Diário do Alentejo

empreender

24 de março 2024 - 12:00
São 188 os alunos que participam na edição deste ano do i.d.E.AFoto| Ricardo Zambujo

O projeto “Idealiza, Empreende e Atua” (i.d.E.A), promovido pela Associação de Defesa do Património de Mértola, com o apoio da Somincor – Sociedade Mineira de Neves Corvo, continua, pelo terceiro ano consecutivo, a desafiar os jovens do ensino secundário a olharem para a região com espírito crítico e inovador, incentivando-os a apostar nos seus territórios. Nos últimos três anos o projeto já impactou 450 estudantes das escolas de Aljustrel, Almodôvar, Castro Verde, Ourique e Mértola com uma “evolução” positiva no “desenvolvimento da mentalidade empreendedora e do pensamento”.

 

Texto  Ana Filipa Sousa de SousaFoto Ricardo Zambujo

 

A manhã ainda não vai a meio quando o sol começa a apertar. Aos poucos, e à semelhança do que é usual, o Estádio Municipal D. Afonso Henriques, em Ourique, começa a encher-se de jovens, desta vez “empreendedores”, entusiasmados com o que o dia promete. À sua espera, e espalhados pelo relvado, contabilizam-se cinco estações de atividades desportivas que a Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), entidade promotora do projeto de responsabilidade social “Idealiza, Empreende e Atua” (i.d.E.A), preparou de forma “intensa” para este segundo bootcamp do mês.

“De manhã o objetivo é eles conhecerem-se, criarem novas amizades, trocarem experiências, trabalharem em equipa, comunicarem e divertirem-se para que depois, na parte da tarde, apresentem uma solução criativa a um problema proposto, [ou seja] fazê-los pensar e saírem um bocadinho das suas zonas de conforto e daquilo que eles já conhecem e acham que é normal e aceitável”, começa por explicar, ao “Diário do Alentejo” (“DA”), o técnico da ADPM Carlos Relva.

Esta é uma das iniciativas que o i.d.E.A, a par de sessões de capacitação, dinâmicas de grupo informais, residências e debates com empreendedores locais, realiza para dotar os jovens dos agrupamentos de escolas de Aljustrel, Almodôvar, Castro Verde, Mértola e Ourique de “uma visão diferente do que é a realidade”, isto é, “fazer com que consigam olhar para os problemas [da região] como oportunidades”.“Quando falamos do Alentejo falamos de uma população envelhecida e de uma região despovoada, com pouca iniciativa privada e pouco empreendedorismo e, na realidade, queremos dar uma pedrada no charco e dizer que aqui também é possível, [porque] se há pessoas, se há jovens, eles também podem fazer coisas diferentes”, garante.

O intuito passa, então, por capacitar os jovens com “competências sociais e técnicas” que os permitam desenvolver projetos transformadores nas suas comunidades, abrindo-lhes os horizontes para apostar não só em novas áreas profissionais, mas, sobretudo, nas suas próprias áreas de formação, permitindo que a “combinação de conhecimentos” entre o ensino e o i.d.E.A criem “oportunidades”.O projeto de grupo de Liane Correias, aluna do 11.º ano do curso técnico de Turismo Ambiental e Rural da Escola Básica 2,3 e Secundária de Ourique, é um bom exemplo dessa junção de saberes. “Devido ao nosso curso achávamos que fazia todo o sentido criar uma solução para resolver um problema direcionado com a hotelaria, [por isso] nas sessões da ADPM identificámos a falta de profissionais na área e decidimos criar uma empresa de formação”, esclarece a jovem de 16 anos.

Desta forma, a Hotel Academy, nome atribuído ao negócio, permitirá que as cadeias hoteleiras contratem este serviço, que “oferece formação especializada aos seus trabalhadores ou a potenciais trabalhadores do setor”, e aumentem a quantidade de profissionais e a qualidade das funções desempenhadas pelos mesmos.

Por sua vez, e assim como aconteceu nas duas últimas edições, os alunos estão a ser também desafiados a olhar para as suas localidades e a encontrar “problemas” passiveis de serem solucionados através de “propostas de valor” criativas. Partindo deste ponto, o grupo de trabalho de Lucas Candeias percebeu que no concelho de Mértola, e, principalmente, na freguesia de São João dos Caldeireiros, de onde é natural, a população, especialmente a mais nova, tem uma “enorme dificuldade” em deslocar-se até “às festas” e, por isso, decidiram que o seu projeto recairia sobre esta temática.

“Os jovens sempre gostaram de ir às festas, mas também sempre houve dificuldades nos transportes para tal, ou porque não há, ou porque os táxis são caros ou até porque não há boleias. Então, a nossa ideia passa por desenvolver uma aplicação, chamada ‘Vamos à festa!’, que permite que as pessoas do mesmo monte ou da mesma localidade se articulem umas com as outras [ao nível do transporte] e vão à festa”, revela o jovem de 17 anos.

