Diário do Alentejo

Europeias vistas por quem vota pela primeira vez

25 de maio 2019 - 07:00
Grupo de jovens que vota pela primeira vez | Foto de José SerranoGrupo de jovens que vota pela primeira vez | Foto de José Serrano

Texto José Serrano

 

Os eleitores portugueses vão escolher, nas urnas, no próximo domingo, dia 26, aqueles que serão os deputados portugueses com assento no Parlamento Europeu, até 2024. O “Diário do Alentejo” falou com seis eleitores de Beja que se estrearão, nestas eleições, como cidadãos europeus votantes e registou as suas preocupações relativamente às questões ambientais, ao fenómeno da corrupção aliada à política, à abstenção, e à perigosidade crescente de ideais extremistas.

 

Uma semana após completar 18 anos, Gonçalo Pereira prepara-se para, de hoje a dois dias, 26 de maio, se iniciar como votante, nas eleições europeias. O seu voto, que constará do escrutínio de uma assembleia de Beja, será um dos cerca de 360 milhões de votos possíveis do conjunto de eleitores inscritos nos 28 estados-membros da União Europeia (UE) e contribuirá para eleger um dos 21 deputados que representarão Portugal, durante os próximos cinco anos, no Parlamento Europeu. 

 

A instituição é fórum de debate político e de tomada de decisões a nível da UE e albergará, até 2024, os 751 deputados que serão eleitos num período de quatro dias, desde ontem, quinta-feira (dia em que a Holanda normalmente vota) e até domingo, dia em que, tal como Portugal, a maioria dos países realiza as suas eleições. 

Para Gonçalo Pereira, o momento antevê-se importante: “Será porventura a minha votação mais marcante, por ser a primeira vez em que posso participar na decisão sobre o futuro europeu e de como este poderá vir a ser gerido, o que terá certamente implicações no meu país”. 

 

O sentido de voto não está, no entanto, totalmente decidido, podendo Gonçalo escrever o seu x em um ou num outro quadrado branco do boletim que lhe será entregue. “Estou indeciso, vou ainda conversar com os meus pais, ler na Internet as propostas dos partidos para onde estou mais ‘inclinado’”. Os debates na televisão, considera, “não adiantam de nada porque os candidatos passam mais tempo a atacarem-se uns aos outros do que a informarem sobre as medidas que pensam tomar, caso sejam eleitos”.

 

A indecisão de Gonçalo não passa contudo pelos temas que crê ser necessário levar para discussão a nível europeu e que serão preponderantes na escolha da sua confiança política, nomeadamente, os que dizem respeito ao ambiente: “As soluções ambientalistas devem estar na ordem do dia, pois a continuarmos assim a Terra acabará rapidamente por se tornar inabitável”.

 

A preocupação ambiental é referida como essencial pelos seis eleitores de Beja (cinco deles com 18 anos e a terminar o ensino secundário e um com 19, no primeiro ano do ensino superior) que irão votar pela primeira vez no próximo domingo e com quem o “Diário do Alentejo” conversou.

 

Matilde Carapuça, que considera “saber bem” quais são os seus ideais, revela que o seu voto ainda não está decidido, mas que recairá “sempre” num partido cujo candidato a possa “cativar” através de inquietações ambientais nas quais se reveja. 

“Preocupo-me muito com as questões do aquecimento global, das alterações climáticas, da extinção de espécies e acredito que o parlamento possa implementar, na Europa, medidas importantes, protetoras do meio ambiente. Torna-se urgente que todos estejamos informados e conscientes acerca dos riscos ambientais que corremos e da sua irreversibilidade, caso não se atue de imediato”.

Matilde revela que gostaria que os representantes do partido no qual decidir votar “levantassem” no Parlamento Europeu a questão da agricultura intensiva no Baixo Alentejo, de forma a poder ser considerado existir, a nível europeu, uma maior fiscalização relativa a este tipo de produção e um maior conhecimento de como a sua prática poderá ser ou não prejudicial para a sustentabilidade ambiental da região.

 

A questão ambiental, generalizada e particular no território – “a mudança agrícola radical que o Baixo Alentejo está a sofrer, o uso de pesticidas em olivais que existem por todo o lado sem, aparentemente, medidas de fiscalização”, preocupa também João Matos, eleitor que já decidiu em quem recairá o seu primeiro voto e ciente da importância desta participação cívica: “É importante votar, dar a nossa opinião relativamente ao que nos rodeia. A Europa é um continente fragmentado onde existem muitos países e a UE veio tornar cada um deles, juntos, mais fortes do que individualmente isolados. Por isso julgo que é essencial eleger pessoas que tenham uma visão global e positiva desta união e que, ao mesmo tempo, façam frente aos extremismos e tenham preocupações genuínas na área do ambiente, porque se nada se alterar rapidamente o futuro será negro”.

 

Mónica Ramos, ainda indecisa quanto ao seu voto – “quero decidir bem, este é um ato que, como cidadã europeia que sou, considero ser importante” –, julga necessário que os partidos, no Parlamento Europeu, defendam os direitos humanos e debatam profundamente a questão ambiental: “Sabe-se da dimensão do problema e o que é que se faz? Há muito mais a implementar para além da venda de sacos de plástico a 10 cêntimos. Não se tomem medidas e os filhos da minha geração poderão passar já por situações muito complicadas”, diz.

