Diário do Alentejo

“No quadro de dificuldades que estamos a viver não excluímos a possibilidade de reforçarmos os apoios municipais”

16 de abril 2023 - 09:00
Marcelo Guerreiro, Vítor Encarnação e Ana Lúcia Pereira olham para o concelho de Ourique em 2023
Fotos | Ricardo ZambujoFotos | Ricardo Zambujo

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou, no dia 1 de janeiro, na tradicional mensagem de Ano Novo, que “2023 pode vir a ser, no mundo, na Europa e em Portugal, o ano mais importante até 2026, se não mesmo até 2030”, e que, assim sendo, Portugal entra em 2023 obrigado “a evitar que seja pior do que 2022”, que “não foi o ano da viragem esperada”. No âmbito deste comunicado, o “Diário do Alentejo” apresenta esta semana o retrato atual do concelho de Ourique, a partir das perspetivas de Marcelo Guerreiro, presidente da câmara municipal, de Vítor Encarnação, escritor e professor do Agrupamento de Escolas de Ourique, e de Ana Lúcia, terapeuta ocupacional da associação Nossa Terra.

 

Texto José Serrano

 

O presidente da Câmara Municipal de Ourique crê que 2023 poderá ser um ano revelante para o concelho, tendo em conta o conjunto de infraestruturas que se encontram em curso e projetadas, nomeadamente o novo centro de saúde – área que representa “uma preocupação central, (…), com a dificuldade de fixação de profissionais no interior” – e o novo centro empresarial de Ourique – “que possibilitará o acolhimento de novos projetos e de antigas expetativas empresariais”.

 

O autarca sublinha os apoios sociais que têm vindo a ser disponibilizados pelo município à população e não exclui o reforço dessa ajuda, em face do “quadro de dificuldades que estamos a viver”. Marcelo Guerreiro acentua a necessidade de fortalecimento da mobilidade rodoviária e ferroviária da região, lamentando a “ausência de apoios comunitários ou nacionais” para a manutenção de estradas municipais e caminhos rurais, frisando a importância da modernização da ferrovia, capaz, entre outras valências, de se constituir como valorizadora do aeroporto de Beja e, este, “como suplemento de resposta ao Aeroporto Internacional Humberto Delgado”.

 

Considera que 2023 deverá ser um ano essencial, no decurso da década, para o desenvolvimento do concelho a que preside?

Se a política fosse feita de varinhas mágicas, recursos ilimitados, ausência de processos burocráticos, e se controlássemos todas as variantes, podíamo-nos dar ao luxo de ter este nível de certezas em relação a um ano concreto. A verdade é que as variantes que não controlamos são muitas e tudo obedece a um processo, mesmo quando há vontade política e recursos financeiros. No entanto, em Ourique, acreditamos que este pode ser um ano decisivo para o novo centro de saúde, para a conclusão da requalificação da EB2,3/S de Ourique, para o projeto do novo centro empresarial de Ourique, para a geração de oferta de habitação a custos acessíveis e para algumas iniciativas privadas com relevante impacto nas dinâmicas do concelho, como é o caso do Hotel da Torre Vã. 2023 será o primeiro ano pós-pandemia de vivência plena, com muitos constrangimentos devido à guerra e à inflação, mas a nossa obrigação é, em cada ano, responder ao presente e lançar novas sementes para o futuro que queremos. Em todas as áreas há riscos e oportunidades, [por isso] continuaremos a trabalhar para mitigar os riscos e agarrar as oportunidades, por Ourique e pelos ouriquenses.

 

Devido a circunstâncias várias, nomeadamente, a guerra na Ucrânia e a elevada taxa de inflação que se verifica nos países da Zona Euro, colocam- se, atualmente, inesperados e agravados problemas sociais e económicos aos territórios e aos cidadãos, se compararmos com 2021, ano em que tomou posse do presente mandato como presidente da Câmara Municipal de Ourique. Face a esta nova conjuntura, quais as novas necessidades surgidas no concelho e de que forma as equaciona colmatar ao longo deste ano de 2023?

 

SAÚDE

Não sendo uma responsabilidade municipal, a saúde é uma preocupação central, sendo o município parte da construção de soluções. É assim na geração de condições para que os cidadãos tenham acesso aos cuidados de saúde, com a dificuldade nacional de fixação de profissionais no interior. É assim com o projeto da construção do novo centro de saúde, finalmente com propostas apresentadas no âmbito do concurso público da sua empreitada, depois de reforçados os montantes financeiros disponíveis. A pandemia somou novas dificuldades às respostas do Serviço Nacional de Saúde, já confrontado com o envelhecimento da população e um conjunto de novas necessidades, da prevenção à saúde mental.

