Diário do Alentejo

Faltam, pelo menos, 15 médicos de família no distrito de Beja

24 de novembro 2023 - 10:49
Entrevista a José Carlos Queimado, presidente do conselho de administração da Ulsba
Foto| Ricardo ZambujoFoto| Ricardo Zambujo

A chegada de 2024 trará boas notícias, para a região, na área da Saúde, segundo o presidente do conselho de administração da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba), José Carlos Queimado, naquela que é a sua primeira entrevista desde que assumiu funções em abril passado. O hospital de Beja terá, finalmente, a tão desejada ressonância magnética e o projeto de ampliação e requalificação do edifício hospitalar irá ser atualizado. Já o hospital de Serpa poderá abrir portas de forma consistente e contínua. A faltar, só mesmo mais médicos de família. São necessários pelo menos 15, tendo em conta o cenário atual. Mas isso não estará dependente apenas da Ulsba. São muitos os motivos paralelos que podem influenciar o processo de atração de médicos.

 

TEXTO MARCO MONTEIRO CÂNDIDO E NÉLIA PEDROSA

Em que estado encontrou a Ulsba quando assumiu funções em abril? Qual é o diagnóstico que faz dos serviços de saúde do Baixo Alentejo?Encontrei uma unidade local de saúde (ULS) com alguns problemas que são conhecidos de todos. O nosso principal problema é termos uma quantidade apreciável de utentes sem médico de família, 22 mil, cerca de 18 por cento. É um problema importante e mais ainda num distrito que é o maior do País em área geográfica, que tem cada vez menos pessoas – desde os Censos de 2001 perdeu cerca de 20 mil –, muito dispersas. Temos muitos pontos de atendimento abertos, 78, o que quer dizer que com um número cada vez mais reduzido de profissionais de saúde, sobretudo, médicos, é cada vez mais complicado. Pouco tempo depois de termos chegado, tivemos um concurso para médicos de família com 16 vagas que ficou deserto, o que não ajudou a resolver ou a mitigar o problema. Nos cuidados hospitalares temos uma ou outra especialidade com mais problemas de falta de médicos. Foram saindo ao longo dos últimos anos e não temos conseguido repor. Mas também encontrei, isso já era visível e está a confirmar-se ao longo do ano, profissionais que cá estão e outros que colaboram connosco em regime de prestação de serviços a fazerem um enorme esforço para continuarem a resolver os problemas de saúde das pessoas. Segundo dados de outubro, a nossa ULS tem resultados de produção, em praticamente todas as áreas de atividade, superiores a 2019. Neste período de 10 meses [de janeiro a outubro], por exemplo, fizemos mais 1000 cirurgias do que no ano passado, um crescimento de cerca de 30 por cento, e temos mais 7000 primeiras consultas, que é um indicador de acesso também muito importante. E não tendo muito mais pessoas a trabalhar. Os profissionais que cá estão têm feito um esfoço muito grande. Temos atendido muitas mais pessoas nas consultas e nas cirurgias, sobretudo, nas especialidades em que estamos com capacidade.

 

E que especialidades são essas?Na parte cirúrgica, a Ortopedia tem dado uma resposta muito forte. A Oftalmologia também. São especialidades que têm uma procura muito grande mas em que também temos uma capacidade de resolver, igualmente, grande. Na Cirurgia Geral temos tido mais problemas, apesar de com uma equipa reduzida também termos aumentado a atividade relativamente ao ano passado, mas não na proporção das outras duas, porque os recursos são menores. Ainda em relação ao diagnóstico da Ulsba, havia, em termos de ambiente interno, alguma insatisfação, conflitualidade, porque havia muitas questões a resolver referentes à reconstituição das carreiras, mas temos conseguido durante estes seis/sete meses fechar, praticamente, estes dossiês com quase todos os grupos profissionais do regime geral: assistentes técnicos, assistentes operacionais, enfermeiros, técnicos superiores de saúde. Estamos a finalizar com os técnicos de diagnóstico e terapêutica. Isso contribui para que o ambiente melhore e para que o compromisso das pessoas também seja diferente. Não é por acaso que ainda não houve um único dia de interrupção das nossas urgências – serviço de Urgência Geral, de Pediatria, de Obstetrícia e os SUB [serviços de urgência básica]. Não vou dizer que é caso único, mas é quase no interior do País. Também temos muitos profissionais que já ultrapassaram largamente o número de horas que deveriam fazer e, mesmo assim, têm mantido o compromisso extraordinário de manterem os serviços abertos.