Porém, o aluno do curso de Humanidades da Escola Básica e Secundária de São Sebastião, em Mértola, acredita que a sua ideia pode ser ainda expandida para outros setores, mas também adaptada “às grandes cidades”, com a inclusão na aplicação de “trotinetes elétricas e bicicletas cedidas pelos municípios”. “Através do i.d.E.A podemos dinamizar as vilas e as aldeias que estão um bocadinho desprezadas e esquecidas e tentar potenciar, por meio dos jovens, o nosso distrito, que tem boas condições para isso, mas que não tem oportunidades”, elucida.

Da mesma opinião partilha a colega Ana Jorge. Optou, depois de alguma hesitação, por “fugir” à ideia de trabalhar em “algo novo” e focou-se em adaptar projetos que já existiam à sua realidade. “Eu e a minha colega no início tínhamos um projeto bastante diferente na área da fotografia, mas percebemos que, se calhar, não havia tanta coisa para inovar nesse âmbito, porque o objetivo era solucionar um problema e inovar. Assim, na última sessão decidimos mudar para o lado dos animais e fazer uma coisa que já existe, mas de forma diferente, [ou seja] fazer com que as pessoas que têm animais domésticos possam ir passear ou viajar sem os seus animais”, revela. O objetivo, segundo explica a aluna de 17 anos também do curso técnico de Turismo Ambiental e Rural do Agrupamento de Escolas de Ourique, passaria por ter “uma casa com condições próprias” para acolher animais ou possibilitar a deslocação da equipa responsável até “à casa da pessoa”, durante um determinado período de tempo, se esta assim o solicitasse. “Não foi fácil chegar até aqui porque achávamos que tudo já existia, mas depois percebemos que não fazia mal existir algo parecido, porque nós podíamos inovar um ou outro aspeto”, completa.

As consequências de “meter as mãos na massa” Sob o olhar atento dos docentes, os 56 alunos do 2.º ano do projeto i.d.E.A dos agrupamentos de escolas de Ourique e Mértola, após uma breve receção de boas-vindas, dão, finalmente, início à manhã de atividades. Divididos aleatoriamente em pequenos grupos, o objetivo é que, inconscientemente, coloquem em prática as competências que têm vindo a adquirir ao longo do tempo, principalmente, ao nível da comunicação, da empatia e da resolução de problemas.

Para Ana Constantino, professora de matemática responsável pelas três turmas mertolenses presentes no bootcamp, é a praticidade do projeto que o torna “diferente” dos demais e que, na sua opinião, tem conquistado os alunos.

“Neste público-alvo dos cursos profissionais, em que são miúdos que, por norma, consideram a parte teórica, expositiva e de estarem em sala de aula bastante maçadora, isso impossibilita que retirem de lá o aproveitamento que era suposto. Tudo o que é mais prático, meter a mão na massa e ir para o terreno é de extrema importância e muito mais proveitoso. O facto de estarem a fazer e a mexer, sem se aperceberem, estão a adquirir conhecimento que se calhar a ouvir falar e a ver um powerpoint não iriam adquirir”, realça.

O seu colega Carlos Vilhena, que acompanha as turmas de Ourique, também reconhece este papel educativo “menos formal” que, segundo o docente, é o que se pretende com os cursos profissionais”, isto é, “tentar formar futuros profissionais que vão integrar o mercado de trabalho”. “Por exemplo, aqui tenho uma turma de turismo e estas atividades, em complemento áquilo que nós trabalhamos [no curso], como o atendimento, a comunicação e a animação, enquadram-se na perfeição”, demonstra o docente de gestão e turismo.

“Acho que, acima de tudo, uma das coisas que nós trabalhamos muito com eles é o espírito crítico construtivo, olharem para as coisas e verem não como elas são agora, mas, sim, como é que elas podem ser e se eles se agarrarem e decidirem que querem fazer diferente com as ferramentas que nós trazemos podem começar a dar passos. E temos já alguns projetos que, se eles quiserem agarrar, são autênticos negócios, têm projetos muito interessantes”, garante Carlos Relva.

Com o sol cada vez mais forte segue-se um breve almoço antes da atividade “mais exigente” da parte da tarde. Os seis grupos de jovens deverão, em conjunto, encontrar uma solução “para uma vila extremamente poluída” e populosa. Colocarão em prova, novamente, o seu espírito crítico, criativo e empreendedor numa competição que culminará com a entrega de vouchers à equipa “mais dinâmica e inovadora”.

 

Um projeto para crescer

Embora se apresente como um projeto recente, implementado nos últimos três anos letivos (2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024), o “Idealiza, Empreende e Atua” (i.d.E.A) tem ainda uma grande “margem de crescimento”. Segundo Matilde Bourshis e Carlos Relva, técnicos da Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), “começar a trabalhar com idades mais novas” e fazer com que os professores se envolvam são duas das metas fundamentais para o futuro. Paralelamente, está previsto, ainda, e a pedido de alguns docentes, que no próximo ano existam sessões direcionadas “para a parte financeira, ou seja, o de educar os miúdos na área das finanças”. 

Comentários
Recomendamos