 

ÁREA SOCIAL

Ourique é um dos municípios que mais apoios sociais disponibiliza, no País, para crianças, jovens, famílias e população sénior. É um compromisso que assumimos, para gerar melhores condições de vida e coesão social. O quadro de dificuldades que estamos a viver, por via da guerra e da inflação, fazem com que mantenhamos uma grande atenção e proximidade às pessoas e aos territórios, não sendo de excluir a possibilidade de reforçar os apoios municipais, complementando as iniciativas do Governo e do trabalho do setor social, sem perder o sentido de equilíbrio das contas do município. As pessoas são uma prioridade central, agora ainda mais.

 

HABITAÇÃO

Estamos a trabalhar para gerar alguma oferta de habitação a custos acessíveis, no âmbito de programas nacionais, em imóveis do município. Temos noção de que este é um desafio muito importante para a fixação de população, quando vamos ter maiores necessidades de mão-de-obra para os projetos de iniciativa privada em curso e na expetativa da ligação da barragem do Roxo à barragem do Monte da Rocha. Estaremos atentos a oportunidades que surjam, em função das disponibilidades de financiamento público, e à iniciativa privada.

 

ENERGIA

A transição energética é um dos grandes desafios do nosso tempo. A eficiência energética tem de estar presente nas nossas preocupações e nas opções de gestão das infraestruturas. Continuaremos a melhorá-la e a defender a importância de haver mais apoios, para que o mundo rural possa ter melhor acesso às energias renováveis, a preços de produção mais baixos. As energias renováveis são bem-vindas no concelho, embora sejam geradoras de poucas oportunidades de trabalho e tenhamos de manter equilíbrios e sustentabilidade ambiental com o nosso ecossistema do montado e a sua biodiversidade.

 

ACESSIBILIDADES

O município de Ourique tem mantido a defesa do reforço da mobilidade rodoviária e ferroviária. Em termos rodoviários, temos reafirmado junto do Governo a necessidade de melhorar as condições de segurança do IC1 e das estradas nacionais que atravessam o concelho, em especial, as utilizadas na ligação entre os polos habitacionais e no acesso alternativo ao porto de Sines. Mantemos igualmente uma preocupação com a ausência de apoios comunitários ou nacionais para a manutenção das estradas municipais e dos caminhos rurais, fundamentais para as dinâmicas do nosso mundo rural e para a concretização do seu potencial produtivo. Em termos ferroviários, tendo em conta os planos, sublinhamos e valorizamos o esforço de eletrificação da linha que faz a ligação entre Beja e Lisboa – que melhorará o transporte de passageiros e que defende um pleno aproveitamento da infraestrutura aeroportuária de Beja como suplemento de resposta ao Aeroporto Internacional Humberto Delgado, com apoio ferroviário de ligação –, focado na defesa dos pilares fundamentais da oferta ferroviária do território. Nomeadamente, a manutenção da oferta de serviços de transporte de passageiros disponíveis na estação da Funcheira, na ligação a Lisboa e ao Algarve, com alta velocidade e outros tipos de oferta; a reabertura da linha do Alentejo entre Funcheira e Beja para o transporte de passageiros e de mercadorias, neste caso em redundância de acesso a Sines; a eletrificação da linha do Alentejo entre a Estação da Funcheira e Beja. No que diz respeito às responsabilidades municipais, mantemos, de forma sustentada, um conjunto de intervenções permanentes no espaço público, nas estradas municipais e nos caminhos rurais, em função das disponibilidades e das empreitadas contratadas, para melhorar as condições de utilização, de usufruto e de vivência pela comunidade.

 

AMBIENTE

O município, em articulação com as Águas do Alentejo e a Resialentejo, tem concretizado um conjunto de investimentos e projetos orientados para a sustentabilidade, para o cumprimento das metas ambientais do País e para a valorização do meio ambiente, em ecossistemas como o do montado, fundamental para a fileira do porco alentejano e para a nossa identidade paisagística. Continuaremos a apostar nestas áreas da sustentabilidade, onde se inclui o uso eficiente da água, nas suas diversas utilizações, com sentido de futuro. É com orgulho que vemos Ourique, graças à responsabilidade dos ouriquenses, liderar o campeonato da reciclagem da Resialentejo. O caminho faz-se caminhando, procurando novos equilíbrios, que é o que teremos de fazer, também, na eventualidade de termos a água do Alqueva disponível na barragem do Monte da Rocha.