O orçamento da Ulsba para 2024 será de 137 milhões de euros, o maior de sempre (+21 por cento do que em 2023). O que significa isso para a Ulsba? E para os utentes? Vamos dispor de mais meios para ter uma atividade que permita dar mais resposta às necessidades das pessoas. Em 2024 todo o território vai estar [organizado] em ULS e, portanto, também houve aqui uma mudança do modelo de financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS). É sempre bom ter um valor desta natureza que nos permitirá recrutar mais, se for possível, sendo que o recrutamento de médicos não depende de nós. Se nas outras áreas não temos, por enquanto, dificuldade em contratar – enfermeiros, técnicos, assistentes operacionais –, na parte médica já não é assim. Podemos sinalizar, que é o que fazemos, que precisamos de um determinado número de médicos, mas os profissionais é que têm de nos escolher. Vai permitir-nos, ainda, fazer algum investimento interno de conservação ou de remodelação de equipamentos.

 

Sublinhou que muitos profissionais já ultrapassaram largamente o número de horas que deveriam fazer. Qual é, então, a situação da Ulsba em relação à recusa de os médicos fazerem mais horas extraordinárias do que as 150 por ano que a lei lhes impõe? A generalidade dos médicos que tem contrato de trabalho connosco já ultrapassou em muito as 150 horas. O que permite estarmos abertos é o facto de, mesmo assim, eles manterem um compromisso e uma disponibilidade elevada. Se eles entenderem deixar de o fazer, como entenderam noutros sítios, não conseguiremos ter o serviço aberto. Até agora temos sete médicos [que manifestaram essa indisponibilidade]. Neste momento, apesar de tudo, isso não é um número expressivo…

 

Ou seja, não se tem traduzido em problemas de maior…Não. Até ver. Convém sempre dizer que isto depende de, por um lado, dos nossos profissionais continuarem a fazer um esforço muito grande, e que é voluntário, e, por outro, dos prestadores que nos têm ajudado a manter os serviços abertos. Conseguimos nos últimos meses recrutar mais prestadores em algumas áreas, mas também eles, se não quiserem vir, não vêm. É esta situação que temos: é boa para a população, no entanto, frágil. Até ao final deste mês penso que as escalas estão asseguradas. Estamos já a trabalhar nas do próximo mês, mas não quer dizer que não venhamos a ter problemas.

 

Segundo disse, atualmente, são 22 mil os utentes da área de influência da Ulsba sem médico de família atribuído. É um problema transversal ou existem concelhos em que esta insuficiência de clínicos é mais notória? Há alguns em que é mais notória. Mas uma coisa é o número absoluto de utentes sem médico por concelho, outra é o número relativo. Por exemplo, em Barrancos, só temos duas hipóteses: ou tem um médico ou não tem. Se tiver um médico, tem 100 por cento da população com médico. Se não tiver, tem 100 por cento sem. E há concelhos que têm dois médicos. Quando não têm um médico, 50 por cento da população não tem, apesar de serem 1500 pessoas. Cuba, neste momento, precisava de três médicos, tem dois. Quer dizer que tem um terço da população sem médico. Mas onde temos um maior volume em termos absolutos é em Beja. Destes 22 mil, cerca de seis mil são no concelho de Beja. Depois, Serpa tem cerca de 3200, 3300 pessoas sem médico. Temos também um problema em Aljustrel, onde temos cerca de 3000 pessoas sem médico. Temos outros que também têm necessidades. Mértola também tem cerca de 1500 pessoas sem médico, é logo um terço da população. A este propósito saliento a excelente relação que temos tido com os autarcas, sobretudo, de alguns destes concelhos, e que nos tem permitido dar uma resposta melhor do que aquela que conseguiríamos dar isoladamente. Um exemplo foi Mértola. Em julho perdemos um médico por aposentação e durante duas ou três semanas, em conjunto com o presidente de câmara [Mário Tomé], foi possível encontrar outras soluções que, não sendo as definitivas nem as ideais, permitiam, inclusive, abrir uma extensão que já estava fechada há algum tempo, a da Mina de São Domingos, ter lá um médico e reforçar a sede do centro de saúde com a ida regular de alguns profissionais. O mesmo com Aljustrel. Tem sido público que o presidente Carlos Teles tem sido muito contundente na necessidade de médicos e falamos regularmente à procura de soluções. E com outros autarcas. É um problema de proximidade e o nosso principal parceiro de proximidade são, sem dúvida, as autarquias. Se me perguntarem qual é o problema principal da Ulsba que, se pudesse, revolveria amanhã, escolheria dar médico de família a todas as pessoas. Se todas as pessoas tiverem médico de família, a médio/longo prazo a sua saúde melhora. Um médico que lhes garanta um acompanhamento regular traduz-se em ganhos em saúde para as pessoas e para o SNS.

