Diário do Alentejo

Bispo: D. Fernando Paiva reflete sobre a diocese de Beja sob o ângulo dos tempos contemporâneos

12 de julho 2025 - 08:00

Tendo assumido a liderança da diocese de Beja a 7 de julho de 2024, sucedendo a D. João Marcos, o atual bispo de Beja acaba de cumprir um ano do seu bispado. Ao “Diário do Alentejo” expõe a sua visão acerca das necessidades e dos desafios que hoje se colocam, no território, à Igreja.

 

Texto  José Serrano  Fotos Ricardo Zambujo

 

Há um ano que é bispo de Beja. O que tem vindo a ser trabalhado, no âmbito das necessidades encontradas, ao longo deste período?

Temos vindo a melhorar algumas questões, a exemplo da comunicação, a nível interno e externo – estamos a constituir uma equipa que irá ajudar a criar dinamismos novos e mais eficazes de comunicar, pois a Igreja existe para anunciar Jesus e é preciso, em cada tempo, encontrar novos caminhos para o fazer, no âmbito do trabalho missionário de evangelização. Uma outra dimensão, que queremos muito presente no nosso agir como Igreja, é a vocacional, porque o Senhor chama cada um de nós a uma vida de santidade, de bem. Na questão, prioritária, da formação estamos a dar passos capazes de melhorar as suas dinâmicas, quer para o clero, quer para o laicado. Estamos, também, a tentar melhorar a organização dos arquivos diocesanos e a rentabilizar os nossos recursos, para podermos, de alguma forma, ultrapassar uma situação de algum défice económico que temos, de forma a termos meios para desempenhar a missão a que somos chamados neste nosso Alentejo.

 

No sentido de colmatar essas mesmas necessidades, como tem encarado a dimensão do seu serviço?

Apresento-me com uma disponibilidade inteira para o serviço, muito confiado naquilo que o Senhor me chama a fazer. Esta é uma diocese muito vasta em termos de território, o que me tem levado a fazer muitas deslocações, muitos quilómetros, para visitar as paróquias, as comunidades e as instituições. É um trabalho vasto e exigente, que obriga a tomar atenção e a ir ao encontro de muitas situações. Escutando, conhecendo.

 

Há situações, específicas da região, que têm requerido uma atenção especial do bispo e do seu presbitério?

Temos neste território algumas características próprias. Uma delas é o despovoamento, sobretudo, nas zonas do interior. Há muitas comunidades, há muitas vilas, aldeias, que nos últimos 40 anos têm presenciado uma diminuição muito considerável das pessoas que aí vivem, aumentando o número de pessoas idosas e sós. Esta situação interpela-nos como desafio, pois somos chamados a ser próximos de todas estas pessoas, de uma forma especial das que estão em situações de maior vulnerabilidade.

 

Têm o despovoamento e o envelhecimento populacional, no território, contribuído para a diminuição de aproximação de jovens à Igreja?

A mensagem de Jesus interpela sempre as pessoas e, mesmo neste contexto, em que temos pouca população e não temos muitos jovens, também se percebe que há gente nova que se deixa interpelar e que vai dando passos no sentido de uma entrega ao serviço da Igreja, ao serviço dos irmãos. Nós temos algumas vocações. Há jovens que estão a caminho e outros a aproximarem-se do seminário. Não são números grandes, mas, em todo o caso, isso vai acontecendo. Contudo, precisamos de incentivar, de criar condições para que isso possa acontecer de forma mais forte, com mais relevância.

 

“Neste momento, temos na nossa diocese vários sacerdotes brasileiros e africanos, que, vindos de contextos muito diferentes, (...), estão aqui a trabalhar e a fazer, muito bem, a sua missão. É uma riqueza, pois a Igreja também vive desta diversidade, desta pluralidade”.

Significa isso que existe uma crise vocacional?

Podemos dizer que a crise vocacional, que não é só desta região e deste país, está muito presente no mundo ocidental. No panorama global da Igreja, percebemos, claramente, que em certas zonas de África, da Ásia e da América Latina, o número de vocações é muito superior, em termos absolutos e relativos, ao que existe na Europa. Nós, aqui, não temos uma situação muito diferente do contexto que se vive no resto do mundo ocidental.

 

Essa crise vocacional ocidental, de que fala, tem-se colmatado com a vinda de párocos de outras nacionalidades, que não a portuguesa, para a região?

