Há pouco mais de um ano, a cidade de Serpa viu nascer e juntar-se aos diferentes escalões de futebol uma nova equipa dentro das quatro linhas do campo. Destinada a colmatar o “hiato” que existia depois dos 55 anos nas carreiras futebolísticas, o walking football veio “combater o isolamento, o sedentarismo, a depressão”, “melhorar os índices de saúde e aumentar a interação social” daqueles que ainda ambicionam continuar na modalidade. A equipa serpense, a par de Aljustrel e Alvito, foi uma das primeiras a dar passos no distrito.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa Foto Ricardo Zambujo
As luzes do Parque Desportivo de Serpa começam lentamente a acender-se. No campo principal, o fim de mais um treino das camadas jovens da cidade dá lugar ao início, no campo sintético na sua retaguarda, ao segundo treino da semana da equipa de walking football. Após um breve aquecimento, António Cachola, um dos responsáveis pela iniciativa municipal “Gentes em Movimento” e o impulsionador da recente equipa desportiva, apressa-se a distribuir os 10 atletas por grupos para que, finalmente, o aguardado jogo comece.
“Passa, passa. Estou aqui”, pede um dos atletas. “Cuidado, estás marcado”, riposta outro. A equipa, composta por 15 jogadores, entre os 55 e os 71 anos, foi uma das primeiras a surgir no distrito, a par de Aljustrel e Alvito, e, consequentemente, a pertencer à Associação de Futebol de Beja (AFBeja).
“Toda a gente sabe que o futebol tem um consumo brutal em termos de acompanhamento na televisão, espetadores e de prática ao longo da vida. Começa-se nos [escalões de] infantis e segue-se por aí fora até aos séniores e veteranos. Daí para a frente havia um hiato com as pessoas que ainda gostam de jogar [futebol], mas que já não conseguem correr”, começa por explicar, ao “Diário do Alentejo” (“DA”), António Cachola, um dos diretores da AF Beja. E continua: “Por isso, a Federação [Portuguesa de Futebol], sabendo desta lacuna com o pessoal mais velho, quis dar continuidade àquele processo de futebol ao longo da vida através do walking football”.
“Marca, marca já”, pede-se. “Como é que não marcaste esse?”, graceja um outro.
Com regras próprias, como a inexistência de foras de jogo, a proibição da bola ultrapassar a cintura dos jogadores e o impedimento de qualquer corrida ou contacto físico entre atletas, o walking football tem ganho força no Baixo Alentejo, impulsionado em grande medida pelas universidades seniores e, agora, mais recentemente, pela AFBeja.
“Nem sempre é fácil captar homens para a atividade física. Eles não procuram muito este tipo de atividades em grupo, não gostam e não experimentam, mas o que se tem visto é que tem havido uma procura do walking football. Claro que, ainda assim, existem aqueles antigos jogadores de futebol que acham que ainda são uns craques e que não estão muito recetivos a este tipo de coisas. Acham que não tem piada jogar futebol a andar, [mas] nunca experimentaram e depois o que acontece na realidade é que já não conseguem correr e se o fizerem é só durante cinco minutos e a seguir estão a pensar na terceira parte com as cervejas e o petisco”, brinca António Cachola.
A recetividade “Vamos lá, toca a aquecer. Primeiro fazemos com a perna direita e depois com a esquerda”, incentiva Lurdes Medeiro, a única praticante feminina inscrita na equipa, aquando da chegada de três colegas que, nas últimas semanas, têm experimentado os treinos da modalidade e que hoje, devido ao ensaio do grupo de folclore, chegaram atrasadas.
“Estas senhoras da academia sénior nunca jogaram futebol, não sei se gostam de ver jogar, mas acharam graça à ideia e como tinham participado numa outra atividade que nós fizemos com a associação de futebol e o centro de saúde, em que promovemos esta modalidade junto dos diabéticos, têm vindo experimentar”, esclarece António Cachola.
A pouca recetividade à modalidade por parte de praticantes do sexo feminino tem sido um dos principais obstáculos com que a equipa se tem deparado ao longo deste primeiro ano. E, mais precisamente, a atleta Lurdes Medeiro, de 59 anos, que tem tentado “chamar” companheiras, mas não tem sido tarefa fácil.
