Diário do Alentejo

Censura, religião, padres, Salazar e “Avante camarada”

13 de setembro 2024 - 08:00
50 anos de Abril

Texto Aníbal Fernandes

 

Na edição de sábado, 7 de setembro de 1974, com chamada de primeira página, publicava-se (finalmente) um inquérito, realizado em agosto do ano anterior, assinado pelo jornalista Sousa Tavares, sobre “os jovens e a religião”, mas que, na altura, não tinha visto a luz do dia, uma vez que a censura o tinha impedido.O autor começava o artigo pela conclusão que tinha tirado das respostas das jovens bejenses sobre o tema: “Os padrões da cultura ocidental, nomeadamente aqueles que encontram a sua mais profunda explicação na vigência da religião cristã, não satisfazem as aspirações da maioria dos jovens de hoje, fundamentalmente daqueles cujo grau de lucidez atingido se situa entre os parâmetros do considerado razoável”.

Das oito perguntas que constavam do inquérito, Sousa Tavares pretendia aferir se os jovens de então procuravam “na religião uma forma de apoio (senão a própria via) para a construção dos seus ‘caminhos’; de que forma estavam a aderir “a certas formas religiosas (…) vindas do Oriente; ou se “o desenvolvimento da ciência [acabaria] por dar o golpe de misericórdia em todas e quaisquer formas religiosas”.

O colunista concluía que “o mito do Oriente, eficaz e prontamente explorado e institucionalizado aqui a Ocidente, representa apenas mais uma face da moeda que define a decadente cultura ocidental” e é “uma expressão inequívoca do descrédito do homem de hoje perante os valores da cultura daqui”.

*

Quase no final da semana, na edição de quinta-feira, dia 12 de setembro, a manchete do “Diário do Alentejo” centrava-se no que tinha acontecido nas “tradicionais festas dedicadas à Senhora da Piedade, padroeira da vila de Odemira”, transformadas, “pelos padres presentes, em autêntico jogo da reacção fascista”.

A notícia revelava: “Na missa da parte da manhã e princípios da tarde, do passado dia 8, realizada na respectiva capela e com altifalantes para o exterior, os quais se ouviam em toda a povoação, um padre, em vez de proferir um sermão religioso, produziu um autêntico discurso político, atacando a juventude e o povo português”.

“É impossível acreditar que o povo português tivesse perdido a sua alma em quatro meses”, disse um dos padres que “mais adiante referiu-se ao grande estadista português que evitou a entrada de Portugal na Segunda Grande Guerra Mundial, elogiando o dirigente fascista e ditador, António de Oliveira Salazar”.

Os desentendimentos prolongaram-se até à noite, onde, com “o recinto das festas completamente cheio, quando a banda de música tocava o ‘Avante, Camarada’, a convite de muitos populares, o pároco da localidade, padre Ximenes, subiu as escadas do coreto e disse ao maestro que acabasse com ‘aquilo’, porque senão não lhes pagava. Os músicos da banda Os Leões de Moura, continuaram a tocar o hino que o povo havia solicitado, não ligando nada às palavras do padre, o que teve o apoio da maioria dos presentes”.

 

Comentários