Isso está a acontecer um pouco por todo o lado, também aqui na nossa diocese. Do século XVI ao XIX enviámos missionários para outros países e continentes, aos quais chamávamos “terras de missão”. Hoje está a passar-se o fenómeno, de alguma forma, inverso. Neste momento, temos na nossa diocese vários sacerdotes brasileiros e africanos, que, vindos de contextos muito diferentes, e, naturalmente, fazendo um esforço de adaptação a uma realidade distinta da existente nos seus países de origem, estão aqui a trabalhar e a fazer, muito bem, a sua missão. É uma riqueza, pois a Igreja também vive desta diversidade, desta pluralidade.

 

Relativamente ao aspeto comunicacional, que referiu, de que forma o pretende valorizar?

Nós não podemos continuar a comunicar da mesma maneira que comunicávamos há 20 ou 30 anos, pois há novas realidades, novas dinâmicas. Julgamos importante, por isso, apostar nos meios digitais, na comunicação interna dos vários setores da Igreja – paróquias, diocese, movimentos e instituições –, mas, também, na nossa comunicação para o exterior. Tudo isto merece a nossa atenção, e, neste âmbito, queremos investir o melhor que conseguirmos.

 

Pelo tempo que lhes é dedicado, teme que as redes sociais possam, de alguma forma, vir a ocupar, nestes “tempos modernos”, o espaço da religiosidade?

As redes sociais e todo este espaço da Internet é um espaço de anúncio, com imenso potencial, a trabalhar. Representam oportunidades novas que temos de agarrar, para podermos chegar a muito mais gente. O que se vai vendo por esse mundo fora – já o Papa Francisco o dizia – é a existência de uma grande abertura, até de um incentivo, no sentido de aproveitar estes meios para comunicar. Por isso eu encaro, de uma forma muito positiva, estas possibilidades que se abrem.

 

Referiu, também, a necessidade de “rentabilizar” os recursos económicos da diocese. Nesse âmbito, como olha para a possibilidade de incremento do turismo religioso em Beja?

Da nossa parte, estamos dispostos a que isso possa acontecer, porque acreditamos que será benéfico para todos. E estão a ser dados passos – tenho estado em conversas com a Câmara Municipal de Beja – no sentido de se conseguirem parcerias, para que haja a abertura, a quem as queiram visitar, de algumas igrejas, aqui na cidade, nomeadamente, a dos Prazeres (onde recentemente celebrei missa e onde irei continuar a fazê-lo) e a de Nossa Senhora do Pé da Cruz. Estamos, também, a tentar candidatar-nos a fundos, no sentido de proceder a alguma recuperação patrimonial. Claro que a dimensão espiritual é a que mais nos interessa, mas há todo um outro conjunto de dimensões, nomeadamente, cultural, patrimonial e turística que, estando as igrejas abertas, trará vantagens para a cidade do ponto de vista da hotelaria, do comércio… Trará gente, porque esta cidade tem um património religioso belíssimo.

 

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Essa intenção de proporcionar a visitação e a celebração em igrejas que hoje se encontram fechadas ao turismo e aos crentes é, apenas, referente à cidade?

É mais alargada. Temos uma comissão de arte sacra que tem feito um trabalho muito interessante, a partir, até, de fundos comunitários, nas várias igrejas da diocese, dando apoio técnico ao restauro do património de igrejas belíssimas que existem [no distrito], de grandes valores arquitetónico, de pintura e escultura. Queremos valorizar este património e, valorizando-o, poder dispô-lo ao serviço de todos. Estamos a caminhar nesse sentido.

 

Quais os principais desafios que se colocam, nos tempos mais próximos, à diocese de Beja?

Estamos numa fase relevante, a dar passos no sentido da implementação do processo sinodal [iniciado pelo Papa Francisco e confirmado por Leão XIV], que apresenta uma dinâmica de participação, apelando a que os cristãos se envolvam de forma corresponsável na vida da Igreja, e de comunhão, em que nos reconhecemos como membros de uma comunidade e de uma Igreja à qual pertencemos. Pensamos que este processo irá abrir novos caminhos de missão.

 

Como gostaria, enquanto bispo, de vir a ser recordado?

Muito sinceramente, não estou nada preocupado com esse assunto. Estou preocupado, isso sim, em ser fiel ao trabalho que me foi confiado pela Igreja, tentando desempenhar o melhor que puder e que souber, com as capacidades que tenho e com as que não tenho, esta missão, na fidelidade à igreja e a Jesus Cristo.