 

José Matos, aluno da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Beja, revela que, a par de outras, a questão ambiental é uma das que mais influi na decisão do seu voto: “Não havendo um partido que represente as minhas ideias na totalidade, penso ter já uma decisão formulada. Para mim, é importante alguém que apele ao Homem médio, ao Homem trabalhador, às pessoas que merecem atenção e proteção. E que promova para debate as questões do ambiente, que informe sobre o ritmo a que vai a degradação ambiental. Há que perceber que existem coisas mais importantes que o dinheiro e que por vezes há que sacrificá-lo, pela vida”.

 

As últimas eleições para o Parlamento Europeu, que decorreram em 2014, revelaram a menor participação de sempre, com apenas 42 por cento dos eleitores europeus pertencentes aos estados-membros da UE a exercer o seu direito de voto. Em Portugal esse índice revelou-se ainda menor, tendo participado no escrutínio de deputados portugueses para o Parlamento Europeu cerca de 34 por cento dos eleitores portugueses.

 

A perceção da associação da política a atos ilícitos parece corresponder, de acordo com os nossos entrevistados, a uma das principais razões, entre os jovens, para o não exercício do voto. 

“A minha geração cresceu num clima de desconfiança em relação à generalidade dos políticos, um clima em que toda a gente acha que toda a gente é corrupta, que tem segundas intenções. Por isso é difícil confiar em alguém. Ainda que tenha um bom discurso, é confuso perceber se estão a dizer ou não a verdade… ”, diz Matilde Carapuça.

Uma opinião que João Matos reforça: “Há na maioria dos partidos casos de corrupção. Essa hipocrisia descredibiliza a política e desmotiva a votação, fazendo pensar se o nosso voto poderá ser aproveitado para se conseguir algo menos correto. Esse sentimento pode levar a que muitos sintam que assim não vale a pena votar, quer nesta ou em qualquer outra eleição”.

 

A soberba é outra das razões apontadas por Margarida Valente como causa do desinteresse na participação eleitoral entre os mais jovens. “‘Eu só sei que sou melhor que vocês todos juntos’ parece ser o único argumento dos políticos nos debates a que assistimos e essa atitude, contribui para o alheamento, para a abstenção”, explica.

 

Para além destes dois aspetos – o exercício da ilegalidade para benefícios privados e a prática de um “pecado capital” –, José Matos considera que a elevada taxa de abstenção que se verifica assiduamente nas eleições europeias se relaciona com a falta de informação acerca das implicações que as decisões tomadas no Parlamento Europeu podem ter na vida do cidadão comum. “Julgo que grande parte das pessoas não tem ideia do ‘alcance’ da UE, da implicação das decisões vindas ‘lá de cima’ no nosso dia-a-dia. Determinadas decisões, projetos, fundos de apoio, dinâmicas implementadas no País, que podemos pensar que são autónomas do Governo, provêm de facto de patamares superiores”.

 

Esta falta de informação será ainda ampliada, segundo José Matos, pelo tipo de discurso político “denso, que deve ser desconstruído, simplificando a explicação dos mecanismos, dos objetivos. Porque o que vemos são quatro ou cinco, todos de fato, a falar de bancos e finanças, e quem tem 18, 19, 20 anos passa imediatamente para o canal a seguir ou vai ver um filme”.

 

 

O avanço da extrema-direita na Europa

 

O crescimento de partidos de extrema-direita e direita radical eurocética na Europa, assumindo de forma inequívoca discursos e simbologias facilmente identificáveis com partidos fascistas e nazis das décadas de 30 e 40, é inequívoco. No Parlamento Europeu estas forças extremistas encontram-se atualmente representados por 36 deputados, eleitos em oito países da UE, unidos no grupo político denominado Europa das Nações e das Liberdades (ENL), cujo líder é Marine Le Pen, presidente da União Nacional, em França.

As sondagens mais recentes preveem o crescimento do ENL em mais de 100 por cento, podendo o seu conjunto de deputados no Parlamento Europeu chegar aos 73 deputados, ficando a representar, a verificarem-se os números, a quarta força política no hemiciclo representativo da UE.

 

Números “preocupantes”, de acordo com os nossos seis interlocutores, tal como adverte Gonçalo Pereira: “É importante que ‘olhemos’ para o passado, há pessoas muito perigosas na política, escondidas atrás de palavra bonitas e discursos eloquentes que prometem evolução. Hitler chegou assim ao poder…”.

 

A melhor arma contra estes partidos, “que estão a colocar em perigo os pilares democráticos da Europa, é a informação e a participação de cada um”, diz José Matos. “Esta é uma daquelas questões em que todos temos de nos envolver, em que não deve existir espaço para dizer ‘não me meto, não tenho opinião’, porque a inércia beneficia imenso estes grupos. Se esta ‘onda’ extremista for combatida com sucesso, podemos voltar às questões do desenvolvimento, do debate democrático pacífico e o futuro poderá ser bastante promissor, porque a UE foi formada tendo por base ideais muito respeitáveis”.

 

José Matos cita o filósofo austríaco Karl Popper: “Se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”.

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