Diário do Alentejo

“Procuramos dar respostas que garantam a dignidade das pessoas e a disponibilização de apoios sociais a que têm direito”

08 de abril 2023 - 12:00
Helder Guerreiro, Sara Serrão, Dora Guerreiro e Teresa Barradas olham para o concelho de Odemira em 2023
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou, no dia 1 de janeiro, na tradicional mensagem de Ano Novo, que “2023 pode vir a ser, no mundo, na Europa e em Portugal, o ano mais importante até 2026, se não mesmo até 2030”, e que, assim sendo, Portugal entra em 2023 obrigado “a evitar que seja pior do que 2022”, que “não foi o ano da viragem esperada”. No âmbito deste comunicado, o “Diário do Alentejo” apresenta nesta semana o retrato atual do concelho de Odemira, a partir das perspetivas de Hélder Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de Odemira, de Sara Serrão, membro do movimento de cidadãos Juntos pelo Sudoeste, e de Dora Guerreiro e Teresa Barradas, respetivamente, presidente e vice-presidente da Taipa – Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Integrado do Concelho de Odemira.

 

Texto José Serrano

 

O presidente da Câmara de Odemira, manifestando a imprescindibilidade de toda a população, do “vasto território”, poder aceder a cuidados de saúde, revela a requalificação, em curso, de extensões de saúde em algumas das freguesias, bem como a tomada de medidas que possibilitem a fixação, no concelho, de profissionais da área. O autarca acentua os “inequívocos” reflexos que a inflação e as taxas de juro têm tido sobre os munícipes e anuncia, no sentido de os colmatar, um conjunto de ações junto das famílias. Hélder Guerreiro, expondo o acentuado crescimento de população estrangeira residente no concelho, considera necessária a tomada de providências tendo em vista o processo de integração, de que a instalação de alojamento de trabalhadores agrícolas ou o ensino da língua portuguesa são exemplo.

 

Considera que 2023 deverá ser um ano essencial, no decurso da década, para o desenvolvimento do concelho a que preside?

O ano de 2023 é, claramente, um ano central para o que poderemos esperar nos próximos anos. Localmente, para além de ser um ano fundamental nas decisões sobre o futuro do uso da água (foi assinado, recentemente, o pacto para o uso sustentável da água no concelho de Odemira) e da habitação (primeiras IATA [instalação de alojamento de trabalhadores agrícolas] a funcionar legalmente e um novo pacote de oferta de habitação), teremos o lançamento de projetos e obras que significam a concretização da estratégia política que definimos para o concelho e que terão enquadramento no âmbito do próximo período de programação do Portugal 2030.

 

Devido a circunstâncias várias, nomeadamente, a guerra na Ucrânia e a elevada taxa de inflação que se verifica nos países da Zona Euro, colocam-se, atualmente, inesperados e agravados problemas sociais e económicos aos territórios e aos cidadãos, se compararmos com 2021, ano em que tomou posse como presidente da Câmara Municipal de Odemira. Face a esta nova conjuntura, quais as novas necessidades surgidas no concelho e de que forma as equaciona colmatar ao longo deste ano de 2023?

 

SAÚDE

Consideramos que as condições e acesso à saúde têm de ser uma realidade para toda a população deste vasto território. Temo-nos constituído como um parceiro da Ulsla (Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano), garantindo que a reabilitação das extensões de saúde de São Luís e São Martinho das Amoreiras seja uma realidade a inaugurar brevemente e que a ampliação, com requalificação, da extensão de saúde de Sabóia esteja já em curso. Igualmente em curso está o concurso de empreitada para a construção da nova extensão de saúde de Vila Nova de Milfontes, em terreno cedido pela autarquia, que contou com projeto de arquitetura e acessibilidades elaborados pelos serviços municipais. Com expectativa, aguardamos, no decorrer deste primeiro semestre, a finalização do projeto da nova urgência do Centro de Saúde de Odemira, que conta com financiamento garantido do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Queremos que o território seja atrativo para que mais profissionais de saúde concorram para as vagas disponíveis no concelho e, para tal, disponibilizámos duas habitações em Odemira para profissionais de saúde, em regime de contrato de comodato, contribuindo para uma redução dos encargos mensais destes profissionais. Nesta área, temos tido uma forte relação de proximidade, aos níveis sub-regional e local, garantindo sempre um apoio incondicional na melhoria das condições de oferta da saúde a todos os munícipes. Com base no bom trabalho de articulação de todos os órgãos municipais, 2023 permitirá uma identificação clara do tipo de serviços e do tipo de equipamentos [necessários], que resultará num investimento conjunto no sentido de prestar um melhor serviço, num território com forte distanciamento aos serviços centrais no âmbito da saúde pública. Importa ter condições de atratividade para que novos médicos queiram, com segurança e com perspetivas de trabalho inovador, vir e ficar em Odemira.

