo de serem úteis à terra que, desinteressadamente, se esforçam por bem servir”.

Manuel EnganaManuel Engana

O jornal, que de começo não trazia o preço no cabeçalho, era distribuído pela própria empresa – vendido avulso ou enviado pelo correio para os assinantes, os “avençados”. Em 1937, uma assinatura mensal custava 7$50 (sete escudos e cinquenta centavos).

O vespertino saía em geral com quatro páginas, grandes. Na primeira, nos anos iniciais, vinham os “Reparos…”, um conjunto de pequenos comentários e notícias, um artigo central de opinião e pequenas informações da cidade, da região, do País e do mundo – da Alemanha à América, passando pelo Japão. Raramente incluía fotografias e as poucas que apareciam eram relativas a questões internacionais. As outras três páginas eram preenchidas com os “continuados” dos textos da primeira, desporto, pequenas notícias, informações e publicidade. Uma organização que, no essencial, se manteve durante décadas, até aos anos Setenta, quando o tamanho das páginas diminuiu e o número aumentou. Havia excepções e por exemplo, no aniversário do jornal ou aquando da realização de feiras, as edições tinham 12 ou mais páginas, a maioria de publicidade.

 

No primeiro número, os “Reparos…” contavam que “um grupo de alentejanos, devotadamente amigos da terra que lhes foi berço, vinham desde longa data acalentando a ideia de lançarem um jornal dotado dos meios de acção necessários para atingir um ideal que os tentava”. Esse ideal era “animar e pôr em marcha um movimento, consciente, com o supremo objectivo de promover o progresso, o prestígio e a fortuna da Província onde nasceram”.

 

O desenvolvimento da região foi, pois, desde o primeiro momento, o propósito principal do jornal: “Os homens que conceberam e agora realizam o plano de criação de um órgão que se propõe ser o porta-voz, na imprensa, das justas aspirações, colectivas, que, debalde, algumas boas vontades dispersas não têm logrado, até hoje, efectivar, não trazem para este campo nem intenções reservadas, nem ambições pessoais. Animam-nos, tão somente, o acendrado desejo de serem úteis à terra que, desinteressadamente, se esforçam por bem servir”.

O artigo de opinião da primeira página do número 1, “Na hora da largada”, assinado por Ilídio Perfeito, assumia também para o jornal o “objectivo de propaganda intensiva da região de que quere ser o arauto vibrante, activo, desempoeirado”. E, já nessa época distante, queixava-se do abandono a que era votada “a terra sagrada do Alentejo donde sai a maior parte do pão que nos alimenta a todos quantos nascemos nesta faixa de terreno que se chama Portugal”. Assim: “No tocante a benefícios, melhoramentos, progressos, por via dos poderes públicos, entre as restantes províncias do País, o Alentejo é a ‘terra de ninguém…’. Porque a nossa posição de intérmina planície aquém do Tejo, em verdade, presta-se até certo ponto a confusões lamentáveis, de natureza geográfica, para os não iniciados, e sabe-se, de sobejo, que o velho Terreiro do Paço não é, positivamente, um portento em corografia…”.

 

“Continuidade honesta”

 

A publicação diária do “Diário do Alentejo” mantém-se sem sobressaltos ao longo de mais de duas décadas – com uma linha editorial regionalista e independente, mantendo o formato de quatro páginas, com seis edições por semana, visado pela Censura fascista – mas, a 7 de abril de 1955, morre com 82 anos Carlos Augusto das Dores Marques, um dos dois fundadores e proprietários.

 

A edição do dia seguinte dá alguns pormenores sobre o seu trajeto: “estudou no Liceu de Beja” e “dedicou-se, desde muito cedo, às lides jornalísticas, principiando por trabalhar na administração do antigo semanário ‘9 de Julho’, onde escreveu também as suas primeiras composições literárias. Mais tarde, em 1906, montou uma pequena tipografia, fundando ‘O Porvir’, outro semanário local também já desaparecido”. Em 1919, estabelece sociedade com o seu “dedicado amigo” Manuel Engana e abrem uma livraria. “Exímio praticante de violino” e, quando jovem, “talentoso amador teatral”, era pai do então chefe de redação do “Diário do Alentejo” e “distinto pintor” Carlos Dores Marques. Com a morte do seu sócio e amigo, Manuel Engana adquiriu aos herdeiros de Carlos Marques “a outra metade da firma, que passou, assim, à sua exclusiva propriedade”.

 

O jornal continuou a ser publicado regularmente. A Censura fascista fazia-se sentir: ao longo da Guerra de Espanha e da II Guerra Mundial, raras eram as notícias sobre os conflitos, apenas se podendo ler referências sobre eles nos artigos de opinião. Mais tarde, também sobre a guerra colonial só eram publicados os comunicados oficiais com as mortes dos militares em África. Em 26 de fevereiro de 1968, novo luto, “profundo, acabrunhante”: morre Manuel Engana, um dos fundadores e então o único proprietário, que foi também “o seu mais forte sustentáculo, o seu firme dirigente, o seu mais activo e fiel servidor”, “o homem a quem o ‘Diário do Alentejo’ deve a parte principal do seu aparecimento arrojado e da sua continuidade honesta”.

Assume então as funções de diretor e editor Manuel de Melo Garrido, “jornalista de larga experiência profissional, elemento efectivo do nosso quadro de redactores desde o primeiro número e que, seu chefe de redação desde 1955, foi o mais directo e mais próximo colaborador de Manuel António Engana na sua acção directiva”. Melo Garrido, concluídos os estudos no Liceu de Beja, exercera “intensa actividade no jornalismo desportivo em dois semanários locais – ‘Ala Esquerda’ e ‘Porvir’ – e no antigo ‘Sports’, de Lisboa”, antes de entrar para o “Diário do Alentejo”, em 1932.

O “Diário do Alentejo” surgiu como um jornal conotado com a oposição à ditadura fascista

Segundo o historiador Luís Carvalho, da Universidade Nova de Lisboa, o organismo que, a par do serviço de censura, em 1933 ficou encarregado de controlar a imprensa regional, o Secretariado da Propaganda Nacional, estabeleceu então uma tabela de classificação dos jornais regionais com quatro categorias: “situacionistas”, ou seja, declarados apoiantes da ditadura; “simpatizantes” [da ditadura]; “neutros”; e “anti-situacionistas”. O vespertino bejense foi classificado como “anti-situacionista”.

 

O investigador explica que isso não aconteceu por acaso: o cofundador e proprietário Carlos Marques (1873-1955) era um velho democrata republicano desde o tempo da monarquia e tinha sido fundador e diretor do jornal republicano bejense “O Porvir” (que se publicou entre 1906 e o início dos anos 1930). O outro cofundador, Manuel Engana (1893-1968), que desde 1934 aparece no cabeçalho como editor e administrador e, a partir de abril de 1937, por imposição legal, também como diretor, tinha sido, no período da 1.ª República, dirigente local do velho Partido Socialista Português e colaborador do jornal bejense “O Operário”.

 

É de assinalar também o nome de Julião Quintinha como um dos mais importantes colaboradores do “Diário do Alentejo”, desde o começo até 1968, data da sua morte. Era um velho militante do Partido Republicano Português, colaborou no diário anarco-sindicalista “A Batalha” e foi presidente do antigo Sindicato dos Jornalistas de Lisboa (dissolvido pela ditadura no final de 1933). Veio depois a ser figura destacada da oposição antifascista como subchefe de redação do diário “República” e editor da revista “Seara Nova”.

 

(Num próximo artigo, a história do DA no pós-25 de Abril)

 

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