 

Referiu que esta parceria estratégica com os municípios é fundamental. Que outras medidas concretas poderiam ajudar a solucionar o problema?Os profissionais têm um salário fixado na lei e não podemos alterar isso. Temos de abrir concursos e esperar que venham. Depois, outro tipo de medidas têm estado a ser negociadas entre os sindicatos e o Ministério da Saúde. Uma delas, que penso que chegou a bom termo, foi a generalização das unidades de saúde familiares (USF) modelo B. Em 2006 iniciou-se uma reforma dos cuidados de saúde primários no País, a criação de USF, de unidades de cuidados na comunidade. Infelizmente, na Ulsba isso não foi uma evidência. Passado este tempo temos uma USF na Ulsba. E o que é que sabemos dos resultados desta reforma? Sabemos que as USF são mais atrativas para fixar médicos. As de modelo B têm regimes remuneratórios muito mais atrativos para os três grupos profissionais: médicos, enfermeiros e assistentes técnicos. Por outro lado, é nestas USF que está a maior parte dos internos de medicina geral e familiar (MGF), cerca de 90 por cento, o que quer dizer que a Ulsba, só tendo uma, também não tem tido grande capacidade de formar médicos. Depois, dos 70 médicos a trabalhar nos cuidados de saúde primários só 19 têm menos de 60 anos. Este é o segundo grande problema. A maior parte dos nossos médicos de família ainda em funções veio na década de Oitenta e está agora a chegar ao final de carreira. Portanto, precisamos de médicos não só para os utentes que não têm médico de família, mas também para fazer esta substituição geracional. Felizmente, alguns dos que se estão a reformar estão a ficar connosco com contrato de reformado, embora com menos horas. Mas isso é um problema estrutural. Esta adesão às USF é voluntária, nenhuma administração pode obrigar os profissionais a constituírem uma. A legislação prevê que a partir de janeiro de 2024 seja mais fácil passar a modelo B, mas, neste momento, neste território, temos um problema para o implementar, porque temos concelhos muito pequenos e uma USF de modelo B devia ter, pelo menos, quatro ou cinco médicos. A maior parte dos nossos concelhos não tem população para tal. Há sempre uma expectativa muito grande com os profissionais de saúde e alguma incompreensão porque é que não escolhem o nosso território, e isso acontece porque a saúde é o bem mais essencial, o seu grau de exigência não tem comparação com nenhum outro setor. Mas os profissionais altamente diferenciados procuram, nas suas decisões de vida, muitas vezes algo mais do que a profissão em si. Há questões que estão associadas à qualidade de vida, questões culturais, sociais, desenvolvimento económico, acessos, que é um problema grave no Baixo Alentejo. Voltando aos médicos de família, ao serem formados, essencialmente, num contexto de USF, em que a dimensão média é seis, sete médicos, estão mais protegidos, têm sempre colegas que os podem ajudar. Quando terminam o internato querem ficar num contexto destes. E muitas vezes o contexto que nós temos para lhes oferecer, por exemplo, neste território, é totalmente diferente. Vão para um sítio trabalhar sozinhos e muitas vezes não estão motivados para isso. É um trabalho moroso, mas a nossa preocupação tem de ser formar mais pessoas. Depois temos de ter orientadores de internato. Com a nossa demografia médica tão idosa, estas pessoas também já não estão muito disponíveis para iniciarem um processo que, no mínimo, dura quatro anos. Portanto, estamos a tentar junto dos médicos mais novos termos orientadores de formação de internato para que possamos formar mais pessoas e que elas possam cá ficar, já conhecedoras do contexto onde vão trabalhar. Por outro lado, vamos iniciar uma reformulação da nossa estrutura dos cuidados de saúde primários, para 2024, para a tornar mais funcional e atrativa. Neste momento temos 13 unidades de cuidados de saúde personalizados, uma por concelho, e isso, às vezes, não tem a escala suficiente. Se agruparmos algumas destas unidades, provavelmente, teremos escala para termos mais pessoas e se um médico sozinho não achar atrativo ir para lá, se calhar com mais dois, três ou quatro colegas a virem em simultâneo, já será possível. A generalização dos modelos B é, de facto, no contexto dos cuidados de saúde primários, a medida que permite fixar mais pessoas, como aconteceu nos outros sítios do País.