“Eu insisto muito, porque até há muita mulher da minha idade e que jogaram comigo, mas quase sempre a barreira são os maridos e as horas dos treinos em que, teoricamente, temos de fazer a comida e estar em casa, e então não consigo”, afirma a atleta.
A paixão de Lurdes Medeiro pelo futebol também não é novidade. Aos 14 anos, antes de emigrar para a Suíça, era jogadora do Futebol Clube de Serpa, mas a incompatibilidade de horários não permitiu que continuasse. Ao “DA” conta que o “bichinho nunca morreu” e que, por isso, quando recebeu o convite para ingressar na equipa de walking football não pensou duas vezes.
“O bichinho não morre, o bichinho está vivo e não é a idade que nos põe barreiras. Às vezes não é fácil, [mas] nós descarregamos tudo aqui, os problemas da vida, os do trabalho, de tudo. Chegamos aqui e aliviamos a nossa cabeça”, revela.
Também João Rufino, de 71 anos, reconhece a importância da modalidade. Apesar de ser um dos praticantes com mais idade diz, sem hesitar, que abraçou o projeto desde o início não só pela parte social, mas, sobretudo, pela consciência de que a sua saúde iria melhorar significativamente.
“Tenho um problema de asma e quando estou bem venho e quando não estou também venho porque preciso de esticar as pernas, fazer um bocadinho de exercício e ter este momento de convívio com as pessoas”, afirma ao “DA”.
Daqui em diante “Vamos, vamos remate daí”, continua a insistir-se entre uma gargalhada e outra. As luzes que outrora não se faziam notar começam agora a ser o único suporte de iluminação que permite o treino continuar. O vento que antes incomodava ligeiramente e fazia arrepiar agora parece acalmar o calor dos corpos transpirados.
Para António Cachola, com a entrada outra vez em campo de João Rufino, é tempo de descansar e ao “DA” fazer um balanço deste primeiro ano e perspetivar o futuro. Sem pensar muito, garante que de momento o grupo está focado em dar “passos sólidos” e manter os praticantes atuais, sem descurar o “ir juntando mais gente” e colmatar a falta de atletas reformados.
“Noventa por cento das pessoas que fazem parte da equipa ainda trabalham e esse é um dos handicaps da nossa equipa, porque, normalmente, os torneios são organizados em dias de semana e em períodos de manhã ou de tarde e nós temos dificuldade em arranjar oito ou nove pessoas para irmos jogar. Já por duas vezes que faltamos a torneios por serem nestes dias e horários, porque nós dificilmente conseguimos”, confessa.
Além disso, está em vista ainda a criação, num futuro próximo e se o número de praticantes assim o exigir, de uma segunda turma com treinos de manhã. Esta nova opção permitiria não só dar resposta a alguns torneios organizados nesse período, como também rentabilizar a utilização dos parques e campos desportivos para ocasiões em que os equipamentos estão com maior disponibilidade e menor ocupação.
“Há ainda a perspetiva de irmos promover, noutras localidades, a modalidade. Ainda não conseguimos ir a Pias e a Moura, [mas] já tentámos e fizemos duas experiências em Vila Nova de São Bento e em Vale de Vargo para que alguém de lá crie a própria turma, mas a pouca recetividade tem feito com que falte dar o passo seguinte. [Uma vez que] não é fácil trazê-los até aqui ao final da tarde, o melhor seria que começassem nos sítios a criar as próprias dinâmicas e a evoluir. Estamos também a tentar, através das universidades seniores, que Cuba, Mértola e Vidigueira [criem uma equipa]”, confirma.
Com o sol praticamente escondido por entre as nuvens que antecedem a noite, o treino aproxima-se do fim. Embora cansados, os sorrisos não enganam que o tempo que estão dentro de campo permite recarregar baterias para fora das quatro linhas. Esperam-se alguns torneios durante os próximos meses, porém, para esta equipa serpense, as competições são o menos importante. “Terça-feira há mais”, escuta-se, por fim.