Diário do Alentejo

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10 de março 2024 - 08:00
Programa Emprego Interior Mais trouxe 170 pessoas para o distrito de BejaFoto| Ricardo Zambujo

Pedro Esperança deixou Belas, em Sintra, e regressou à sua cidade natal, Moura. Margarida Mendes trocou Lisboa por Vidigueira. Catarina Caeiro concretizou o sonho de infância: ir viver para a Póvoa de São Miguel, a aldeia de onde são naturais os pais. Numa região onde o despovoamento é cada vez mais acentuado, Pedro, Margarida e Catarina são o exemplo de quem fez o caminho inverso, deixando as grandes cidades para se instalarem no interior. Nesta nova etapa da vida acabaram por contar com o apoio do programa Emprego Interior Mais, que, entre o início de 2020 e 6 de fevereiro último, aprovou 98 candidaturas tendo como destino o distrito de Beja”, abrangendo um total de 170 pessoas e cujas verbas aprovadas ascendem a 360 mil euros.

 

Texto Nélia Pedrosa 

Foto Ricardo Zambujo

 

Foi para dar uma infância de qualidade ao filho João, prestes a completar seis anos de idade, que Pedro Esperança e a mulher trocaram, há cerca de oito meses, a agitação dos arredores de Lisboa pela tranquilidade de Moura, cidade onde o comercial nasceu há 38 anos e de onde saiu há quase duas décadas, rumo a Setúbal, para prosseguir os estudos. Nos últimos anos a vida do casal resumia-se a “casa/trabalho, trabalho/casa”, sublinha Pedro ao “Diário do Alentejo”. “Estávamos a notar que o nosso filho não estava a ter a infância que nós gostaríamos. Íamos buscá-lo à escola e depois íamos para casa. Ele não tinha problemas de conexão com outras crianças, ele brincava, só que não tinha atividades a não ser ao fim de semana”.

Viviam então em Belas, no concelho de Sintra. Pedro trabalhava numa empresa de distribuição no Prior Velho (Odivelas), a mulher, militar, natural de Lisboa, em Alfragide (Amadora). Em novembro de 2022 começaram a ponderar trocar o T2 de Belas por uma casa com três assoalhadas, que permitisse, mais tarde, “quem sabe, ter um segundo filho”. Pedro lembra-se como se fosse hoje do dia em que, sentados no sofá, começaram a pesquisar imóveis nas imediações da capital e decidiram procurar também na região de Moura. “Pensámos, se vamos investir, por que não investir num plano um pouco mais alargado em que possamos dar qualidade ao João e termos mais tempo para nós? Pesquisámos em Moura e apareceu-nos uma série de casas completamente diferentes do que estávamos à espera. Nós tínhamos o nosso plafond, tínhamos como requisito três quartos e uma garagem, e um apartamento na zona onde vivíamos rondava os 300 mil euros, mas percebemos que uma moradia na zona de Moura ficava quase por metade do preço. Então decidimos que o melhor era ir”. Como a empresa onde Pedro trabalha tem várias delegações, uma delas em Beja, “havia a hipótese” de pedir transferência para a capital do Baixo Alentejo, assim como a mulher para a Base Aérea n.º 11. No início de 2023 venderam o T2 de Belas e em julho mudaram-se para Moura.

“Nós dizemos na brincadeira que os dias aqui são mais longos. Eu e a minha mulher tínhamos basicamente o mesmo horário, só que perdíamos horas no trânsito. E aqui não. Eu saio cedo para ir trabalhar – a minha área de trabalho é a zona de Sines, Grândola –, em Lisboa também saía, só que agora consigo chegar a casa uma hora mais cedo, menos cansado e com mais tempo para resolver o que quer que seja preciso. Tenho tempo de ir buscar o João à escola, de o levar às atividades, futebol, natação, tem a semana toda preenchida. Temos tempo para passear, andar de bicicleta. A minha mulher demorava quase uma hora para chegar ao trabalho, para fazer 15 quilómetros. Agora demora 40 minutos para fazer cerca de 60, ou seja, acaba por poupar tempo. E em Lisboa bastava haver qualquer coisa para ficar a manhã toda parada no trânsito”, salienta o comercial.