 

Esta unificação ao nível dos cuidados de saúde primários, que estão a pensar fazer, para ganhar também alguma escala, poderá ser uma antecâmara da criação de USF?Estamos a pensá-la precisamente nesse sentido, para podermos ter essa capacidade de atração, porque, senão, vamos ficar ainda mais para trás. A partir de janeiro vai haver mais USF modelo B no País e nós sabemos que é, sobretudo, aí que os profissionais querem trabalhar. Temos que olhar para o que temos, reorganizarmo-nos, temos que preparar a nossa estrutura para poder tirar partido desses incentivos que já estão criados.

 

Para além dos regulamentos municipais que permitem apoiar os médicos na aquisição ou arrendamento de habitação, há autarcas que defendem que os clínicos estrangeiros deveriam ter acesso a um estágio tutelado de forma a serem certificados para a especialidade de MGF ou que o “serviço de apoio à periferia” poderia ser reativado. Considera que são medidas que poderão ajudar? A responsabilidade de termos médicos de família é da Ulsba, mas achamos que tudo o que nos puder ajudar… Há autarcas a sugerir o estágio tutelado para a MGF. Temos cá alguns médicos, já há muitos anos, felizmente, sobretudo, vindos de Cuba, e que querem ficar connosco. Uns já fizeram o exame à Ordem dos Medicos (OM) e já são médicos de família. A OM já se pronunciou algumas vezes, nunca dando provimento a esta situação, portanto, é um assunto da OM. Quanto ao serviço médico à periferia, de facto, foi o que permitiu no início dos anos Oitenta que tivéssemos este conjunto muito alargado de médicos que estão agora a chegar ao final da carreira. Mas os tempos eram outros. É sempre uma opção que um governo pode tomar ou não. Como também penso que é público, as estruturas de representantes dos médicos não são muito favoráveis a essa medida. É uma medida que pode ter alguns prós e contras. Teria de ser muito bem pensada, porque estaríamos a limitar a escolha dos profissionais. As pessoas teriam de vir um ano ou dois para a periferia. Mas será que, findo esse tempo, ficariam cá? Ou, por ter carácter obrigatório, não teria o efeito contrário?

 

Alguns autarcas estarão reticentes em relação a algumas destas medidas dos municípios por criarem uma espécie de “leilão” de médicos…Esses incentivos são bem-vindos, mas dentro da Ulsba não haverá concorrência entre municípios, porque os profissionais fazem contrato com a Ulsba e nós não temos interesse em que um médico saia de um concelho para outro, deixando um problema num concelho para resolver o de outro. Outra coisa é recrutarem fora do espaço da Ulsba, isso é bem-vindo, já aconteceu. Os autarcas que têm esses incentivos, felizmente, parece que têm uma boa comunicação entre eles e não promovem isso. A Ulsba também não promoveria esse tipo de prática.

