Diário do Alentejo

buba

13 de janeiro 2024 - 08:00
O cantor bejense regressou à sua cidade natal, após a inquestionável consagração como intérprete, cantando para “os seus”, em dois concertos esgotadosFoto | Ricardo Zambujo

Buba Espinho, atualmente um dos cantores mais mediáticos do panorama nacional musical, apresentou, em Beja, a sua história artística, desde Os Bubedanas até ao seu mais recente disco, intitulado “Voltar”, forjado nas suas memórias. 

 

Texto | José Serrano 

Foto | Ricardo Zambujo

 

Regressou à sua cidade, a 23 de dezembro, em dois concertos lotados no Pax Julia Teatro Municipal, a primeira atuação em Beja, após ter atingido o reconhecimento nacional como artista. Este pisar do palco da emblemática sala, num momento tão delicado da sua vida, cantando em frente “aos seus”, terá sido, presumo, profundamente emotivo…

Eu já tinha regressado à minha cidade, como artista, em participações com o Coro de Câmara de Beja [2021] e com os D.A.M.A. [2022]. Mas em concerto a solo, a contar a minha própria história, nunca o tinha feito. E senti uma enorme carga emocional, com o público a receber-me de forma incrível, acolhendo a minha música e as minhas palavras, como se eu fosse de todas aquelas pessoas. Sinto que olham para mim como um filho, pelo orgulho que têm naquilo que eu faço, muito baseado nos nossos costumes, na nossa forma de vivermos a vida e de a cantarmos. Julgo que esse carinho especial acontece por eu levar os nomes e as bandeiras da nossa cidade e da nossa região a qualquer canto do País e do mundo, tentando sempre mostrar que de onde venho se faz música de muita qualidade. Foi muito bom para mim, no momento que estou a viver, chegar à minha terra – a minha casa – e acolher todo esse amor, essa imensa sinceridade, presente nas palmas, nas lágrimas e nos sorrisos que recebemos nesses dois concertos, repletos de imenso amor e muitos abraços. O que senti foi, acima de tudo, o colo e o carinho das pessoas.

 

Para além dos Bandidos do Cante e do Luís Trigacheiro, estiveram consigo em palco Os Bubedanas, grupo coral alentejano criado em 2011, que promoveu o orgulho, nos mais jovens, de se cantar à alentejana e do qual foi um dos fundadores. Esta fração da sua história é responsável, de alguma forma, pela decisão de querer ser músico profissional?

Em Beja, toda a minha geração cantava. Era uma coisa natural no nosso dia a dia. O cante estava sempre presente. Cantávamos em todo o lado, na escola, nos restaurantes, nas discotecas… Pertencer aos Bubedanas – um grupo de 28 amigos nascidos entre 1992 e 1996 – foi uma experiência social e humana muito importante na minha carreira, através da qual aprendi, muito cedo, a trabalhar em conjunto. O que se veio a revelar crucial no processo criativo de composição, de construção de um espetáculo, na edição de um disco ou na aprendizagem em gerir personalidades diferentes. É nos Bubedanas que eu começo a ter os primeiros feedbacks fora dos palcos, a ouvir dizer que gostavam de me ouvir cantar. Foi a partir desse momento que eu comecei a pensar que uma carreira musical poderia fazer sentido, foi aí que se deu o primeiro click, que eu considerei que poderia ser por ali o meu caminho. Fez todo o sentido trazer Os Bubedanas novamente a palco, porque é, realmente, uma parte muito bonita da minha carreira.

 

Essa decisão, de enveredar por uma carreira musical profissional, acabou por ser tomada naturalmente?

Naquela altura, para além dos Bubedanas, pertenci aos grupos Adiafa, Moda Mãe e Há Lobos Sem Ser Na Serra. Fazia cerca de 140 espetáculos por ano, entre estes quatro projetos, e já ganhava bem, com a idade que tinha. Quando tive de decidir entre a escola e a música, a música prevaleceu. Irá sempre prevalecer, é esse o meu habitat.

 

Continua o cante a estar presente de forma marcante na sua arte?

O cante está presente na minha vida de todos os dias. Acredito que é o que me diferencia. A maioria dos artistas faz música pop, mas eu sinto que o público gosta de um “ingrediente” diferente, para que não soe tudo ao mesmo. Eu tenho essa componente do Alentejo, onde ainda se vive em comunidade, onde toda a gente se conhece e se ajuda. Ao transportar isso para a minha identidade, para a minha música, é tudo muito mais saudável, mais leve, e não sinto aquele peso do ritmo da indústria, de toda a hora ter de estar a inventar coisas.

 

Sente o seu público essa leveza de que fala?

Acredito que nos meus espetáculos ao vivo as pessoas quase que respiram ao mesmo tempo que nós, ouvindo e sentido o que estamos a cantar. Acho que consigo passar ao público, nas minhas apresentações e nos meus álbuns, a calma alentejana. Foi nesse meio que eu nasci e cresci e, por isso, essa transmissão é para mim supernatural. Tudo é muito natural em mim, eu não forço nada.