 

EDUCAÇÃO

A educação é um pilar importante do investimento municipal. Investir no processo de aprendizagem das nossas crianças e jovens é fundamental para apoiar as famílias, gerar melhores oportunidades de realização e contribuir para a fixação da população. É por isso que mantemos um forte compromisso com a comunidade educativa, com intervenções de requalificação dos espaços, como a Escola EB2,3/S de Ourique, e um apoio permanente às atividades letivas e não letivas. Há muito que assumimos competências descentralizadas na área da Educação, porque quem está mais próximo consegue gerir melhor e contribuir para melhores condições de aprendizagem.

 

EMPREGO

O emprego é um pressuposto importante para a fixação de população e para gerar novas oportunidades de realização pessoal e profissional. É por isso que mantemos uma forte atenção e proximidade a novos projetos, públicos e privados, que possam ser geradores de mais oportunidades de emprego. É esse o sentido de apoio à fileira do porco alentejano, ao comércio tradicional e à transformação da produção rural. Queremos ampliar o apoio que temos concretizado com novos projetos turísticos, empresariais e de valorização do potencial rural. Esta é uma área de grande preocupação, que está na base do projeto de criação do Centro Empresarial de Ourique, que está a ser desenvolvido.

 

INVESTIMENTO EMPRESARIAL

O investimento privado é bem-vindo a Ourique. O município coloca-se sempre do lado da construção de soluções num território rural, onde os constrangimentos de ordenamento do território não podem ser impedimento para projetos equilibrados, sustentáveis, geradores de emprego e de valor. É isso que temos feito e continuaremos a fazer, ao lado de quem quer investir na nossa terra, como acontece com o Hotel da Torre Vã, a fábrica Cânhamor e outros projetos em curso ou em construção, num caminho de compromisso com o futuro que começámos com a Montaraz, num quadro de dificuldades burocráticas e judiciais criadas por terceiros. É também esse o sentido do investimento municipal na aquisição de um terreno e no desenvolvimento do projeto do novo Centro Empresarial de Ourique, que possibilitará o acolhimento de novos projetos e de antigas expetativas empresariais.

 

CULTURA

As tradições comunitárias, o património histórico, as marcas de identidade e a diversidade criativa são pilares importantes da construção de um conjunto de dinâmicas culturais. O nosso compromisso com o património, com as tradições, mantém-se firme quando assumimos responsabilidades acrescidas de gestão no Castro da Cola, quando concretizamos uma oferta cultural diversificada no Cineteatro Sousa Telles, integrado na rede nacional de espaços culturais, ou quando apoiamos a criação de um grupo infantil de cante alentejano, já apresentado durante a Feira do Porco Alentejano. Manteremos esse compromisso com a tradição e com as novas expressões culturais, no quadro do nosso particular contexto rural, com a ambição de reforçar as nossas marcas de identidade. Como sempre temos dito, confrontamo-nos com problemas estruturais resultantes de dinâmicas supramunicipais, nacionais e europeias, necessidades presentes resultantes do contexto que vivemos. Confrontamo-nos com desafios em relação ao futuro e a todos procuraremos responder com resiliência, ambição responsável e sentido de equilíbrio das contas municipais para manter a capacidade de agarrar todas as oportunidades que existam. É o que temos procurado fazer, com momentos de grande afirmação da identidade e do potencial da nossa fileira do porco alentejano, como aconteceu com a Feira [do Porco Alentejano] que realizámos e como acontecerá [em maio] na Feira de Garvão. O município de Ourique posiciona-se do lado da solução, do compromisso, da construção de respostas para as necessidades e ambições de uma população e de um território rural determinados a gerar novos futuros.