 

Quantos médicos faltam à Ulsba para poder funcionar em pleno? Nos serviços primários, com 15 médicos de família teríamos a população toda coberta. Precisaríamos de mais em 2024, tendo em conta as reformas que não sabemos exatamente quantas é que se vão concretizar, porque as pessoas podem atingir a idade da reforma e continuar por cá. Temos ainda 17, 18 mil utentes que têm médico assistente, que são os médicos que não têm a especialidade. Mas, se falarmos só daqueles que não têm médico de família nem médico assistente, precisaríamos de 15, que é isso que normalmente pedimos nos concursos. A nível hospitalar, no último concurso, em abril, pedimos 26 vagas. Vamos manter o mesmo número. Gostaríamos muito, e estamos a desenvolver esforços nesse sentido, de poder reabrir a especialidade de Otorrino no próximo ano, que é uma especialidade que fechou há cerca de dois anos quando o último médico se reformou.

 

Quais são as especialidades mais condicionadas pela falta de clínicos na Ulsba?Neste momento a Cirurgia Geral é a nossa principal preocupação. Perdeu alguns médicos nos últimos anos. Estamos a fazer um esforço muito grande e já conseguimos ter mais profissionais a colaborarem connosco nos últimos meses, mas ainda em regime de prestação de serviços. Depois há especialidades em que gostaríamos de ter mais médicos nossos, no quadro, como ginecologistas-obstetras, porque, apesar de estarmos a funcionar, a maior parte são prestadores. Gostaríamos de ter mais alguns pediatras, de ter imagiologistas, uma vez que vamos abrir a ressonância magnética.

 

Referiu no início da entrevista que a urgência tem funcionado de forma regular. No que diz respeito à urgência de Obstetrícia e à sala de partos, está previsto que não encerre até final do ano…Temos conseguido ter a maternidade sempre aberta nos últimos meses. Estamos sempre dependentes dos nossos profissionais e dos prestadores que temos conseguido manter, que têm um compromisso muito importante com a Ulsba e que nos têm permitido estar abertos. Mas esta situação tem este nível de precariedade. O que temos dito é que, sobretudo, nestes últimos dois ou três meses, em que esta situação tem sido notícia diária a nível nacional, temos conseguido estar abertos. Mas não só nestes últimos meses, no caso da Obstetrícia. A direção executiva do SNS desenvolveu um programa, o “Nascer em Segurança”, e nós temos sido das poucas maternidades a sul do Tejo que não fechou um único dia, de tal forma que no verão, de 15 em 15 dias, quando Portimão fechava, éramos referência para algumas grávidas daquela zona e, nos outros 15 dias, para o litoral alentejano. Neste período, não só estamos abertos, como estamos a atender muito mais pessoas do que no ano passado, precisamente, destas áreas. Na frequência da urgência obstétrica temos um aumento de cerca de 30 por cento, de pessoas residentes, sobretudo, [no distrito] de Setúbal. Esperemos que dezembro corra bem. Estamos a trabalhar para isso, para que dezembro possa ser igual a novembro, e a outubro, e a setembro. Mas, volto a referir, se os profissionais entenderem, de forma legítima, que não estão disponíveis, não podemos entrar aqui em obrigações.

 

Em relação às consultas de especialidade, qual é o tempo médio de espera para a primeira consulta?Há especialidades que ultrapassam o tempo máximo de resposta garantido (TMRG), que são Cardiologia (210 consultas) e Cirurgia Geral (284). Também temos um volume importante na Medicina Física e Reabilitação (127) e Urologia (132). Estas quatro especialidades têm o grosso. Depois temos um grande volume de consultas na Ortopedia e na Oftalmologia, mas também temos uma grande capacidade de resposta. Como é que estamos a atuar relativamente a isto? Em Cardiologia, desde agosto, renegociámos com o serviço – temos dois cardiologistas – uma forma de trabalhar até final do ano, com outros objetivos e que inclui também algum acréscimo de consultas para primeiras consultas. Por outro lado, nessa altura começou a trabalhar connosco um novo cardiologista só a recuperar as consultas dos centros de saúde. Com a conjugação destas duas coisas, tínhamos cerca de 500 consultas de Cardiologia a mais de nove meses e já só temos 210. Consideramos, até final do ano, como objetivo, não ter consultas fora do TMRG, ter resolvido esta lista de Cardiologia.