 

Portugal inteiro passou 2023 a cantar “Casa”, resultante de uma parceria entre o Buba e os D.A.M.A.. Quanto de Alentejo tem este tema?

“Casa” é uma inspiração sobre a força do Alentejo. Um dia, no estúdio dos DAMA, eles mostraram-me o refrão e o primeiro verso de uma canção que tinha ficado na gaveta. Naquele momento, houve uma energia que nos disse que a deveríamos editar. E achei fundamental dar-lhes a conhecer aquilo que é “o meu Alentejo”, que ouvissem o cante, que conhecessem a forma com que os alentejanos recebem quem vem de fora, a gastronomia e o vinho da região, para que se pudessem inspirar a fazer o resto da canção. Em Beringel fizemos um segundo verso e, pouco depois, em Ferreira do Alentejo, fizemos o terceiro e terminámos o tema, que nasce da união perfeita, com muita partilha, entre um alentejano e três lisboetas. Creio ser uma canção que vai ficar para sempre na história da música portuguesa. De norte a sul do País as pessoas cantaram-na com uma energia e um amor muito especiais.

 

Assim sendo, de certa maneira, o Buba e os DAMA puseram Portugal inteiro a “cantar à alentejana”… É um motivo de grande satisfação?

É uma satisfação enorme. Lembro-me de sermos putos, eu e o Luís Aleixo, meu amigo de sempre, e termos o sonho de um dia ver o País inteiro a cantar modas. Hoje, nos meus concertos, num momento em que se homenageia o Alentejo, assistimos a isso. É incrível vermos as pessoas a entoar a “Dá-me uma gotinha de água”, a “Menina estás à janela”, a “Um dia hei de voltar”, a “Casa”. É sinal que se olha, cada vez mais, para a nossa música como algo bonito, calmo. A minha geração veio trazer essa forma mais natural e espontânea de o cante chegar até todos. Eu adoro o cante puro e duro, mas a minha geração tem outros inputs, outras vivências e experiências. E é isso que vamos trazendo para o cante, com esta componente de amarmos as nossas raízes, transformando-as à nossa maneira. Mas a base é sempre a mesma – o amor aos nossos antepassados.

 

Desse périplo dos DAMA pelo Alentejo, com o Buba como cicerone, o que se revelou mais marcante para o grupo de Lisboa?

Esse mergulho no Alentejo foi muito importante, pois permitiu mostrar-lhes que o cante alentejano é, hoje, na região, cantado por todas as gerações. Desde o miúdo que anda no pré-escolar até ao velhote que pertence ao grupo coral da sua terra há mais de 60 anos. Eles acharam isso incrível. Presenciaram essa energia, sentiram a alegria dos miúdos, a cantar nas aulas do fantástico projeto “Cante nas Escolas”, e a intensidade das vozes dos grupos corais. Isso fê-los entender que há um povo que, desde o mais velho ao mais novo, canta. Para nós, alentejanos, isso é normal, mas acredito que para quem venha de fora isso seja marcante.

 

É um cantador assumido. Contudo, venceu, em 2016, em Lisboa, a Grande Noite do Fado e no seu primeiro disco, homónimo, de 2020, navega nos acordes da bossa nova, na canção “Zefa”. Esta polivalência musical permite-lhe uma maior liberdade interpretativa?

Não quero ser um artista monótono, fechado num só género, numa só energia. A “Zefa” é uma canção muito especial, pois a letra é do Paulo Abreu de Lima e a música é do António Zambujo, duas das minhas grandes referências, impulsionadores da minha vontade de ser músico. Este tema, no qual participaram o Diogo Brito e Faro e o Tiago Nacarato, dá a perceber que não sou só cante ou só fado. Que sou, sim, tudo aquilo que musicalmente me desafia e estimula. Se houver convívio e partilha, contem comigo.

O seu pai, Luís Espinho, pertenceu aos Greenwindows e aos Adiafa. O seu irmão, Eduardo, é produtor e guitarrista do Rui Veloso Trio. Parece haver, na sua família, uma urgência de música, uma inevitabilidade artística. Qual é a poção mágica para que tal aconteça?

Para a conceção deste meu novo álbum, “Voltar”, vi muitos vídeos antigos, recuperei memórias, eu ainda criança, nas festas com a família. Cheguei à conclusão que no meu núcleo familiar sempre houve um grande estímulo para as artes, sempre nos presenteámos com o melhor que cada um sabia fazer – teatrinhos, canções, os poemas engraçados que o meu pai escrevia. Quando nos juntávamos havia essa rica tertúlia, que nos trazia alegria. Será essa a poção, essa abertura artística que temos uns para com os outros, que nos permite viver felizes com os nossos sonhos.

 

Corre o País inteiro a cantar e apresenta-se, amiúde, no estrangeiro. No entanto, decidiu construir a sua casa no campo, nos arredores de Beja, contrariando a tendência de êxodo que se verifica na região, por parte dos mais jovens. De que forma este seu apego às raízes se revela importante para si?

