Diário do Alentejo

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02 de novembro 2023 - 14:46
Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2 assinala no domingo, dia 5, sete anos
Foto| Ricardo ZambujoFoto| Ricardo Zambujo

Seja de mota, carro, bicicleta ou a pé, a Estrada Nacional 2, que liga Chaves a Faro, é hoje uma das grandes ofertas turísticas que atrai centenas de visitantes, estrangeiros e nacionais, às paisagens do interior do País. A propósito do 7.º aniversário da Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2, o “Diário do Alentejo” percorreu os quatro concelhos do Baixo Alentejo que a integram para um balanço da sua atual situação.

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

“Repleta de misticismo, de património material e imaterial e de características singulares, a Rota da Estrada Nacional 2 é a maneira mais pura de conhecer Portugal, a sua diversidade, cultura, paisagem, demografia, gastronomia e património, reconhecidos mundialmente. A história da estrada confunde-se com a história de muitos de nós, pelas mais diversas e curiosas razões. Quem não contornou carros, jogou à bola ou ao pião, ou simplesmente assentou o pé descalço neste chão? Quem não olhou o infinito das retas, ou espreitou uma curva, sonhando com o que poderia vir? A Nacional 2 é Portugal”. É desta forma que a Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional (EN2) tem apresentando o mítico percurso a quem, nos últimos sete anos, tem mostrado intenção de o conhecer.

 

Com uma distância de 738,5 quilómetros, atravessa de norte a sul o País, passando por 36 concelhos do interior. No distrito de Beja, a EN2 cruza os municípios de Ferreira do Alentejo, Aljustrel, Castro Verde e Almodôvar e desde 2016, ano em que foi constituída a associação, que é a “menina dos olhos” de quem recebe e de quem visita.

No hotel O Gato, ao quilómetro 582, o primeiro estabelecimento com o carimbo oficial da estrada quando se entra no Baixo Alentejo, em Odivelas, no concelho de Ferreira do Alentejo, o movimento da EN2 sempre se fez sentir.

“A verdade é que a estrada sempre foi mexida, mas com a rota passou a ser mais. [Agora] vêem-se mais autocaravanas e turistas portugueses, vêm meter os autocolantes no marco e carimbar [o passaporte da EN2] e há sempre quem fique para comer ou dormir”, refere, ao “Diário do Alentejo”, Adriana Destapado, funcionária do hotel.

Na sede de concelho, no posto de turismo de Ferreira do Alentejo, a sensação é semelhante. Nos últimos anos, segundo a técnica de turismo Ana Rita Brôa, o número de turistas que pernoitam na vila tem aumentado de ano para ano e em diferentes épocas, tendo-se, por exemplo, registado há dois anos “um crescimento exponencial de 639 por cento” com “um mês de agosto com quase 700 pessoas”.

“A N2 tem tido muita importância. Ela veio realmente fazer com que Ferreira ressurgisse, veio trazer algum movimento à nossa economia local, nomeadamente, ao alojamento, à restauração [e ao aparecimento] de novos negócios com os nossos artesãos. Podemos dizer [agora] que Ferreira, realmente, tem turistas e não apenas visitantes, [ou seja] temos aqueles que pernoitam, que vêm à procura da gastronomia, da identidade, dos nossos patrimónios e de alguma experiência”, explica.

O mesmo tem notado Maria Emília Gama, funcionária do café Aliança, ao quilómetro 619, em Aljustrel. Desde que a rota começou a ser valorizada o número de turistas que procuram o estabelecimento onde trabalha, “para uma refeição rápida”, aumentou, porém, acredita que a Vila Mineira continua a ter lacunas quanto à oferta disponibilizada a quem a visita.

“Creio que [a N2] é bom para tudo. Há muita gente que faz a rota seguida, mas há também quem vá parando e conhecendo as localidades. Fazem-nos muitas perguntas, porque a maioria desconhece que Aljustrel é uma terra mineira, que tem polos atrativos e que podem visitar as minas. O problema que se coloca depois é a falta de alojamento e de restauração, porque o hotel tem preços altos e está quase sempre cheio e as duas residenciais não dão resposta, porque vem muita gente de fora. Acabamos por ter um turista de passagem”, esclarece, acrescentando que a pandemia da covid-19 veio piorar a situação.

