Diário do Alentejo

Colocados

05 de setembro 2025 - 08:00
IPBeja com mais de 60 por cento das vagas por preencher na 1.ª fase de acesso ao ensino superior
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Na 1.ª fase do concurso nacional de acesso (CNA) 2025/2026 ao ensino superior, do total de 519 vagas abertas pelo Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), respeitantes a 14 licenciaturas, apenas foram preenchidas 203, ficando por preencher 60,9 por cento das existentes, significando este resultado uma quebra de colocação de alunos nesta instituição de cerca de 40 por cento (uma diminuição de 134 estudantes), face à mesma fase do ano letivo transato. No âmbito destes resultados o “Diário do Alentejo” entrevistou Maria de Fátima Carvalho, presidente da instituição.

 

Texto José Serrano Foto Ricardo Zambujo

 

O IPBeja ficou com mais de 60 por cento das vagas por preencher na 1.ª fase de acesso do concurso nacional de acesso (CNA) ao ensino superior. Como analisa estes números?

Esta quebra resulta de fatores nacionais, nomeadamente, de uma redução abrupta do número total de candidatos ao ensino superior — menos 9046 face ao ano passado, ficando o número de candidatos abaixo dos 50 mil, nesta 1.ª fase do CNA. [Também] as novas regras de acesso ao ensino superior, [destacando-se destas] o exame nacional de Português, novamente obrigatório para todas as áreas de estudo, e a exigência da realização de dois exames nacionais positivos, limitou o universo de potenciais candidatos a nível nacional e penalizou, particularmente, as instituições de regiões de menor pressão demográfica. Esta situação foi antecipada e identificada pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (Ccisp), do qual o IPBeja faz parte, que estudou este cenário, desde 2023, e informou formalmente a tutela das potenciais consequências, tendo sugerido medidas de reversão. A recomendação não foi, contudo, acolhida pelas entidades responsáveis. É importante salientar que existem diversas outras vias de ingresso no ensino superior, bastante utilizadas, que possibilitam a ocupação das vagas disponíveis nas instituições, garantindo assim alternativas para os candidatos que não reúnem os requisitos do CNA. De destacar, ainda, que, após a divulgação dos resultados a nível nacional, verificou-se um aumento muito expressivo de candidaturas aos cursos técnicos superiores profissionais (Ctesp) do IPBeja, que cresceram cerca de 40 por cento face ao ano anterior.

 

Considera que este reduzido número de colocações, através do CNA, possa significar o descrédito, perante a opinião pública, do ensino ministrado pelo IPBeja?

O IPBeja é um dos maiores motores regionais de desenvolvimento, responsável pela fixação de capital humano e de talento na região. Nos últimos quatro anos a instituição lançou uma forte política de aproximação à comunidade e os atores regionais responderam a essa política de forma entusiástica, espontânea e profícua, envolvendo-se na realização de projetos relevantes. Destes, fazem parte [entre outros projetos elencados] a abertura de oferta formativa nas localidades de Odemira, Almodôvar, Ourique, Castro Verde e Mértola. A região precisa do IPBeja e o IPBeja precisa que a sua região o abrace e o sinta seu, precisa que esse sentimento de posse faça desabrochar em cada cidadão uma cultura de defesa, de modo que perante cada calúnia ou ameaça, salte para a arena para o defender, sentindo orgulho, em ter na sua cidade, no seu distrito, a sua Universidade Politécnica de Beja. Temos de caminhar por aí. Unamo-nos, num ano em que o número de vagas disponíveis foi muito maior do que o número de candidatos.

 

No âmbito dos resultados do CNA é de destacar a ausência de qualquer colocação nas três licenciaturas disponibilizadas pela Escola Superior Agrária (ESA) do IPBeja –, Agronomia, Engenharia do Ambiente e Ciência e Tecnologia dos Alimentos – mantendo-se as 91 vagas iniciais em aberto. A que se deve, no seu entender, esta não apetência pelos cursos agrícolas do IPBeja, localizado numa zona agrícola de excelência, alavancada nos últimos tempos pela capacidade de rega do Alqueva?