É possível um artista viver aqui. O nosso país tem uma cultura tão rica, tem tanta música, que é impensável estar unicamente fixada em Lisboa. Vivi na capital durante sete anos, a cantar, fundamentalmente, em casas de fado. Apesar de ter sido uma fase incrível da minha vida, a beber todos os dias de uma forma particular de viver, eu não me queria fechar, exclusivamente, nesse meio. Porque a versatilidade eu já a sentia. Quando comecei a fazer mais concertos, achei por bem dar por encerrado esse ciclo. Ainda que tenha de ir muitas vezes a Lisboa, vir para cá foi a melhor decisão. Aqui é o meu quartel-general, onde eu carrego as minhas energias, onde aproveito para descansar, estar com a minha família e os meus amigos, comer bem, respirar este ar e ver este céu. Para que, quando vou correr o País, na vida louca que é a estrada, ir com a bagagem cheia de Alentejo, de energia e de paz.

 

Beja é uma pacata cidade do interior que, contudo, tem sido uma fecunda “parideira” de músicos reconhecidos, nacional e internacionalmente, tal como o concelho. Há mais tempo, a Tonicha, a Linda de Suza, a Cândida Branca Flor. Contemporaneamente, os Adiafa, o António Zambujo, os Virgem Suta, o Luís Trigacheiro, o Eduardo e o Buba Espinho. Qual é a sua explicação para que este território tenha tamanha fertilidade musical?

Tem a ver com a capacidade que temos de viver em comunidade, da facilidade com que nos reunimos à mesa e cantamos, desde muito novos. Lembro-me de ser criança e não ter vergonha nenhuma de cantar em frente às pessoas. Era uma coisa normal, como se estivesse a jogar à bola na rua. E, hoje em dia, os miúdos mais populares da escola são os que fazem o “ponto” e o “alto” nas modas, e isso é muito interessante. Nós, aqui, ganhamos uma base forte, por ouvirmos as primeiras palmas fora de um palco a sério, porque há esse reconhecimento familiar, dos amigos, dos vizinhos – “olha lá, o miúdo canta bem”. Isso é uma vantagem, relativamente às crianças que vivem em ambientes urbanos, onde não existe essa experiência de estar em contacto com a comunidade. Muitas vezes, as primeiras apresentações que têm são feitas nos “the voices” [concursos/programas de talentos], quando há muita coisa que, eu acho, deve ser feita, primeiro, fora do lado mediático.

 

Para além da música que dá ao País, considera que a respeitabilidade desta “armada” artística bejense tem contribuído para inverter a ideia preconcebida do alentejano boçal, protagonista de anedotas?

Acho que sim, que agora virou mesmo o barco. O alentejano cresceu muito, musicalmente, chega a qualquer palco e “parte a casa toda”. Não há um lugar onde se cante a vozes, de forma tão intensa e pura, como nós cantamos no Alentejo. Quando se ouvem 20 alentejanos juntos a cantar é impossível não tremer. Eu continuo a emocionar-me. É uma energia única que só existe aqui e isso é admirável. O cante alentejano é uma força da natureza e isso chega a qualquer coração, por mais frio e duro que seja. Quem diz que o alentejano é parolo é porque está desatualizado.

 

Lançou em setembro o seu segundo disco, intitulado “Voltar”. A quem ou onde regressa quando o canta?

Volto a muitos sítios onde não regressava há muito tempo. Quis voltar à minha avó, da forma que para mim é possível, com as minhas canções. No fundo, este trabalho é um flashback musical, recolhendo tudo aquilo que eu acho importante nas minhas memórias, tentando perceber porque é que eu canto assim. Sinto que as pessoas que se identificam com a minha música ao ouvirem estas canções conseguem, também, regressar aos “seus sítios”.

 

Retornando a Beja. Quase no fim de um dos espetáculos, confessou ao público que o amor que a sua mãe sempre lhe transmitiu estava novamente, de alguma forma, a chegar até si, através do carinho e da emotividade com que o público bejense o abraçou. É a transmissão do amor que recebeu o seu propósito maior, enquanto artista?

O que mais comove as pessoas é sentirem-se num lugar onde há tranquilidade, onde há espaço para o amor. O meu objetivo é que o público tenha essa experiência, naquela hora e meia, duas horas, de um concerto meu. Às vezes sinto que sou uma bolha de oxigénio na vida de alguns, ao fazer o que faço, utilizando a exposição que tenho para que me associem aos bons momentos das suas vidas. É isso que é necessário na arte.

 

Amália, nome da filha e da avó

 

Foi pai, recentemente, pela primeira vez, de uma menina de nome Amália. Indicia este nome uma homenagem?

À minha avó Maria Amália, que cantava em casa todos os dias, apaixonada por cante alentejano. Apesar de eu não a ter conhecido muito bem, sempre tive presente a energia que aquela senhora passava à família, que sempre que dela se falava, se falava de amor, que era alguém que ligava toda a gente. E eu quis homenagear essa força, dando à minha filha o nome da minha avó paterna. Quando a minha filha nasceu, precisávamos de um estímulo que nos unisse a todos para poder vencer uma guerra que, infelizmente, não foi vencida. Mas foi possível unir ainda mais a família, juntamente com a energia que nos deixou a minha mãe.

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