Quanto contaram aos amigos, alguns achavam que se tratava de uma brincadeira. Mas mais surpreendidas com a mudança ficaram as pessoas de Moura, frisa: “Perguntavam: ‘Então, agora estás cá? Voltaste? O que vieste fazer?’. Eu respondia que tinha vindo trabalhar para cá, para mudar de vida, descansar. Mas uma pessoa com menos de 40 anos dizer que quer vir descansar é um bocado estranho”(risos).Pouco tempo depois de chegarem a Moura candidataram-se ao programa Emprego Interior Mais, uma medida do Governo com incentivos para a mobilidade de população para o interior. A candidatura de Pedro foi aprovada, tendo-lhe sido atribuído um apoio financeiro na ordem dos 5000 euros (60 por cento pagos aquando da aprovação e os restantes 40 ao fim de 12 meses, o período mínimo de estadia considerado para efeitos da atribuição); a da mulher, “porque é militar, não tem um contrato de trabalho”, foi “indeferida”. Ainda que a possibilidade de apresentarem uma candidatura ao programa não tenha pesado na decisão de rumarem ao interior – até porque dois dos critérios é ter um contrato de trabalho e residência fiscal na zona, o que obriga a que a decisão já esteja tomada antes de se apresentar a candidatura –, Pedro considera que é sempre bem-vindo. “Nós queríamos mesmo mudar. Já tínhamos vendido a casa. Mas, claro, que é sempre bom ter um apoio extra, algum dinheiro que nos dê mais margem de manobra. E para apoiar nas mudanças. É muito caro. Uma coisa é estar a 15 quilómetros de distância e conseguir fazer várias viagens, outra é estar a duas horas para cima e duas horas para baixo”. Em todo o processo de mudança, frisa Pedro, as maiores dificuldades acabaram por ser sentidas pela mulher, “porque a família dela ficou em Lisboa”, e porque tem muito menos oferta, por exemplo, “se quiser comprar cremes ou roupa”. “Ou compra on line – e nós já estamos habituados devido à pandemia – ou então temos de ir, por exemplo a Évora, e fazer quase 100 quilómetros”. Mas o balanço destes quase oito meses no interior, assegura, “é claramente positivo”. Por isso, “pelo menos até à reforma”, irão manter-se em Moura, “depois logo se vê”.

 

Quase 100 candidaturas aprovadas num montante global de 360 mil euros O programa Emprego Interior Mais aprovou, entre o início de 2020, quando foi lançado, e 6 de fevereiro último, 98 candidaturas tendo como destino o distrito de Beja, abrangendo “um total de 170 pessoas (candidatos e pessoas do agregado familiar)”. De acordo com informação disponibilizada ao “DA” pela Delegação Regional do Alentejo do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), as 98 candidaturas aprovadas representam um apoio de cerca de 360 mil euros.

Por concelhos, Odemira foi o destino com mais candidaturas aprovadas (23), seguindo-se Beja (17), Mértola (14) e Castro Verde (11). Com sete ou menos, surgem Vidigueira (sete), Almodôvar (cinco), Serpa (quatro), Barrancos, Cuba, Moura e Ourique (com três cada), Alvito e Ferreira do Alentejo (duas), e, por fim, Aljustrel (uma).

Licenciada em Engenharia do Ambiente e com formação em Gestão Sustentável, Marketing Digital e, mais recentemente, Enoturismo, Margarida Mendes faz parte do grupo dos sete candidatos que se mudaram para a Vidigueira ao abrigo do Emprego Interior Mais. Nascida em Lisboa há 39 anos, sempre teve uma “vontade enorme de derivar para o setor dos vinhos”, até por razões pessoais – “O meu pai trabalhou no setor, então sempre tive esta ligação”, justifica. Nos últimos anos era digital marketing numa agência em Oeiras, mas, depois de concluir a pós-graduação em Enoturismo, em 2022, no Instituto Politécnico de Portalegre, achou que tinha chegado o momento de se dedicar “exclusivamente ao setor dos vinhos na vertente de marketing”. Foi então que se deparou com um anúncio da Adega Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito para marketing manager. Concorreu, foi à entrevista e acabou por “aceitar a proposta”. “Queria mesmo entrar para o setor dos vinhos, ter essa experiência, e aqui a sub-região da Vidigueira é um excelente exemplo de desenvolvimento nesse setor e a adega cooperativa o maior produtor do Baixo Alentejo”. Os familiares e amigos, recorda, incentivaram-na “bastante”, porque acharam que “tinha perfil para isto”. “Era uma excelente oportunidade por ser uma região muito reconhecida nesta área. E também são duas horas [até Lisboa]. Se não corresse bem voltava, não é o fim do mundo”, frisa.

Margarida vive na Vila dos Gamas desde junho de 2023. A mudança, diz, “até foi simples”. Sentiu-se desde logo bastante apoiada pelos colegas, que a ajudaram a encontrar uma casa para arrendar, “porque é muito difícil, não há casas no mercado, tem que ser boca a boca”. Os vizinhos “também são impecáveis”.

No seu caso, a aprovação da candidatura ao Emprego Interior Mais acabou por compensar a diferença salarial entre a agência de Oeiras e a adega cooperativa, para além de ajudar nas despesas com a mudança e “cobrir os custos com as deslocações” ao fim de semana para a capital. “Eu estava a pensar se compensaria ou não esta mudança toda, mas depois falaram-me desta medida e, à partida, tinha todas as condições [para a aprovação]. Podia até não ter o apoio, era um bocadinho um risco, mas, em princípio…. Independente da medida ou não, eu já aqui estava, mas se não houvesse mesmo hipótese de me candidatar, se calhar nem ponderaria vir para cá”, admite a marketing manager, adiantando que medidas do género poderão ajudar a combater o despovoamento, porque, “pelo menos, durante um ano, o apoio é garantido”. Se depois, findo esse período, se vão embora, “é sempre um risco que se corre”, acrescenta, apesar de sublinhar que, “depois da pandemia, há cada vez mais casos de pessoas, e famílias, que se mudaram para zonas do interior”. “É uma coisa que muita gente ambiciona, e agora com as facilidades de trabalho [remoto] pensam cada vez mais nisso”.