 

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Foto | Marcelo Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de Ourique

 

OUTRAS PERSPETIVAS SOBRE O CONCELHO DE OURIQUE

OS OLHARES DE VÍTOR ENCARNAÇÃO, ESCRITOR E PROFESSOR DE INGLÊS E DE ALEMÃO, NA ESCOLA EB2,3/S DE OURIQUE, E ANA LÚCIA PEREIRA, TERAPEUTA OCUPACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NOSSA TERRA

 

Vítor Encarnação, considerando que a grande debilidade do concelho, à semelhança do que acontece na maioria da região do Alentejo, é a contínua perda de população, rejeita a utilidade do proverbio ‘só faz falta quem está’ e imagina como seria distinto o desenvolvimento da região, caso esta conseguisse preservar o seu mais dotado capital humano. Ana Lúcia Pereira, por sua vez, referindo “as graves fragilidades” dos indicadores sociais e económicos do território, frisa o “trabalho notório”, da instituição particular de solidariedade social a que pertence, na persecução da “melhoria da saúde física e mental da população mais fragilizada do concelho”, sem no entanto, deixar de referir a existência de “alguma instabilidade orçamental”, consequente do cenário inflacionário que atualmente se nos apresenta.

 

“TÃO OU MAIS IMPORTANTE DO QUE DATAS, DINHEIROS OU CONSTRUÇÕES, É A SISTEMÁTICA PREOCUPAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PODER LOCAL COM AS SUAS POPULAÇÕES”

Para Vítor Encarnação, escritor e professor de inglês e de alemão, na Escola EB2,3/S de Ourique, o retrato atual do concelho “não será muito diferente” dos restantes do Baixo Alentejo, registando o território a contínua perda de habitantes, uma fraca densidade populacional, um índice de envelhecimento elevado e uma proporção de jovens muito baixa em relação ao número de adultos.

 

“Falta a base de qualquer comunidade, que são as pessoas – sem elas, enquanto seres procriadores, interventivos, reivindicadores, consumidores, as estruturas familiares, comunitárias, políticas e económicas tornam-se mais fracas”, frisa.

 

Sendo que cada terra “é o resultado das suas dinâmicas sociais, culturais, desportivas, associativas, científicas, económicas e políticas” e que as comunidades “dependem sempre e muito da soma das qualidades das pessoas que nelas vivem ou com elas interagem”, Vítor Encarnação contraria a exatidão do aforismo popular “só faz falta quem está”, considerando-o “um erro de avaliação”, quando aplicado a este contexto.

 

“É evidente que devemos louvar aqueles que gerem cada comunidade e mantêm viva a identidade local”, contudo, “tal não invalida que não possamos pensar em como seria a nossa terra e a nossa comunidade, se aqueles com grandes capacidades cognitivas e conhecimentos técnicos não se fossem embora, se os alunos brilhantes permanecessem, ou ao menos voltassem, e contribuíssem para o nosso desenvolvimento social, cultural, desportivo, associativo, científico, económico e político”.

 

Interrogando-se acerca da proficuidade do debate que regista, “em fóruns de diversa índole”, sobre “se o concelho tem sabido tirar partido da sua privilegiada localização geográfica” e se as conclusões retiradas “se tenham definido ou concretizado em projetos e empreendimentos estruturantes para as gerações futuras”, o professor revela que a sua maior preocupação, referente ao território, se relaciona com a área da saúde, sublinhando que “a construção do novo centro de saúde [de Ourique] tem de vir, obrigatoriamente, associada à existência de médicos comprometidos com a comunidade”.

 

Isto porque, acentua, “o edifício, por si só, por mais moderno e bem equipado que esteja”, nunca será suficiente para colmatar “a inexistência de médicos de família”, situação que “impossibilita o acompanhamento da saúde física e mental e a realização do diagnóstico e de prevenção das doenças, com as consequências que daí advêm para a qualidade de vida das pessoas”.

 

Compondo o retrato que faz do concelho, onde “as várias obras que estão a decorrer têm todas razões lógicas para a sua execução” e cuja marca identitária é hoje, “definitivamente, a Feira do Porco Alentejano”, Vítor Encarnação regista na região a grande procura por “acontecimentos onde o entretenimento reina” e a pouca afluência de público a acontecimentos culturais.

 

Paralelamente, evidencia, “com satisfação”, o gradual “fortalecimento do associativismo e a participação na comunidade, sem que a bandeira partidária seja impeditiva de diálogo, de confraternização ou de partilha”, assinalando, da mesma forma, “a presença crescente das mulheres em cargos de gestão, chefia e organização”.

 

Sobre a contribuição de 2023 para o desenvolvimento do concelho, “por ter sido referido pelo Presidente da República e tendo em conta a aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ”, o professor considera a sua relevância.