 

ÁREA SOCIAL

Desde que assumimos, em junho de 2022, as novas competências do Estado na área da ação social, tem sido um período de aprendizagem e de enorme exigência para o município. A proximidade obriga-nos a uma atuação célere ao conjunto mais diverso de solicitações que nos chegam diariamente e para as quais procuramos dar respostas que garantam a dignidade das pessoas e a disponibilização de apoios sociais a que têm direito. Neste âmbito, a autarquia realizou uma candidatura ao PRR para duas respostas de alojamento, em Colos e em Odemira, no âmbito da Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário, as quais foram aprovadas e comparticipadas a 100 por cento, representando novas respostas em matéria de Centro de Acolhimento Temporário. No campo das respostas sociais, estamos neste momento também a construir o novo Centro de Atividade e Capacitação para a Inclusão para a Associação de Paralisia Cerebral de Odemira – um investimento de 1,5 milhões de euros –, que vem dar uma resposta de elevado valor para o território. O atual contexto social e económico, decorrente da guerra provocada pela Rússia e da inflação, e o aumento das taxas de juro, têm reflexos, inequívocos, na disponibilidade financeira das famílias. Estamos a sentir esses efeitos, tendo inclusive revisto os nossos regulamentos municipais em matéria de critérios de acesso e comparticipações no subsídio de apoio ao arrendamento, programa de melhorias habitacionais e cartão social municipal, com um conjunto alargado de descontos e apoios para que mais pessoas e famílias possam, destes apoios, beneficiar. Acrescido a isto, Odemira é um concelho em que mais de 37 por cento da população é estrangeira, tendo passado [a população estrangeira] de pouco mais de 3000 [em 2011] para 11 000 pessoas, nos últimos censos [2021]. A grande maioria desta população estrangeira é oriunda de países onde a cultura e a língua são um enorme desafio ao processo de integração. É nessa medida que, através do Plano Municipal de Integração de Migrantes, temos desenvolvido um conjunto de ações com entidades parceiras, que visam dotar estes novos residentes de ferramentas e conhecimentos que permitam integrar-se na nossa realidade.

 