A Escola Superior Agrária do IPBeja, nos últimos anos, tem recebido um público muito distinto daquele que acede ao ensino superior por via do CNA. Ainda que a licenciatura em Engenharia do Ambiente não tenha registado qualquer aluno colocado nos anos de 2022, 2023 e 2024, nas duas fases de candidatura do CNA, a oferta de emprego [nesta área] é, atualmente, imensa – os jovens ainda não o entenderam, mas acreditamos que num futuro próximo seja uma licenciatura que irá, novamente, apresentar uma elevada procura. O mesmo se poderá dizer para a licenciatura em Ciência e Tecnologia dos Alimentos. O País está com deficit nestas áreas e acredito que os jovens rapidamente verão nestas áreas de formação um futuro promissor.

 

Ainda que algumas das vagas destes três cursos possam vir a ser preenchidas em fases seguintes, nomeadamente, pelo ingresso de alunos maiores de 23 ou através dos cursos técnicos superiores profissionais, considera que os números do CNA são indiciadores de uma necessidade de substituição da oferta de licenciaturas da ESA?

Não se pode dizer que três cursos do IPBeja não tiveram qualquer colocação, pois a licenciatura em Agronomia verificou a procura por parte de um candidato que já se encontra matriculado. Este ano verificou-se, mais uma vez, que o público que procura os cursos da Agrária não é o proveniente do CNA, mas sim de outras formas de acesso, nomeadamente, dos detentores de diplomas de Ctesp. Neste momento, já temos cerca de 75 por cento das vagas disponíveis preenchidas para ingresso na licenciatura em Agronomia, verificando-se números bem mais reduzidos de procura nas outras licenciaturas da ESA. Estamos em tempos de mudança, de transformação de uma agricultura tradicional para uma agricultura altamente tecnológica. Estamos atentos e, nesse sentido, estamos [a trabalhar] em rede com as universidades do Algarve, de Évora, Nova de Lisboa e com o Instituto Politécnico de Portalegre, com vista à modernização do ensino agrícola. Estes caminhos de mudança não são imediatos, necessitam de muita preparação e visão sobre as necessidades e os avanços futuros nesta área chave para a nossa sobrevivência.

 

Considera que a oferta formativa do IPBeja, no que diz respeito a licenciaturas, está, de forma geral, devidamente ajustada à realidade do território, à capacidade de empregabilidade da região?

Seria errado projetar o IPBeja para uma oferta formativa unicamente para a região. Mas estamos atentos às necessidades da região e queremos aqui fixar os nossos estudantes para que possam contribuir de forma ativa para o desenvolvimento regional. Nesse sentido, temos feito um apelo aos atores regionais para que nos desafiem a colmatar as suas necessidades de formação. Por exemplo, através da criação de oferta formativa, na forma de microcredenciais – formações curtas, que permitirão às instituições formar, com a ajuda do IPBeja, os seus quadros. A abertura à comunidade é total e disso nos orgulhamos. Sentimo-nos muito reconhecidos regionalmente e isso dá-nos força para continuar a acreditar que desenvolver o IPBeja é desenvolver a região e trabalhar para um futuro melhor. Vivemos numa das maiores regiões do País – temos de honrar a sua grandiosidade através da valorização das suas potencialidades, acrescentando pilares de desenvolvimento.

 

Tendo o território, na região de Castro Verde, uma das maiores minas da Europa, não seria expectável o IPBeja poder apresentar oferta formativa no âmbito dessa atividade?

Se o IPBeja abrisse, por exemplo, o curso de Engenharia de Minas, abriria, no mínimo, 25 vagas anuais. Pensando que sairiam anualmente 15 candidatos licenciados, será que as minas os absorviam? O mesmo se pode pensar noutras valências necessárias, por exemplo, Engenharia do Ambiente – muitos estudantes sonharam ali trabalhar. Porém, sem sucesso, pois em 15 anos da existência desta formação podem contar-se pelos dedos de uma mão os engenheiros licenciados no IPBeja que ali trabalham – as empresas não recrutam anualmente muitos quadros técnicos. Mas na verdade, o IPBeja abriu em Almodôvar o Ctesp em Tecnologias para a Gestão da Qualidade e Segurança, em colaboração com a mina de Neves-Corvo com oferta de horários compatíveis com os dos trabalhadores, frequentando alguns esta formação. Também foi “desenhado” um projeto de colaboração entre o IPBeja e a mina de Neves-Corvo, que irá trazer mais-valias a ambas as instituições.

