Diário do Alentejo

Cheias de lama em Ervidel aumentam descontentamento da população

10 de janeiro 2025 - 08:00
Plantação de olival superintensivo a “paredes meias” da aldeia gera insatisfação
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Na manhã de segunda-feira, dia 6, a freguesia de Ervidel acordou com a “zona baixa” da aldeia completamente inundada face à “tromba de água” que caiu na noite anterior. Com a recente plantação de um olival a poucos metros da aldeia, o cenário era “gravíssimo” com casas e ruas “cheias de lama”. A presidente da junta de freguesia, assim como a população, mostra-se descontente com esta situação “atípica” e espera uma resposta dos ministérios da Agricultura e Pescas, Ambiente e Saúde.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Sentado num dos bancos junto ao parque de merendas, de frente para o cruzamento em que, normalmente, vê passar a azáfama de carros em direção a Beja e Aljustrel, António Galhofa observa o corrupio dos camiões de bombeiros e dos trabalhadores da junta de freguesia. De mangueiras em punho, pás e algumas vassouras, o cenário depois de almoço já não condiz com aquele com que os habitantes de Ervidel, no concelho de Aljustrel, acordaram nessa manhã de segunda-feira, após uma “tromba de água” na noite anterior.

Impossibilitado de falar devido a um problema de saúde, António Galhofa apressa-se a escrever no seu caderno de auxílio que ouviu dizer que a culpa da lama e da palha terem chegado até à aldeia foi “das oliveiras” plantadas há cerca de “três a quatro semanas na zona norte”, num terreno muito perto da localidade.

O dia anterior, segundo recorda a presidente da Junta de Freguesia de Ervidel, Andreia Piassab, ficou marcado por uma chuva intermitente que se agudizou “por volta das 21:00 horas” e que “durante 15 minutos foi mesmo muita intensa”.

“Passados cerca de 10 minutos da tromba de água ter terminado, comecei a receber chamadas de muitos moradores a dizerem que lama e terra lhes tinham entrado por a garagem. Tentei vir até ao local para ver o que é que tinha acontecido aqui na zona que estava a ser identificada pela população, [mas] nem consegui aceder porque a lama chegava já a meio da rua transversal”, adianta.

O facto desta “zona baixa” da aldeia, em dias de fortes chuvas, alagar não é surpresa para a população, porém, desta vez, como “as terras estão mexidas,” e “não há uma vala de escoamento de águas” provenientes do olival recentemente plantado, “a terra toda juntamente com a água da chuva fez com que tivéssemos casas, quintais e via pública cheios de lama”.

A habitação de Isabel Chaiça é uma das mais afetadas, localizada no largo que faz a ligação com grande parte das ruas da aldeia. A proprietária diz ao “Diário do Alentejo” que a última vez que algo parecido lhe tinha acontecido foi “há 20 e tal anos”, mas que “era uma água que saía”, ou seja, “entrava por um lado [do quintal] e saía pelo outro”.

“Agora, assim, com este pasto e esta lama toda, nunca me tinha acontecido. Isto não entrou por esta parte mais baixa, veio dali, obrigando o portão a ceder e a entrar tudo isto aqui para o quintal. Sou a mais prejudicada”, afirma, enquanto aponta para um carrinho de mão cheio de resíduos.

Na parte de trás do seu quintal, a piscina de água salgada, recentemente restaurada, que na semana anterior estava “limpinha”, é agora um quadro castanho, espesso e um amontoado de palha e lama.

“Graças a Deus que não entrou em casa, porque o poial é fininho e poderia ter sido 10 vezes pior. Só que isto é uma coisa que pode vir a acontecer novamente”, acrescenta.

Do outro lado da rua, Maria Joana Cavaco espreita pela porta os estragos. Visivelmente admirada, refere que, quando a trovoada começou, se lembrou de que algo do género poderia acontecer e que, por isso, abriu os seus portões. Com a casa a pouco mais de 10 metros do terreno recém-plantado, garante ao “DA” que esta situação era expectável.

“O olival chega aqui atrás! Tenho umas laranjeiras no meu quintal e sei que vão morrer todas, porque as químicas chegam até aqui. Não deviam deixar plantar aqui tão perto”, diz, revoltada.

 

“Não somos contra a agricultura, nem os agricultores, agora, temos de respeitar as regras”

 

Ainda que esta situação tenha vindo agravar o descontentamento da população, a insatisfação perante a plantação “atípica” a poucos metros da aldeia já era conhecida.

“Em termos de junta de freguesia nós temos interposta uma ação popular no Ministério Público por causa da plantação em questão, uma vez que se trata de uma superintensiva de sequeiro, ou seja, o proprietário não pediu licenciamento para o sistema de rega e não tem sistema de escoamento. E isto acaba por trazer depois problemas acrescidos para a população, nomeadamente, com uma plantação a norte a paredes meias com as pessoas e poluição do ar e das águas [o que diminuiu] a qualidade de vida da população”, assegura Andreia Piassab. E acrescenta: “E agora temos mais este acréscimo em que cada vez que chover um pouco mais vamos ter a baixa da aldeia inundada por lamas”.

Sem compreender a falta de empatia, a presidente de junta questiona a inexistência de respostas por parte do proprietário da exploração com quem, até esse momento, não tinha conseguido estabelecer contacto.

“Qual é a pessoa que sabe que isto aconteceu e que não se preocupa com os danos que pode ter causado direta ou indiretamente? Eu não acredito que a intenção fosse, quando chovesse, que nós levássemos com as lamas todas, mas toda a população ficou afetada. Ervidel é uma terra agrícola e que vive da agricultura [e] nós não estamos contra a agricultura e os agricultores, agora temos de respeitar as regras, não é?”, refere. “Quando chegamos ao limite em que se entra dentro das casas das pessoas e em que não há o mínimo de qualidade de vida que é garantido porque a agricultura se sobrepõe, aí temos de fazer alguma coisa”, assegura a edil.

Contatactado pelo “DA”, o proprietário do referido olival, João de Matos, limitou-se a referir que o processo de plantação está “completamente dentro da legalidade”, não querendo fazer mais comentários.As nuvens negras, aos poucos, encobrem o sol que outrora se fazia notar. António Galhofa, que anteriormente aproveitava o calor após a hora de almoço, prepara-se para seguir caminho. Antes de se fazer à estrada na sua singela bicicleta faz questão de escrever que “está mal” e que “não se pode ter oliveiras ao pé do povo”.

 

População de Ervidel apela a petição pública

 

“Agricultura, ambiente e saúde pública” é o nome do documento que a população de Ervidel tem a circular em formato presencial e on line para apresentar “junto das entidades com competência”, nomeadamente, os ministérios da Agricultura e Pescas, Ambiente e Saúde, a fim de se reavaliar as “medidas que tenham em conta projetos de avaliação paisagística e sanitária no que diz respeito à instalação de culturas intensivas e superintensiva junto das populações”. Segundo se pode ler, é solicitado aos subscritores que “se proceda à identificação dos impactos na saúde pública, assegurando-lhes a qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental”, defendendo “um equilíbrio entre a instalação de culturas, a manutenção da qualidade de vida, as dinâmicas das comunidades presentes no território e o desenvolvimento económico da região”. Presencialmente o abaixo-assinado está disponível na secretaria da Junta de Freguesia de Ervidel.

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