 

Como estão as listas de espera das cirurgias? Qual o tempo médio de espera?Na Cirurgia temos tido uma resposta melhor neste ano em relação ao ano passado, porque não temos muitas especialidades cirúrgicas – Ortopedia, Cirurgia, Oftalmologia, Ginecologia e Urologia. Cerca de 90 por cento das pessoas que operamos, operamos dentro do TMRG, ou seja, estamos a dar uma resposta muito boa. Só 10 por cento das pessoas é que estamos a operar fora daquilo que clinicamente seria recomendado. Na Urologia e na Ginecologia temos tido mais dificuldades. Como houve uma saída grande de profissionais, que se tornaram prestadores de serviços na instituição, também perdemos um pouco esta capacidade cirúrgica que estamos a tentar recuperar para que, em 2024, possamos, nestas duas especialidades, ter uma capacidade maior.

 

Os internamentos inapropriados têm vindo a aumentar significativamente, segundo um estudo realizado pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. Qual é a situação do Hospital José Joaquim Fernandes? O que é que representam em termos de custos? E que impacto tem essa condicionante em outras necessidades de internamento? Os internamentos inapropriados são uma realidade na Ulsba como noutros locais. Não são sempre os mesmos, variam de semana a semana. Precisamos muito da Segurança Social e das IPSS [instituições particulares de solidariedade social] para que nos ajudem e tenham vagas suficientes para que as pessoas possam retornar. A maior parte são pessoas que não têm condições para retornar ao domicílio com autonomia, e vão permanecendo por aqui, ou em que as famílias não têm condições para as acolher, ou, nalguns casos, já não têm familiares, ou os familiares já são tão idosos que não conseguem cuidar delas. Nós, a Saúde, somos a única porta aberta 24 horas por dia e recebemos toda a gente. Tratamos, cuidamos e depois já não faz sentido a pessoa estar cá. O nosso trabalho está feito. Mas, depois, não é possível colocar a pessoa no domicílio por algumas destas questões e a resposta social fica um pouco aquém das necessidades. Qual é o custo disto? Primeiro, o custo para a própria pessoa. A pessoa que já não está a necessitar de cuidados não deve estar no hospital, porque está sujeita a infeções, a um ambiente que não lhe faz bem à saúde. Normalmente, já são pessoas muito debilitadas, com sistemas imunitários muito fracos. Quando estão em condições de sair, deveriam sair imediatamente, para salvaguardar também o seu estado de saúde. Outro custo é que, enquanto tivermos cá essa pessoa internada, não podemos tratar outra, porque está a ocupar uma cama. Às vezes temos mais pessoas na urgência por este motivo do que por outros. Não conseguimos transferir a pessoa para o internamento porque há camas ocupadas por pessoas que já não deviam estar no hospital. Sobretudo, para as pessoas que estão a precisar de cuidados, esse é um custo elevado. Como a Ulsba recebe por capitação, e não por produção, não perde dinheiro. Esta não é uma questão financeira, é uma questão social para estas pessoas e de acesso à saúde, que ficam impedidas enquanto estas não puderem sair. Em fevereiro saiu legislação que recomendava que cada IPSS tivesse uma ou duas vagas extra para a Saúde, para estas situações, e nós estamos a tentar que isso aconteça no distrito de Beja. Se em cada concelho tivéssemos uma ou duas respostas, poderíamos ser mais ágeis a resolver estas situações. E, na verdade, até ao momento, não temos qualquer vaga. Já sinalizámos isso mais do que uma vez e aquilo que nos têm dito é que as entidades não têm demonstrado interesse. Estamos a trabalhar com a Segurança Social e com as IPSS, porque aproxima-se o inverno e sabemos o que vai acontecer. A população idosa, muito debilitada, vai acorrer aos serviços de urgência num volume superior àquilo que acontece no resto do ano. E sabemos que muitas dessas pessoas depois são aquilo a que se convencionou chamar um caso social, porque, a partir de um determinado momento, o seu problema de saúde foi tratado. Mas o caso social não é da Ulsba, é da comunidade. Temos todos que ser um bocadinho mais esforçados a resolver um problema que é da comunidade.