 

“Qualidade de vida incrível” A “qualidade de vida incrível, morar a três minutos da adega, ter mais tempo, mais calma, sem o stresse do dia a dia”, são, segundo Margarida, algumas das vantagens de se viver numa vila do interior. “Eu adoro Lisboa, mas as coisas estão complicadas, o trânsito do dia a dia, obras, está tudo muito caótico”. Agora, quando regressa ao fim de semana, confessa que se sente “um bocado turista” na sua cidade natal. A marketing manager acentua, no entanto, que “a nível social” Vidigueira “é mais calminha”, ainda que no verão acabe por ser “mais agradável”, até pela proximidade do “Alqueva, que dá para fazer mais atividades”. “Poderia haver aqui mais atividades em termos culturais. Mais alternativas. Acho que faz falta, mas de resto…”.

Volvidos quase nove meses, Margarida garante que não se arrepende da decisão. “O balanço é bastante positivo, tem sido uma excelente experiência, já tenho bastante mais conhecimento a nível do setor dos vinhos e ainda quero adquirir mais e continuar a trabalhar nessa área”, justifica, adiantando que a região “tem imenso potencial para se desenvolver, precisava era de ter mais gente”. Ainda assim, desde que chegou, nota já um crescimento, nomeadamente, “ao nível do enoturismo”.

Catarina Caeiro, de 25 anos, acalentava o sonho, desde “pequenina”, de viver na aldeia onde nasceram os pais, a mesma aldeia onde passa férias desde tenra idade, onde participa com entusiasmo nas tradicionais festas anuais. Quando ficou desempregada em agosto do ano passado, e depois de várias tentativas frustradas para conseguir um trabalho nas imediações da Moita, de onde é natural e onde vivia com os pais, viu nisso o “pretexto perfeito” para rumar à Póvoa de São Miguel, no concelho de Moura.

“Meio a brincar”, e sem ninguém saber, candidatou-se a um lugar de rececionista num hotel no concelho vizinho de Mourão e foi aceite. Os pais, ao início, admite, é que não viram com bons olhos a mudança, principalmente, a mãe. “Torceram o nariz, porque não queriam que a última filha saísse de casa, mas algum dia tinha de acontecer. A minha mãe pensou que eu não conseguiria desenrascar-me sozinha, mas depois acabou por se habituar à ideia”.

Catarina vive desde o início de outubro do ano passado na casa que era dos avós. Embora não pague renda, admite que os cerca de 3000 euros que lhe foram atribuídos no âmbito do Emprego Interior Mais permitem “juntar algum”, assim como fazer face a despesas “como luz, água”, despesas essas que “são uma novidade”, porque é a sua “primeira experiência” a viver sozinha. Apesar de tudo, garante que não se sente só. Para além dos amigos que já tinha na aldeia, já conheceu “várias pessoas novas”. Também sabe que pode contar com o apoio dos tios que residem na Póvoa e as visitas do pai, já reformado, “são cada vez mais frequentes”.

“Estou a adorar estar aqui”, reforça, sublinhando que o que mais a cativa na pequena aldeia é “a paz, a tranquilidade”, o facto de “não haver trânsito”. “Quando vim para a Póvoa, ia muitas vezes à Moita e agora não sinto necessidade”. Por isso já decidiu que mesmo que o seu contrato de um ano não seja renovado em outubro próximo, não está nos planos regressar à sua cidade natal. “Vou continuar aqui. A trabalhar na mesma área ou até na minha área de curso [do IEFP], técnicos de apoio à gestão. Eu sei que há várias oportunidades, basta saber procurar bem”.

 

Candidatos têm, na maioria, entre 30 e 40 anos, são licenciados,trabalham por conta de outrem e são oriundos de Lisboa

Os dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional indicam que, dos 98 candidatos aprovados no distrito de Beja, 30 tinham menos de 30 anos, 41 tinham entre os 30 e os 40, 23 entre os 41 e os 50 e quatro mais de 50. No que diz respeito ao nível de qualificação, a maioria, 41, tinha licenciatura, 25 o 12.º ano e 18 mestrado. Dos restantes, 10 tinham menos do que o 12.º ano, dois o ensino pós-secundário e outros dois bacharelato. A maior parte dos 98 candidatos aprovados, (68), trabalhava por conta de outrem e 30 criaram o seu próprio emprego. Relativamente ao distrito de origem, quase metade (41) vieram de Lisboa, seguindo-se Faro (14), Porto (nove), Setúbal (oito), Coimbra (quatro), Braga, Leiria e Santarém (três cada), Aveiro (dois) e Viana do Castelo e Viseu (um cada). Empregado de escritório em geral (sete), psicólogo (quatro), arquiteto de edifícios (quatro), advogado, arquiteto paisagista, engenheiro agrónomo, engenheiro mecânico e designer, gráfico ou de comunicação e multimédia (três cada) são as profissões indicadas pelos candidatos que mais se destacam.

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