 

Não só pela sua efetiva importância para Ourique – “o PRR ajudará a dotar o concelho de um novo centro de saúde” –, mas também pelo simbolismo que lhe está associado, sendo este “o ano do escrutínio da capacidade de decisão, da hombridade, da equidade e da assertividade dos decisores políticos, algo que tem andado arredado destas terras transtaganas”.

 

Não obstante, Vítor Encarnação expõe a importância maior, tanto ou mais do que “datas, dinheiros ou construções”, da necessidade de uma “sistemática preocupação” dos órgãos do poder local com as suas populações – “é aqui, na base do edifício social e económico que a realidade acontece. Somos nós, cidadãos, que sabemos quais os sonhos e os desejos que nos animam, os caminhos que queremos trilhar, as razões nos assistem. Pertencemos, logo existimos”.

 

Acerca das que considera serem as maiores necessidades sentidas, atualmente, no território, o colaborador do “Diário do Alentejo” refere a importância que teria para a região de Ourique a ligação de “Alqueva à barragem do Monte da Rocha. Será esta “a obra mais importante para este concelho e concelhos limítrofes, no abastecimento de água às populações e à agricultura”, revelando-se, também, emocionalmente crucial – “ver a barragem, tal como está agora, entristece, profundamente, qualquer ouriquense. A barragem sempre foi um motivo de orgulho e ver o poço a descarregar enche-nos de felicidade e de conforto”.

 

Um outro carecimento sentido por Vítor Encarnação, relativamente ao território, “tem a ver com a ausência de rumo” do aeroporto de Beja, considerando que, “por uma questão de respeito e por princípios e direitos constitucionais, já era altura de alguém com responsabilidades no poder central dizer a esta região o que é e para que serve” a infraestrutura.

 

Uma “indefinição”, que, na sua perspetiva, “cria especulação, fragiliza a nossa confiança, impede o nosso desenvolvimento, afronta os alentejanos e ofende, ou deveria ofender, os políticos locais e regionais”.

 

Para o professor, que anseia também, “por questões profissionais e no interesse de toda a comunidade”, pela conclusão das obras da Escola EB2,3/S de Ourique, as necessidades que elenca só poderão vir a ser ultrapassadas se existirem políticas direcionadas para colmatar esses mesmos carecimentos, condição que, no território está subjacente ao que considera ser um problema de base: “A vontade política alimenta-se do poder dos votos, fortalece-se nas respostas que vão sendo dadas às reivindicações dos votantes e reforça-se com a manutenção desses votos. Tudo tem a ver com uma questão de números e esse é o problema fulcral do Alentejo – poucos votantes significam poucos representantes da região nos órgãos de decisão. Logo, os votos, porque são poucos, têm pouco poder e não alimentam ninguém, as reivindicações ganham pouca ou nenhuma importância e manter os votos só se torna decisivo para a política local e regional. E essa dimensão, local e regional, não tem chegado para fazermos parte da tão apregoada coesão territorial”.

 

Multimédia1Foto | Vítor Encarnação, escritor e professor de inglês e alemão na Escola Básica 2,3/S de Ourique

 

“CONTRIBUIR PARA O AUMENTO DA DINÂMICA LOCAL, DE FORMA A MELHORAR A VIDA DAS PESSOAS”

A associação Nossa Terra foi criada em 2009 por um grupo de jovens naturais da Aldeia de Palheiros, localidade onde a instituição particular de solidariedade social (IPSS) está sediada, com o intuito de “contribuir para o aumento da dinâmica local, de forma a melhorar a vida das pessoas e a aumentar a sustentabilidade deste território rural com graves fragilidades nos seus indicadores sociais e económicos”.

 

De início, as atividades da associação estavam exclusivamente relacionadas com a dinamização de atividades de animação comunitária, que se mantêm abertas à população em geral – comemorações de datas festivas, organização de festas tradicionais e temáticas, ensaio e dinamização do grupo coral infantil “Os Ceifeirinhos”, caminhadas e aulas de yoga.

 

Contudo, após a continuidade de intervenção local e de contacto com a comunidade, promovidos pela IPSS, foi possível proceder a um mais pormenorizado diagnóstico das necessidades locais, constatando-se “a premência de planificar toda uma estratégia de desenvolvimento, capaz de contribuir para inverter as atuais tendências sociais e económicas”, refere Ana Lúcia Pereira, terapeuta ocupacional da instituição. Por conseguinte foi determinada “uma estratégia de desenvolvimento integrado e sustentável centrada na intervenção com idosos”, da qual surgiu, em 2017, destinada a adultos a partir dos 50 anos, a Universidade Sénior do Concelho de Ourique (USCO), promovida pela Nossa Terra em parceria com o município, com as juntas de freguesia do concelho e com as associações locais.