 

Como é que olha para a construção do Hospital Central do Alentejo, em Évora? Acha que poderá limitar, de alguma forma, investimentos significativos na saúde nos outros distritos? Ao nível do Hospital José Joaquim Fernandes poderá levar ao esvaziamento de algumas valências, de algumas especialidades?É sempre uma boa notícia quando há um novo hospital a ser construído no SNS. Espero que o Hospital Central do Alentejo seja rapidamente construído e que entre em funcionamento em toda a sua plenitude. Se isso irá desnatar alguns serviços nossos ou levar algumas pessoas para lá? Estamos a trabalhar para que não aconteça, até porque o Hospital Central do Alentejo tem especialidades que não temos nem é suposto termos. É evidente que uma infraestrutura nova pode funcionar como um sinal de atratividade para os profissionais de saúde, sobretudo, para os médicos. Mas acredito que as organizações não são só paredes e equipamentos. São pessoas, lideranças, ambientes de trabalho e isso é que temos de criar e melhorar. A par disso, compete-nos, para não ficarmos para trás, apresentar um projeto de requalificação e ampliação do hospital e, depois, quem de direito que o conclua, porque, de facto, se a rede hospitalar for sendo melhorada à nossa volta não seria compreensível para as pessoas que residem em Beja que Beja fosse o único sítio, o único hospital do SNS, que não tivesse uma intervenção profunda na melhoria das suas instalações.

 

A RESSONÂNCIA MAGNÉTICA E A AMPLIAÇÃO DO HOSPITAL

Segundo apurámos, até ao final do ano, Beja deixará de ser a única capital de distrito sem equipamento de ressonância magnética. Confirma a sua entrada em funcionamento nessa data, bem como a conclusão do novo edifício? Para o fim do ano faltam seis semanas…O edifício está a ser construído. Seis semanas é um tempo curto. Temos trabalhado de forma muito próxima com a empresa que ficou responsável de colocar o equipamento e, em simultâneo, fazer a construção do edifício – o concurso foi feito nesses termos. Aquilo que a empresa nos continua a garantir é que vai cumprir o prazo de, a 31 de dezembro, o equipamento estar a funcionar. Estamos a acompanhar o processo, se a empresa continua a garantir que o consegue fazer, não vamos dizer que isso não vai acontecer, vamos esperar para ver. Se não for esse o prazo, durante o mês de janeiro creio que estará a funcionar. O mais importante é que ao fim destes anos todos vai ser uma realidade. Estamos a fazer o que é suposto: formar os nossos profissionais. Neste momento os nossos técnicos de Radiologia estão a ter formação, há algumas semanas, no Hospital de São José, para estarem habilitados a utilizar o equipamento. Estamos com a diretora do serviço a definir a forma como ele irá funcionar desde o primeiro momento. Assim que o equipamento nos for entregue, estaremos aptos a usá-lo. Para se ter uma ideia, estimamos fazer até ao final do ano cerca de 4000 ressonâncias fora. Isto significa que 4000 cidadãos tiveram que ir a Évora ou a Lisboa. Para o ano, isso vai deixar de acontecer. Será um ganho para as pessoas, sobretudo, as que estavam internadas e tinham que ir fazer uma ressonância em que tinha sempre que ir um profissional a acompanhar. Era uma situação bastante problemática para nós e para os doentes. Este é um equipamento que vai ser um marco para o hospital, porque, com a sua entrada em funcionamento, estamos, provavelmente, a dar o primeiro passo para, a médio prazo, voltarmos a ter idoneidade formativa na área da Imagiologia, porque, quando foi perdida, foi por não termos, precisamente, este equipamento.