 

“Estamos contra todos esses episódios de violência ou discriminação”

 

De que forma assiste ao discurso anti-Lgbti que tem vindo a aumentar nos países da União Europeia, Portugal incluído, seja nas redes sociais, no discurso político ou na constatação de episódios de violência junto desta comunidade? Começo por dizer que, naturalmente, estamos contra todos esses episódios de violência ou discriminação. A nossa cultura, a partir daquilo que é pedagogia de Jesus, é de acolhimento, de acompanhamento, de escuta e de tentar integrar. Tanto neste âmbito mencionado, mais específico, como em muitos outros, considero ser muito importante assumirmos, até no contexto em que vivemos, que as sociedades são plurais, que nelas deve haver espaço para diferentes formas de pensar, num ambiente de liberdade em que todos poderão dizer aquilo que pensam, de forma livre. Mas a mensagem de Jesus, que acolhe, também chama à conversão, a um estilo de vida de acordo com o Evangelho. E penso que isto é um aspeto muito importante, que às vezes pode ser mal entendido. Porque o que vem primeiro, o que é prioritário, é, precisamente, esta dimensão do encontro pessoal com Jesus, na dimensão da fé. E todas as outras questões, nesta área ou em outras, mais do âmbito da moralidade, são questões segundas – não que não sejam importantes.

Temos tido algumas intervenções, nomeadamente, através de Cáritas Diocesana de Beja, que tem um serviço, com uma dimensão considerável, de apoio aos migrantes. Ao nível do apoio social das paróquias, em situações mais pontuais, tenho conhecido, e incentivado, a ajuda requerida por trabalhadores que, devido à sazonalidade, ficam desempregados, sem terem o que comer”.

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“Vai havendo cada vez mais gente, de várias comunidades, que se vão integrando nas nossas comunidades católicas”

 

Como olha para a questão da exploração de trabalhadores imigrantes na região e dos fenómenos que lhe estão associados, como a sobrelotação habitacional e o aumento de pessoas em situação de sem-abrigo?

Olhamos, na Igreja, para este fenómeno, com muita preocupação. É uma situação que, não sendo exclusiva do Alentejo, tem aqui algumas especificidades, nomeadamente, o facto de [grande parte dos imigrantes] serem, sobretudo, trabalhadores que vêm para o setor agrícola, com toda a questão da sazonalidade que lhe está associada, o que cria dificuldades acrescidas. Claro que o problema é de tal dimensão que requer intervenções aos níveis legislativo, intervenção das autoridades de fiscalização das condições de trabalho e de habitação…

 

Qual a responsabilidade que, neste seu bispado, a diocese tem assumido no sentido de inverter esses cenários de miserabilidade?

Temos tido algumas intervenções, nomeadamente, através de Cáritas Diocesana de Beja, que tem um serviço, com uma dimensão considerável, de apoio aos migrantes. Ao nível do apoio social das paróquias, em situações mais pontuais, tenho conhecido, e incentivado, a ajuda requerida por trabalhadores que, devido à sazonalidade, ficam desempregados, sem terem o que comer. Temos, também, tentado colmatar a barreira linguística, que dificulta a integração e a empregabilidade, dinamizando um grupo de professores voluntários para dar às comunidades [estrangeiras] aulas de português. Para além disso, existe a promoção do apoio espiritual junto das comunidades, indo ao seu encontro, tentando integrá-las nas paróquias e, inclusive, nas dinâmicas da pastoral juvenil. Ainda recentemente presidi a celebrações do crisma em Ferreira do Alentejo e mais de metade dos que o receberam eram jovens timorenses. Estamos a perceber que vai havendo cada vez mais gente, de várias comunidades, que se vão integrando nas nossas comunidades católicas, revitalizando-as com a sua presença e juventude.

 

Considera plausível a possibilidade de “evangelização” de comunidades não cristãs presentes no território?

Essa questão, muito interessante, está presente no meu coração. Do ponto de vista, meramente, humano, não seria plausível que, há dois mil anos, um pequeno grupo de pescadores tivesse levado a cabo a evangelização de um território imenso, que, basicamente, correspondia, à época, ao território ocupado pelo Império Romano. Mas aconteceu. Isto quer dizer que, embora haja, naturalmente, dificuldades a esse nível – estamos a falar de pessoas que, muitas delas, vêm de outras tradições religiosas e falam uma outra língua – partilhar a Boa Nova de Jesus com todos é algo que está no nosso coração. Naturalmente, sempre com respeito pelas opções religiosas de cada um, estamos convictos em anunciar, humildemente, a pessoa de Jesus a todos os que O queiram acolher.

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