HABITAÇÃO

A habitação é uma das nossas prioridades. Neste momento, no cumprimento da estratégia local de habitação, um conjunto de imóveis municipais está em obra, a serem convertidos para habitação, para serem disponibilizados em regimes de arrendamento apoiado e arrendamento acessível. Temos, inclusive, alguns concursos de atribuição em curso e outros já concluídos. A par disso, o município de Odemira está a desenvolver projetos e a contratar especialidades para a construção de novos edifícios habitacionais em várias freguesias. Paralelamente, assinámos recentemente os autos de transferência de património devoluto do Estado e de subconcessão com as Infraestruturas de Portugal (IP). Contamos lançar, ainda neste primeiro semestre, as empreitadas de reabilitação de cinco antigas casas de função do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e de quatro antigas casas de cantoneiros em Amoreiras-Gare. Neste processo, recebemos também a antiga residência de estudantes de Odemira, para a qual estamos a desenvolver o projeto de reconversão, numa resposta de alojamento para funcionários públicos e professores, profissionais de saúde, forças de segurança, entre outros, que se encontrem deslocados e necessitem de alojamento, a título sazonal ou temporário. No âmbito das respostas para primeira habitação, lançámos no início deste ano o segundo concurso de atribuição de lotes municipais para jovens entre os 18 e os 40 anos de idade. São, no total, 50 lotes de terreno, localizados nos vários loteamentos municipais que a autarquia dispõe no concelho. Em matéria de novos loteamentos, nos quais pretendemos, também, construir habitação para disponibilizar em renda acessível, está em curso a empreitada do novo loteamento do Casal Novo, em São Teotónio, e iremos lançar brevemente concurso para o loteamento municipal de Colos. Até ao final do mandato seguir-se-ão a 2.ª fase do bairro 11 de Março (Odemira) e do loteamento municipal do Brejão (São Teotónio) e queremos ainda projetar o novo loteamento de Santa Clara-a-Velha e a 2.ª fase do loteamento municipal do Vale de Santiago. Em processo de regularização e registo encontramo-nos a ultimar os loteamentos do Cruzamento de Almograve, onde a autarquia ficará com alguns lotes para construção, e da Azenha do Mar, no qual iremos lançar uma nova fase de construção de casas. Outro dos grandes projetos em curso é o plano de urbanização de Milfontes norte. A aprovação deste plano, no final de 2022, veio pôr fim a décadas de precariedade e desregulação numa área de fracionamento ilegal da propriedade rústica. Neste momento, estamos a contratar a primeira unidade de execução, localizada no Galeado, e aguardamos, com expectativa, o interesse dos proprietários privados, para desencadear as suas unidades de execução e criar mais oferta de terrenos para construção de habitação nesta freguesia. No âmbito da execução deste plano, o município de Odemira irá, através do 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, construir habitações nesta zona para responder a precariedades. 

 

ENERGIA

Tem sido um dos nossos desígnios procurar desenvolver novos projetos que nos ajudem a ser mais eficientes energeticamente. Considerando as novas linhas de financiamento que irão entrar em vigor, ao nível do Alentejo 2030 e do Fundo para uma Transição Justa, Odemira está já a trabalhar numa lógica de priorizar projetos de investimento que permitam a conversão para soluções ao nível da energia solar em equipamentos municipais, de serviços ou desportivos, para que possamos reduzir a fatura energética.

 

ACESSIBILIDADES

Uma das prioridades deste mandato. Este ano, reservámos mais de dois milhões de euros do nosso orçamento municipal para a rede viária. Fizemos uma avaliação criteriosa das necessidades ao nível da rede viária municipal e, em 2023, teremos em curso a 2.ª fase da estrada de ligação de São Luís a Relíquias, a beneficiação da EM1158 entre a Entrada da Barca e o CM1124, na freguesia de São Teotónio, e ainda o CV3 que faz o acesso entre a N393 e a praia das Furnas, na freguesia de Longueira/ /Almograve. A par destas grandes empreitadas, o município irá investir, neste ano, cerca de 700 000 euros na beneficiação de algumas ruas e arrumamentos nas 13 freguesias – uma medida anual, incorporada no orçamento municipal, que até 2025 resultará numa intervenção global em todos os aglomerados do concelho que carecem de repavimentação. Com a IP temos desenvolvido uma estreita relação e a beneficiação da rede viária nacional é uma realidade no concelho. Este processo iniciou-se no final do ano passado com a intervenção na N120, a partir de Boavista dos Pinheiros na direção a sul, seguindo-se a N393 e a N390, que fazem a ligação entre Odemira e Vila Nova de Milfontes. Neste momento está em curso a obra na N263, que faz a ligação entre Odemira e Relíquias, ao concelho de Ourique e ao IC1 Lisboa-Algarve.

 

AMBIENTE

Esta é uma das áreas em que o município pretende, cada vez mais, ter um papel ativo. Estamos a trabalhar com os vários atores em matéria de gestão da água no desenvolvimento de soluções para reaproveitamento e diminuição de perdas. Considerando a importância que a barragem de Santa Clara e o rio Mira têm para este território, estamos em conjunto com o Governo a negociar linhas de financiamento para responder às necessidades emergentes, decorrentes da seca extrema e das alterações climáticas. A nossa visão de gestão da água passa também por renaturalizar os espaços verdes urbanos com espécies autóctones, trabalho de reconversão que estamos a fazer, desenhando, igualmente, medidas para o aproveitamento de águas cinzentas. Com a sociedade civil, a academia e as Águas do Alentejo estamos a trabalhar em operações para a recuperação de linhas de água e da biodiversidade, como, por exemplo, no pego da Borrachinha, na freguesia de Sabóia. Quero ainda ressalvar que Odemira, em conjunto com Aljezur, durante o ano de 2023, dará um impulso definitivo no processo de cogestão do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, contribuindo com medidas e projetos concretos que ajudem à salvaguarda desde património único.