 

Em que fase está o processo da segunda fase de ampliação do hospital de Beja – uma aspiração com mais de quatro décadas? O ministro Manuel Pizarro salientou em julho, na iniciativa “Saúde Aberta”, a necessidade de ampliação do mesmo, falando num “programa funcional para o projeto de ampliação” que seria estabelecido este ano. O que significa isto, concretamente?Apesar de ser uma aspiração quase desde que se construiu o atual edifício, na verdade, o primeiro sinal de que houve uma intenção para se avançar para a segunda fase foi em 1994, com um plano diretor do hospital que fala nisso. Depois, em 1999, avança-se para um programa funcional, que, depois, é concretizado em 2004 e que tem uma planta de execução em 2009. Quando se vai desenhar a proposta mais concreta já tinham passado 15 anos desde a primeira intenção e 10 desde a elaboração do programa funcional. Agora estamos a pegar nisso e o primeiro aspeto é que aquele projeto já é datado. Incluía a criação do novo serviço de saúde mental, que já está feito; de um serviço de hemodiálise, que já está feito; de uma unidade de cuidados intensivos no novo edifício, que já aconteceu no ano passado no atual edifício. Portanto, aquele projeto incluía algumas coisas que, entretanto, foram feitas. Por outro lado, pensar ou desenhar um hospital em 1999 ou 2004 é muito diferente de o fazer em 2023. As necessidades, as especificações técnicas, a evolução tecnológica que houve, todo o contexto é diferente. Vamos refazer esse trabalho para a situação atual do hospital e fazer um novo perfil assistencial do hospital para os próximos anos e apresentar um programa funcional para uma nova instalação e a requalificação da atual. E prevemos fazer isto em três, quatro meses. Provavelmente, começar ainda antes do fim do ano e, até ao final do primeiro semestre, seguramente, ter esse documento e apresentá-lo publicamente. Uma das coisas que vamos ser mandatados para fazer é apresentar o projeto e associar-lhe fontes de financiamento, para que possa ser levado à prática, e temos de envolver outras entidades para lá da Ulsba, como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo”.

 

O FUTURO DO HOSPITAL DE SÃO PAULO

O hospital de São Paulo, em Serpa, encerrou o serviço de atendimento permanente (SAP) a 30 de setembro e a sua gestão irá passar da Santa Casa da Misericórdia de Serpa para a União das Misericórdias Portuguesas (UMP), sendo que o SAP e as restantes valências deverão abrir a 1 de janeiro, segundo apurámos. Como olha para este processo?Espero que seja, finalmente, esse o dia. Quando aqui cheguei já só estava a funcionar o serviço de atendimento permanente. Depois fomos informados pela senhora provedora de que ia encerrar, porque já havia uma certa dificuldade em ter médicos para assegurar um funcionamento regular do serviço. Estamos a aguardar que a UMP nos indique o dia de entrada em funcionamento. Também foi público que foi desbloqueado, pelo Governo e pelo Ministério da Saúde, o financiamento do bloco operatório. Aquilo que penso que a UMP está a tratar é que o hospital, assim que começar a ser gerido por si, entrará em funcionamento com estas várias componentes, não sei se logo todas no primeiro dia – há uma ideia e uma necessidade de que o serviço de urgência entre imediatamente em funcionamento e depois a parte de ambulatório e de consultas. Assim que a UMP e o hospital de São Paulo estiverem em condições de cumprir o acordo, nós cumpriremos a nossa parte.

 

Independentemente desta gestão da UMP, no final de 2024, com o término do Contrato de Cooperação para a Prestação de Cuidados do hospital de Serpa, estará prevista a reversão para o SNS ou este ano será fundamental para se avaliar e, no fundo, poder haver uma renovação, caso corra bem?Penso que o que está no acordo é precisamente isso. Há as duas possibilidades. Seis meses antes do final do contrato as partes têm que se pronunciar. Se a misericórdia [de Serpa] estiver interessada na renovação do acordo, deve fazer essa sinalização. Ou denunciar. O hospital foi cedido por 10 anos, se a misericórdia assumir que não está interessada na renovação do acordo, o hospital é reintegrado no SNS. Se a outra entidade quiser renovar o acordo… Será uma decisão do Governo. Era importante, a partir de janeiro, que entrasse uma nova fase de funcionamento do parceiro para perceber se está interessado e para nós o vermos a gerir o hospital e ver se é possível fazer cumprir o acordo.

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