Também o funcionário da loja N2 Bike, Luís Galhano, assume tal paradigma em Castro Verde. Do que lhe chega dos visitantes, que param frequentemente no estabelecimento do seu filho para reparar um ou outro pneu ou corrente da bicicleta que trazem, “há algumas gafes” que têm de ser corrigidas para que a N2 continue a ser atrativa. “A N2 é uma marca que vende enquanto produto turístico, [mas] tem algumas gafes e ainda há muito para explorar. O feedback que os turistas nos dão é que o local físico de Castro Verde/ /Aljustrel é um último ponto de paragem antes de efetuarem o trajeto final e que a hotelaria em si é pouca, porque [normalmente] vêm grupos grandes e há pouca oferta”, afirma.

A mesma opinião é partilhada pelo segundo comandante dos Bombeiros Voluntários de Almodôvar, António Emídio. O quartel, ao quilómetro 663, é o último ponto de carimbo no Alentejo antes de se entrar pela serra algarvia. A particularidade de o comércio local, e por vezes o posto de turismo, fechar durante os fins de semana, “principalmente, aos sábados à tarde e ao domingo”, fez com que a corporação sentisse a necessidade de se tornar também ponto de carimbo para “obrigar” os turistas a pararem em Almodôvar.

“Temos turistas de passagem. Normalmente, param para comer, mas pernoitar não, porque já estão no fim [da rota] e entre dormir aqui ou chegar lá abaixo [a Faro] passado uma hora, eles escolhem a segunda opção. [Então], como há essas faltas de onde carimbar, durante o fim de semana, e nós estamos abertos 24 horas, as pessoas vêm à procura do carimbo, falam do percurso, pedem indicações e seguem”, realça, afirmando de seguida que, ainda assim, é cada vez mais notória a sua procura.

 

“A COVID FEZ COM QUE OS PORTUGUESES CONHECESSEM O PAÍS”

Ao longo da “espinha dorsal” de curvas e contracurvas dos cerca de 75 quilómetros entre os quatro concelhos baixo-alentejanos a perceção quanto ao tipo de turista que, atualmente, percorre a Estrada Nacional 2, é similar. Na sua maioria, e após a pandemia, o perfil do viajante passou de “estrangeiros”, normalmente, franceses e espanhóis, para portugueses de várias faixas etárias, aparecendo “cada vez mais famílias”.

“Posso dizer que sou muito grata à covid, porque esta fez com que os portugueses conhecessem o [seu] País. O grande feedback que temos de quem nos visita é que não conhecia Portugal, viajavam tanto para o estrangeiro e esta linha dos 738 quilómetros [da N2] estavam esquecidos”, comenta Ana Rita Brôa.

Assim, ainda que continue a aumentar o número de turistas de outras nacionalidades, o boom nos últimos anos tem sido de jovens, até aos 25 anos, em motas, de famílias, em carros, e de seniores, em geral, reformados, a partir dos 55 anos, em autocaravanas. Na sua generalidade, os meses de abril, maio, junho, julho e setembro são aqueles que registam maior afluência, contrariamente aos meses de agosto, face às temperaturas altas, e de inverno.

Neste ponto, a Câmara Municipal de Almodôvar, vice-presidente da Associação dos Municípios da Rota da Estrada Nacional 2, segundo o seu presidente, António Bota, garante que este “é um projeto de sucesso” e que “ganhou muito prestígio nos anos 20, 21 e 22”.

