Diário do Alentejo

“Em termos policiais, a cidade de Beja é uma das mais seguras do País”

03 de novembro 2023 - 09:15
Raul Glória Dias, superintendente, comandante distrital da Polícia de Segurança Pública (PSP) de Beja
Foto| Ricardo ZambujoFoto| Ricardo Zambujo

Em resposta a alguns dos episódios de agressão que, ultimamente, se têm registado nas ruas da cidade, Raul Glória Dias considera que “o facto de existirem conflitos não quer dizer que haja insegurança”, entendendo ser utópico pensar numa urbe sem crime, sem “agressões entre pessoas”. Contudo, o comandante distrital da PSP de Beja revela que o reforço da presença policial em alguns pontos da cidade é “a única forma que temos de conseguir combater fenómenos deste tipo”.

TEXTO JOSÉ SERRANO

Têm-se registado na cidade de Beja vários episódios de agressão, na via pública, entre cidadãos estrangeiros, com recurso, inclusive, a armas brancas, em espaços considerados nobres da cidade, a exemplo da praça da República, do “jardim do Bacalhau” e da zona limítrofe ao castelo. Quais as principais causas desta instabilidade?Desde o início do ano registámos 43 ocorrências de ofensa à integridade física. Destas, só 15 situações envolveram cidadãos estrangeiros. Este é um tipo de crime que causa alarme social e que nós, polícia, temos muita dificuldade em combater. Combatemos o roubo, o tráfico de droga – há metodologias para isso. Mas a polícia não consegue controlar o comportamento das pessoas. É aleatório. Normalmente, quando as sociedades começam a perder alguns valores, perde-se a capacidade de dialogar e recorre-se a alguns dos instintos mais básicos. O recurso à força, na sociedade, é algo que me preocupa.

De que resultam estas cenas de violência, inusitadas, em plena luz do dia? Não considero que sejam inusitadas. O conflito entre as pessoas não tem hora marcada. As querelas que envolvem cidadãos de pequenos núcleos – não podemos dizer que são muitas, mas, infelizmente, são algumas – acontecem, sobretudo, em alturas do ano em que existe menos emprego, o que significa mais pessoas juntas, durante mais tempo, em casa.

Tomou a PSP medidas excecionais face a estes acontecimentos?Nós não podemos tratar as coisas casuisticamente. Este tipo de situações ocorre, pontualmente, em sítios diferentes da cidade – um organismo vivo, com constantes mudanças. Ou porque abriu um bar novo, ou porque já não é simpático estar na rua x e a moda é estar na rua y. E a polícia vai-se adaptando, de acordo com as dinâmicas da cidade. Temos que estar atentos às alterações e tentar estar o mais presente possível.

Nesse sentido, de mutação da própria cidade, existem, atualmente, alguns pontos mais sensíveis em que a PSP fortaleceu a presença?Estamos a reforçar a nossa presença em alguns sítios. É a única forma que temos de conseguir combater fenómenos deste tipo. Durante o dia, a praça da República e o terminal rodoviário merecem-nos alguma atenção. Não porque ali a quantidade de ocorrências seja grande, mas porque a probabilidade de poderem vir a acontecer aumenta. Porque são pontos de concentração, nos quais se junta muita gente. Durante a noite, outro local merecedor da nossa atenção é a zona do Pax Julia [Teatro Municipal], junto aos bares que ali existem. Todos aqueles que estão na cidade sem ser para estudar ou trabalhar, sejam nacionais ou estrangeiros, é a essa hora que saem… Mas estamos a falar de uma franja da população muito pequena, porque o nível de roubos e furtos, em Beja, é muito baixo.

Várias instituições têm alertado para a incapacidade da cidade em acolher todos os imigrantes, sobretudo, trabalhadores agrícolas, que nos últimos anos têm aqui chegado, registando-se inúmeras situações de emergência social, nomeadamente, alimentar, de saúde, habitacional, com casas a abarrotar de gente. A seu ver, esta miserabilidade é potenciadora de fenómenos de violência?Se eu tiver uma sociedade equilibrada, em que se consiga fornecer a todos os membros da comunidade o mínimo de bem-estar e conforto, quem é que pratica ilícitos? Normalmente, apenas os desvios comportamentais, cidadãos que optam por esse caminho. Mas quando a necessidade começa a apertar demasiado… No entanto, não podemos ser redutores na forma como olhamos para estas coisas. Há sítios onde há muitas necessidades e não há muitos problemas e locais onde as necessidades são poucas e os problemas existem – nem sempre há uma relação direta. Mas, em abstrato, a existência de falta de condições, de habitabilidade, de emprego, potencia certo tipo de comportamentos. Há exemplos para os quais devemos olhar, de forma a aprender o que não se deve fazer. Os problemas de violência que se verificam em algumas cidades europeias resultam, em parte, da falta de integração, da guetização das pessoas. O que pode acontecer por culpa da comunidade, que não as quer aceitar, ou por culpa de quem vem, por não se querer integrar. Não se pode fingir que os problemas não existem.

Qual o diagnóstico atual que faz, em termos de segurança pública, de Beja?Em termos policiais, a cidade é uma das mais seguras do País. Conheço as realidades das outras capitais de distrito e posso assegurar que Beja estará, em termos de segurança pública, em primeiro ou segundo lugar. Independentemente destes pequenos casos registados.

Chegou ao Comando Distrital de Beja da PSP no início de 2017. Como evoluiu a cidade em termos de segurança pública ao longo destes seis anos?Na área de influência da PSP, nomeadamente, a parte urbana da cidade de Beja, o número de ocorrências manteve-se muito semelhante em todos estes anos. Em termos gerais, as oscilações têm sido sempre pequenas.