 

Com o intuito de promover a inclusão e participação social dos seniores, “através da dinamização de atividades de envolvimento intelectual e físico, contribuindo para a aquisição ou atualização de conhecimentos e para a criação e manutenção de relações sociais e culturais”, a USCO apresenta, para além do situado na sede de concelho, oito polos mais – em Santana da Serra, Aldeia de Palheiros, Garvão, Grandaços, Santa Luzia, Panóias, Aldeia Nova da Favela e Conceição.

 

Posteriormente à fundação da universidade e após o contacto regular com os seniores, que possibilitou a verificação de outras necessidades associadas a esta faixa etária, surge o "Con(sigo)", destinado a cidadãos residentes no concelho, a partir dos 65 anos,  identificados a necessitar de auxílio. Este projeto, “que visa um conjunto de serviços de ajuda aos idosos e aos seus familiares/cuidadores informais, integrando serviços em áreas como a saúde, a animação, o acompanhamento e o apoio na realização de tarefas, reforça e diversifica a intervenção social local, gerando impactos positivos nos idosos ao nível da sua autonomia, melhoria da qualidade de vida e inclusão social”.

 

Assim, os beneficiários do "Con(sigo)" usufruem, através de uma equipa técnica qualificada, de terapias especializadas, em áreas como psicologia clínica, terapia ocupacional, fisioterapia, nutrição, serviço social ou  animação; de equipamentos de teleassistência e linha de apoio que permitem a monitorização e acompanhamento 24 horas por dia; do auxílio na gestão de atividades diárias como higiene pessoal e da habitação, das compras, nas idas ao centro de saúde/consultas, à prática de exercício físico, do aconselhamento, apoio e acompanhamento a idosos, cuidadores e família.

 

Este conjunto de atividades que a associação Nossa Terra promove e as valências sociais que possibilita são, de acordo com Ana Lúcia Pereira, de extrema importância para a comunidade: “Consideramos que fazemos um trabalho notório, focado nas necessidades e dificuldades individuais de cada sénior e família, com vista a uma melhoria da saúde física e mental da população mais fragilizada e isolada do concelho de Ourique.

 

O acompanhamento aos seniores, através da USCO e do "Con(sigo)", permite um alívio da institucionalização dos mais idosos, menos idas ao centro de saúde e mais apoio aos cuidadores e à família, sendo que a interação existente nas atividades de animação comunitária é, também, bastante relevante para a dinâmica local de toda a população envolvente”.

 

Um trabalho que, sublinha, possibilita à população do concelho, particularmente, aos mais idosos, o combate à exclusão social, colmatando as dificuldades subjacentes ao próprio processo de envelhecimento, evitando “situações de completa solidão”, ou de “internamento precoce em instituições de acolhimento – algumas delas desligadas dos processos de participação coletiva, agravando-se, assim, os riscos de saúde relativos à idade e à vulnerabilidade”.

 

Relativamente aos tempos difíceis que hoje se vivem e à forma como as suas consequências poderão influir no normal funcionamento da instituição, Ana Lúcia Pereira é perentória ao afirmar que as atuais circunstâncias influenciam “a dinâmica de todas as associações que intervêm e interagem com a população”.

 

Avança: “A taxa de inflação e a guerra na Ucrânia deixam a comunidade mais ansiosa e preocupada, o que faz com se sinta uma menor afluência e menor participação nas atividades de grupo e individuais. E ao nível financeiro a Nossa Terra ficou com alguma instabilidade orçamental, pois com o aumento dos custos tornou-se mais difícil a gestão dos recursos”, acentua.

 

Para este ano, no âmbito das necessidades que se apresentam à instituição, Ana Lúcia Pereira, afirma que o maior desafio é conseguir “dar resposta a todas as necessidades sentidas pelos beneficiários”, tendo em conta a “elevada procura” dos serviços prestados, mantendo os seus utentes “ativos e saudáveis”, dando-lhes a possibilidade de usufruírem de terapias especializadas e de atividades significativas. “Este é o nosso foco, para 2023”, termina sublinhando, Ana Lúcia Pereira. 

 

Multimédia2Foto | Ana Lúcia Pereira, terapeuta ocupacional da Associação Nossa Terra

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