“Não tenho dúvidas de que a covid ajudou a que o turismo nacional crescesse e hoje temos a Rota Nacional 2 conhecida pelo País inteiro. Cada concelho dentro desta rota deve contribuir para o conjunto, [porque] se cada um cumprir a sua parte esta fica em si mais rica, de Chaves a Faro. [Porém], ainda há um trabalho gigante a fazer-se”, afirma. Trabalho esse que, além da organização da associação, deve contar com o contributo dos 35 municípios envolvidos – a N2, fisicamente, abrange 36 concelhos, contudo, para Alcácer do Sal, no distrito de Setúbal, a mesma “não lhe diz nada”, face à sua distância da cidade e, por isso, não faz parte da associação – e por toda a população.

 

“O BALANÇO É POSITIVO, MAS AINDA FALTA FAZER MUITA COISA”

No próximo domingo, dia 5, a Associação dos Municípios da Rota da Estrada Nacional 2 assinala sete anos. Desde 2016 que, na sua génese, se debate com a “tentativa de promover o turismo no interior” e usar a “mais-valia” da N2 como polos de atração turísticos e comerciais.

“Tentar que cada concelho faça o seu bocadinho de maneira a segurar aqueles que andam na rota, [porque] uma coisa é uma mota ou um carro passar num concelho, tirar uma foto na placa e continuar, e outra é parar, almoçar, jantar e ficar no hotel”, assegura António Bota. E acrescenta: “A nossa intenção é precisamente promover a diversidade gigante que temos ao longo da N2 para que as pessoas tirem uma semana de férias e que nesse tempo visitem 14, 15 ou 16 concelhos e depois, no ano seguinte, tirem outra semana para conhecer outros 14, 15 ou 16”.

A ideia da criação do Passaporte EN2, que no Alentejo só pode ser adquirido no posto de turismo de Montemor-o-Novo, vai precisamente ao encontro desse propósito. O ato de carimbar, segundo o presidente da Câmara de Almodôvar, deveria estar ligado ao de conhecer a cultura, a gastronomia, a história e a arte de cada concelho do interior, contudo, ainda se tem de continuar a desenvolver essa tarefa. Para António Bota, além da falta de sinalética indicativa fora e dentro dos municípios, da responsabilidade do Governo, há ainda necessidade de envolver as agências de viagem enquanto promotores turísticos da rota e de criar um livro descritivo e detalhado do que cada paragem tem para oferecer.

“Falta fazer esse trabalho, um trabalho digital, para que as pessoas não venham às cegas, para que tenham razões muito fortes para parar e visitar cada concelho. Por isso, cada um de nós tem de contribuir ainda com muita coisa para que esta rota fique impossível de resistir, para que quem não goste de museus, tenha grutas, gastronomia ou [percursos] de BTT [à sua disposição] ”, garante.

“A N2 é como um menino que nós temos, porque veio trazer importância aos territórios e tirou-nos a ideia de que o turismo é só Algarve, é só sol e mar. Os portugueses, hoje em dia, têm consciência de que precisam de outro tipo de férias e que Portugal tem muito para oferecer”, remata Ana Rita Brôa.

 

NÃO É FÁCIL SER PONTO DE CARIMBO

À semelhança da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Almodôvar, também Maria José Santos, proprietária da taberna Ismael, no Carregueiro, no concelho de Aljustrel, tem tido dificuldade em associar-se como ponto de carimbo da Estrada Nacional 2. A falta de informação disponibilizada pelo município e a complexidade burocrática que envolve tem levado a que a cozinheira pondere em não aderir, uma vez que, “na verdade, também já param cá muitas pessoas por referências de outras”, afirma. Ao “Diário do Alentejo”, o segundo comandante dos Bombeiros Voluntários de Almodôvar, António Emídio, também recordou o demorado percurso de adesão. “Havia muitos turistas que vinham até nós, principalmente, aos fins de semana, na esperança de carimbar os seus passaportes, porque tudo o resto estava fechado e nós achámos que ter carimbo seria uma mais-valia. Tentámos, tentámos, mas foi complicado. Então, decidimos por conta própria mandar fazer o nosso carimbo com o marco 663 e assim contribuir para que parem em Almodôvar, aproveitando sempre para, se quiserem, ajudar a corporação com a compra de alguma lembrança nossa”, conclui. No Baixo Alentejo existem 17 pontos de carimbo.

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