Mas é do domínio público a existência de um sentimento de insegurança manifestado, ultimamente, pelos cidadãos bejenses…Aquilo que as pessoas sentem é algo que eu não consigo controlar. Houve uma altura, não há muito tempo, que nas redes socais se alertava para a existência, em Beja, de pessoas a tentar roubar crianças, junto às escolas, para tráfico humano, e raparigas que andavam a ser perseguidas e violadas. E depois entra tudo em pânico. O que tenho de tentar fazer é minimizar esse sentimento, com a nossa presença, mantendo agentes na rua, nas zonas onde existem maiores aglomerados, onde existe maior probabilidade de existir alguma situação de violência. Para bem de todos nós, devemos contrariar essa perceção de insegurança, porque não é real.

O “ouvi dizer” pode ser contraproducente, enganador?Muito. Porque potencia o sentimento de insegurança. Infe-lizmente, a nossa sociedade, hoje em dia, só está atenta a soundbites, especialmente vindos das redes sociais, que são o maior canal de desinformação que existe. A maioria das pessoas não lê um conteúdo. E, depois, regressam ao “quarto escuro”, onde se inventam medos. Não podemos ser hipócritas ao ponto de dizer que não se passa nada. Claro que se passa. Nas cidades há sempre furtos, roubos, tráfico de droga, agressões entre pessoas, isso nunca vai mudar, faz parte da natureza das sociedades. É uma ilusão pensar uma cidade utópica, onde não há crime. Mas o facto de existirem conflitos não quer dizer que haja insegurança.

Estes episódios de violência relatados foram, inclusive, debatidos na última reunião de câmara, a 18 de outubro, considerando o presidente do município a possibilidade de convocar um conselho municipal de segurança extraordinário. Considera que, perante as situações vividas, esta medida se revela adequada e urgente? Não tenho de considerar. A convocação do conselho municipal de segurança, da qual fazem parte uma série de organismos, PSP incluída, compete ao presidente da autarquia.

Qual é a atividade criminal que, na cidade de Beja, mais o preocupa?Todos os crimes me preocupam, todos são merecedores da nossa maior atenção. Contudo, há crimes, como os roubos ou o tráfico de droga, que podemos combater diretamente, na raiz do problema. Esta questão dos crimes contra as pessoas, ofensas, injúrias, é imprevisível e só a posso trabalhar através de uma ação meramente preventiva, através da nossa presença, esperando que as pessoas respeitem a “farda” que ali está.

Para essas duas ações policiais, de presença dissuasora e de combate direto ao crime, tem a PSP de Beja o efetivo necessário?Queremos sempre mais. Mais polícias, mais viaturas, mais tudo. Mas, nem sempre o ter mais tudo é solução para o problema. Eu tenho os meios possíveis. Não são muitos, nem são poucos, e faço o possível com aquilo que tenho. Embora considere que em determinados locais, a determinados horários, a presença da polícia seja importante, não é a quantidade de polícias que está na rua que resolve todos os problemas. Não é possível ter 10 milhões de polícias.

Quais os principais desafios que, atualmente, enfrenta em Beja?Neste momento, para além dos desafios óbvios, inerentes à profissão, de combate ao crime, ao tráfico de droga, ao roubo, de manutenção da ordem pública, a nossa maior luta é conseguir contrariar o sentimento de insegurança, que não é real. O grande desafio é levar os cidadãos de Beja a perceberem que não há motivos para se alarmarem, porque vivem, de facto, numa cidade segura. Claro que há criminalidade, mas a que existe não é alarmante, nem de perto, nem de longe. Temos tentado contrariar esse sentimento de insegurança com uma presença mais assídua na rua. É a única forma.

Entrou em vigor, dia 1 de outubro, a nova lei da droga que, genericamente, descriminaliza as drogas sintéticas e faz uma nova distinção entre tráfico e consumo. Como perspetiva esta nova lei, no âmbito do trabalho da PSP de Beja de combate ao tráfico? Não faço futurologia. As leis são opções. Eu, como polícia, limito-me a fazê-las cumprir, da forma como me é pedido, e a tentar resolver os “estilhaços” provocados por algumas. É mais uma lei, à qual vamos adaptar a nossa metodologia ao que é legalmente exigido.

Prevê que esta lei possa provocar alguns “estilhaços”?Só o tempo o dirá. Há 40 anos a prostituição era um crime. Por decreto deixou de o ser. Mas levei com os “estilhaços” dessa lei, com os cidadãos a telefonaram à polícia por causa do corrupio de gente a subir e a descer as escadas do prédio. E a polícia faz o quê? Tudo o que não é crime é permitido. A fulana ou o fulano é livre de receber em casa a quantidade de pessoas que bem entender…

O Governo reforçou, recentemente, o sancionamento das agressões às forças da autoridade, o que permite que os tribunais apliquem pena de prisão efetiva aos agressores. Como comenta esta alteração?As agressões a polícias não vão diminuir só pela entrada em vigor desta lei. Não é com uma lei que o desrespeito pelas instituições se corrige. Se eu educo mal o meu filho e não lhe incuto valores de respeito e urbanidade, do que é que me serve eu ter um polícia na escola se o miúdo não tem respeito pelo professor e lhe bate. A falta de respeito pelas forças de segurança não se corrige apenas aumentado a pena. É uma ferramenta, mas não é a solução. O respeito que devemos ter uns pelos outros não se transmite por decreto.

Como gostaria de classificar a cidade, no dia em que entregar o comando da PSP de Beja a um colega seu? Uma cidade segura, tal como é hoje. Com certeza que “atrás de mim virá quem melhor fará”, pois este trabalho nunca está completo. As urbes são corpos vivos, que todos os dias mudam. A nossa função é acompanhar essa dinâmica, tentando proporcionar aos cidadãos o maior conforto possível.

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