Diário do Alentejo

“Deve haver um cuidado enorme na captação de imigração”

25 de fevereiro 2024 - 16:00
António Saraiva, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Presidida pelo empresário António Silvestre, decorreu, no final da semana passada, no Centro Cultural Manuel da Fonseca, em Ferreira do Alentejo, o ato público de formalização e tomada de posse do conselho diretivo da Fundação Vale da Rosa. De acordo como os seus dirigentes, trata-se de um “projeto de cariz social que pretende contribuir para o desenvolvimento económico de Ferreira do Alentejo e ajudar a inverter a persistente quebra de densidade populacional e as carências educacionais e de investigação”. Antecedendo o ato formal, o “Diário do Alentejo” falou com António Saraiva, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, que exercerá, na respetiva fundação, o cargo de presidente do conselho de curadores.

 

Texto José Serrano

 

Qual a importância que esta fundação poderá ter no âmbito das problemáticas sociais existentes no território?

A Fundação Vale da Rosa pretende [promover] um conjunto de benfeitorias no concelho de Ferreira do Alentejo, preservando o património cultural, ajudando os mais desvalidos, auxiliando no combate à pobreza, contribuído para a formação profissional de várias tipologias [de trabalhadores]. Enfim, fazer bem à terra que fez bem a António Silvestre, segundo o próprio. E é curioso que uma pessoa, com os problemas que a sua família sofreu, lá atrás, no pós 25 de Abril, tenha, ainda assim, esta abnegação, esta capacidade de ultrapassar essas memórias que, de alguma maneira, lhes foram penalizadoras, trazendo o bem à terra.

 

Estando a fundação ligada à empresa Herdade Vale da Rosa, passam as suas valências por questões sociais ligadas aos trabalhadores agrícolas imigrantes?

Dando o caso da herdade Vale da Rosa, há a necessidade, no período das vindimas, de cerca de 1200 pessoas, que a região não tem. É fundamental atrair e fixar mão de obra para as várias valências agrícolas que a região possui, em tempos diversos – a azeitona, a uva, a maçã, a amêndoa, tudo aquilo que aqui se produz, com a qualidade que se produz. Para isso temos de ter aqui a capacidade de dar condições de habitação, com dignidade, àqueles que vêm trabalhar para a região. Este é um trabalho que quer ver enriquecidas as condições de vida da comunidade. Não apenas das pessoas que já cá residem, como das que queremos atrair, para que se verifique um repovoamento, se o termo me é permitido, da região. É, também, este, entre outros, o objetivo da fundação – atrair e fixar população capaz de dinamizar a região.

 

Depreendo que, para alcançar esse objetivo, é necessário contrariar o fenómeno da empregabilidade sazonal, com que trabalhadores agrícolas imigrantes se veem confrontados…

Exato. Pretende-se que [a empregabilidade] seja contínua, ao longo do ano, nas várias necessidades agrícolas que a região permite. Há, por vezes, maus exemplos, como conhecemos, de condições desumanas de habitabilidade em que vive esta população que sazonalmente vamos necessitando. Há que dar a estes trabalhadores a dignidade da profissão e de habitação.

 

Sendo presidente da Cruz Vermelha e baixo-alentejano, natural de Ervidel, como olha para a situação de precariedade, por vezes de extrema pobreza, em que parte dos imigrantes que vêm para a região se encontra?

Lamento alguns casos que vão sendo conhecidos, que, na minha avaliação, se devem, sobretudo, a máfias instaladas de exploração de mão de obra, a maior parte delas proveniente dos países de onde essas pessoas [imigrantes] vêm. Constatamos que são vítimas de conterrâneos. De facto, há maus exemplos, vamos tendo consciência disso. Felizmente, não é a maioria. A maior parte dos empresários locais, fundamentalmente, agrícolas, valoriza o seu trabalho. É nesse caminho que temos de continuar, abnegadamente.

 

De que forma o Estado português e o poder local podem contrariar, na região, essa miserabilidade e os intuitos dessas referidas organizações fora da lei?