 

O mesmo lhe pergunto em relação à formação aeronáutica. Não seria expectável a oferta de cursos adaptados à presença de uma infraestrutura como o aeroporto de Beja?

A aproximação do IPBeja a estas indústrias emergentes ocorreu, logo, no primeiro ano de mandato. No entanto, a formação apontada ainda não se concretizou. As empresas têm o seu timing nas suas políticas de crescimento. Temos de o respeitar, aguardando que o plano traçado se concretize o mais brevemente possível.

 

Em Beja, vão abrir, no início do ano letivo, cerca de 500 novas camas para estudantes. Teme que esta infraestrutura possa vir a ser subutilizada, perante esta quebra no número de colocações?

Estamos convictos da plena ocupação da nova residência do IPBeja, com capacidade para acolher 503 estudantes A instituição tem vindo a implementar estratégias para garantir o total uso desta infraestrutura, abrangendo estudantes de Ctesp, licenciatura, mestrado e pós-graduações, bem como estudantes internacionais, participantes em programas de mobilidade e candidatos de regimes especiais. Acreditamos que esta capacidade adicional, associada a preços controlados e à qualidade das instalações, constituirá um fator decisivo para atrair e fixar estudantes na região, garantindo a sustentabilidade e o sucesso do projeto, a médio e longo prazo.

 

Como se poderá projetar, definitivamente, o IPBeja?

A projeção de uma instituição é algo dinâmico, devendo alicerçar-se em pilares que permitam alavancar cada desafio, sendo a nova residência uma dessas alavancas, ao permitir, por exemplo, tornar possível dotar o IPBeja de condições diferenciadoras para concretizar, com qualidade, os objetivos preconizados na Universidade Europeia – aliança Heroes. Por outro lado, ser universidade politécnica exige ter qualidade a todos os níveis, exige oferecer oferta formativa de terceiro ciclo e exige existirem estruturas que a alicercem e a dignifiquem e que, além do mais, não a retraiam, mas sejam catalisadores de desenvolvimento. Projetar a instituição é munir esta de um corpo docente capaz de acompanhar as exigências pedagógicas atuais e futuras e de desenvolver conhecimento e inovação, em conjunto com o tecido empresarial e as instituições da região.

 

Termina o seu mandato no final deste ano. Equaciona recandidatar-se?

Estarei ao serviço da instituição até que reconheçam que faço a diferença e que serei capaz de elevar o IPBeja – mesmo no meio de tempestades e vontades de me diminuir ou de me derrubar.

 

As perspetivas de Aldo Passarinho e Miguel Tavares, candidatos à presidência do IPBeja

 