Deve haver um cuidado enorme na captação de imigração. Devemos ter regras, deve-se cumprir um conjunto de avaliações de quem nos procura. Não podemos ter as portas abertas a todas as tipologias. Deve-se precaver fenómenos que sabemos existirem. Porque, às tantas, há inclusivamente questões de natureza variada – segurança e outras. Por isso, o Estado tem de criar mecanismos de apoio à imigração, tem que haver um programa de captação de imigração qualificada. E o poder central deve dotar o poder autárquico de condições e de verbas, para poder existir um trabalho coletivo, uma dimensão maior dessa captação [de imigração] e das condições que têm de ser dadas às pessoas que nos procuram, depois da avaliação e da aceitação dessa imigração. Mas havendo critérios, rigor, uma política de captação de imigração económica digna desse nome.

 

Edifício Refer em Beja

 

Já se encontra delineado o destino do “edifício da Refer”, que por se encontrar em total estado de abandono, ocupado por pessoas em situação de sem-abrigo e toxicodependentes, começou a ser desocupado há duas semanas?

Li há dias no “Público” que a Câmara de Beja colocou as pessoas num gueto [14 de fevereiro de 2024, “Câmara de Beja coloca imigrantes num gueto para resolver um problema da Cruz Vermelha”] para nos ajudar. Isto é, na minha opinião, abordar os assuntos de forma incorreta. Porque o gueto de que o “Público” fala são contentores com ar condicionado, com cama e roupa lavada, em excelentes condições, se compararmos com aquilo que se passava no “edifício da Refer”, com pessoas a dormir em situações desumanas. Estamos, apoiados pela câmara, a desocupar o espaço e a dar condições dignas de habitabilidade às pessoas que ali estavam, independentemente da sua condição. Relativamente ao “edifício Refer”, vamos reunir-nos com a Infraestruturas de Portugal (IP) para ver o que é que se pode ali fazer, que outras ideias possam para ali existir.

 

Vai a Cruz Vermelha terminar o contrato de arrendamento do edifício que tem com a IP?

Não lhe consigo dizer isso porque dependerá da reunião que vamos ter com a IP, para ver o que é possível fazer àquele espaço. Ou entregá-lo, se for esse o caso.

 

 

Previsibilidade de encerramento de lares

 

No que diz respeito a Beja, a Cruz Vermelha Portuguesa admite a possibilidade de encerrar duas estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI) na cidade. Como se encontra, atualmente, esse processo? Quando tomámos posse, em julho do ano passado, verificámos que existe um conjunto de equipamentos a cargo da Cruz Vermelha que necessita de uma reavaliação. Estes dois edifícios em Beja não têm o mínimo de condições para ali funcionaram os lares que ali temos. Se tivéssemos de abrir hoje aqueles dois espaços a legislação não o permitiria. Pelas escadas que existem, pela ausência de polibãs, pela falta de rampas de acesso para cadeiras de rodas, os próprios fios elétricos já não estão em condições… se houvesse ali um acidente não faltaria quem nos viesse acusar que tínhamos ali 60 utentes, 30 de um lado, 30 de outro, em condições deploráveis. A Cruz Vermelha não se pode permitir ter pessoas naquelas condições, aquele não é o nosso padrão de qualidade. Por isso, em conjugação com os serviços sociais da Câmara de Beja e da Segurança Social, estamos a fazer uma avaliação, no sentido de encontrarmos soluções.

 

Soluções que poderão passar por…

Chegaremos a uma conclusão: ou do encerramento ou da reabilitação, se o espaço tiver reabilitação.

 

Independentemente da decisão que venha a ser tomada, está a situação destes 60 utentes assegurada?

Não deixaremos ninguém para trás. Apesar de isso exigir que os 60 utentes sejam analisados, caso a caso. Se há família de retaguarda, ou se já não existe, as condições sociais, avaliando o que é que cada utente tem ou pode vir a ter para continuar a garantir-lhe o apoio e o auxílio que lhe prestamos. A situação dos utentes está salvaguardada, não pode ser de outra maneira.

 

Está também salvaguardada a situação laboral dos trabalhadores destes lares?

A Cruz Vermelha tem um conjunto de valências. Tentaremos encontrar, nestas várias valências, resposta para os postos de trabalho. Este será o objetivo. Não escondo, todavia, sejamos realistas, para não estar aqui a criar falsas perspetivas... admitindo que neste ou naquele caso isso possa vir a revelar-se impossível, respeitaremos a lei, dando às pessoas aquilo a que elas têm direito, de acordo com a legislação do trabalho.

 

Comentários