Sublinhando o “potencial imenso que o IPBeja tem”, Aldo Passarinho, diz olhar com “preocupação” para os resultados da 1.ª fase do Concurso Nacional de Acesso (CNA) ao Ensino Superior, obtidos pelo IPBeja, considera-os “aquém” do que seria expectável, nomeadamente, quando comparados com os que foram registados pelos “concorrentes diretos da instituição” – a Universidade do Algarve (1326 novos alunos/taxa de colocação de 80,1 por cento), a Universidade de Évora (1193 alunos/87%) e o Instituto Politécnico de Portalegre (337 alunos/53,4%). “Ainda que estejamos perante um cenário em que há redução de candidatos ao ensino secundário”, tendo-se verificado a nível nacional uma diminuição de 12,1 por cento em relação à mesma fase do concurso de 2024, o candidato à presidência da instituição encontra as explicações para o exíguo número de colocações obtido pelo IPBeja (203 novos alunos/taxa de colocação de 39,11 por cento), fundamentalmente, na não integração, “por parte da atual presidência do IPBeja”, do Decreto-Lei n.º 17/2025. O documento, publicado a 18 de março, possibilita as instituições de ensino superior passarem, no limite, de três para seis pares alternativos de provas de ingresso, de forma a “potenciar o acesso ao ensino superior”, uma vez que permite aos candidatos terem mais opções de exames finais nacionais do ensino secundário que podem escolher como prova de ingresso. “Quando outras instituições”, a exemplo de todas as que, para além do IPBeja, se encontram a sul, “aproveitaram a oportunidade para aumentar os pares de provas de acesso, abrindo assim mais possibilidades de captação de candidatos, nós não o fizemos – não só não criamos as condições para que mais candidatos nos escolhessem como prejudicámos a possibilidade de mais jovens ingressarem no ensino superior”, expõe. Defendendo a “qualidade da formação pedagógica” do IPBeja – “para mim isso não está posto em causa” –, Aldo Passarinho não deixa de criticar, perante estes resultados, a qualidade, sim, de gestão apresentada por “quem tem a responsabilidade pela instituição”, não tendo usufruído, em tempo útil, neste ano letivo, das condições, no seu entender benéficas, dadas “pela própria tutela”. No que diz respeito à oferta formativa disponibilizada, Aldo Passarinho, refere que o instituto tem de acolher aquilo que possam ser “as propostas da comunidade para a abertura de cursos em outras áreas”, para além das já disponibilizadas, “monitorizando, anualmente, essas necessidades”.Miguel Tavares, também ele candidato às próximas eleições presidenciais do IPBeja, que decorrerão ainda este ano, observando ser este “um dos piores resultados” da instituição, no que diz respeito aos resultados da 1.ª fase do CNA, considera que se perdeu, “claramente”, no IPBeja, a oportunidade de se “aproveitar esta lei de 2025”, ao contrário de “muitas outras instituições”, que a acolheram de forma a aumentar, de três para seis, as possibilidades de pares de provas que permitem a candidatura aos diferentes cursos. Transmitindo não saber o porquê de o IPBeja não ter solicitado essa alteração à Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, Miguel Tavares diz esperar que tal “ainda vá a tempo de ser corrigido”, tendo em vista as candidaturas do próximo ano letivo e entende que os resultados agora apresentados não colocarão em causa o descrédito da instituição. “O IPBeja é muito importante para a região e tem conseguido ser sempre resiliente, ultrapassando as várias crises com que se deparou ao longo dos seus 46 anos – não é por num ano ter umas colocações piores que se vai pôr em causa a sustentabilidade da instituição”, enfatiza Miguel Tavares, que, contudo, frisa a necessidade de a instituição reforçar a sua ligação com o exterior de modo a serem detetadas as necessidades formativas da região. “Esta análise não deve ser tabu, tem de ser discutida, pois o politécnico tem de voltar a ser um polo de inovação e para isso é necessário saber o que é que as empresas precisam”.Questionada acerca da não integração, por parte do IPBeja, do Decreto-Lei n.º 17/2025, que possibilita as instituições de ensino superior passar de três para seis elencos alternativos o limite de provas de ingresso ao ensino superior, a presidente do IPBeja respondeu: “O Decreto--Lei n.º 17/2025, de 18 de março, que altera o Decreto--Lei n.º 296-A/98, de 25 de setembro, prevê que a exceção consagrada anteriormente de que cada instituição de ensino superior (IES) poderia indicar até seis elencos de provas de ingresso para cada curso até ao ano letivo 2026/2027, passe agora a regra para todos os anos letivos. Neste contexto, a Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (Cnaes) deliberou em reunião ordinária, realizada em 24 de março, o seguinte: ‘Em virtude da data de publicação da presente alteração legislativa, considerando que os prazos para a inscrição na primeira fase dos exames nacionais terminaram no dia 19 de março e que a divulgação das provas de ingresso para o ano letivo 2025/2026 foi realizada com um ano de antecedência, não poderão ser alteradas provas de ingresso para o próximo ano letivo (2025/2026) para ciclos de estudo que já se encontram em funcionamento e cujas provas de ingresso foram indicadas pelas IES aquando da publicação da Deliberação n.º 852/2024, de 02 de julho’”.

Comentários