 

INVESTIMENTO EMPRESARIAL

Apesar do contexto atual, Odemira continua com uma forte dinâmica em matéria de investimento empresarial. Nos primeiros meses do ano, a divisão de licenciamento tem recebido um conjunto de intenções para novos investimentos na área do turismo e das pequenas indústrias. Recentemente, aprovámos em reunião de câmara um projeto para uma unidade hoteleira de cinco estrelas e uma outra de quatro estrelas, ambas propostas muito inovadoras em conceito e localização. Algo que nos deixa igualmente satisfeitos é o facto de os empresários estarem a investir na zona mais interior do nosso concelho, contribuindo para a sua revitalização e indo ao encontro do que são os nossos objetivos. É crucial que sejamos capazes de criar equidade no território e gerar oportunidades de emprego nas zonas com menos oferta. Também neste âmbito, a autarquia encontra-se a finalizar a obra na antiga moagem de Sabóia. Este espaço, que será inaugurado neste ano, constitui-se como uma oferta em contexto de coworking, equipado com conforto e tecnologicamente preparado para pessoas que trabalham remotamente ou pretendam criar novos negócios que não careçam de espaços físicos de venda ao público.

 

CULTURA

Incrementar a atratividade de Odemira como um território que valoriza o património e promover as indústrias culturais e criativas é um dos grandes desígnios deste mandato. Foi com base neste pressuposto que fomos pioneiros e lançámos no ano passado o primeiro Plano Municipal de Cultura “Tempo da Terra”, que será apresentado publicamente no próximo dia 29 de abril e que conta com o apoio da Direção Regional de Cultura do Alentejo. Após um trabalho exaustivo com os agentes culturais do nosso concelho, vamos também, neste ano, implementar o programa “Odemira Criativa”, um programa de apoio à capacitação destes atores locais, que fomente a democracia cultural e iniciativas empreendedoras nas indústrias criativas, tendo por base uma lógica diferenciada, associada ao património natural e cultural do concelho. Outra das nossas grandes apostas, que neste ano está reforçada, é o “Abril em Odemira”. O nosso concelho tem uma forte identidade associada ao 25 de Abril e, com base nesse sentimento de pertença e dinâmica cultural, desenvolvemos uma programação ao longo de todo o mês, em vários locais emblemáticos da vila de Odemira, que contempla um conjunto alargado de exposições, debates, espetáculos, animação e desporto e o habitual hastear da bandeira e a sessão solene. “Setembro, uma Imersão Cultural” será outro dos grandes momentos de forte dinâmica cultural em Odemira, onde a cultura está presente nas 13 freguesias, com espetáculos musicais e artísticos, de artistas nacionais e internacionais. Por último, em matéria de investimento, este ano será marcado pela obra de construção do edifício do Centro de Valorização da Viola Campaniça e do Cante de Improviso, em São Martinho das Amoreiras, e iremos inaugurar a obra da nova olaria municipal e a reabilitação dos Moinhos Juntos, na vila de Odemira. 

 

EDUCAÇÃO

As políticas de educação do nosso concelho têm sido uma referência a nível regional e nacional e, nessa matéria, vamos iniciar o processo de revisão do nosso projeto educativo concelhio Odete – Odemira Território Educativo, para que este se mantenha atual, em linha com as políticas de educação em Portugal e na Europa. Em matéria de investimento municipal, estamos em obra com o novo Centro Escolar de São Luís, um investimento de 2,3 milhões de euros. No passado mês de fevereiro inaugurámos a requalificação do exterior da escola primária de São Martinho das Amoreiras e estão em fase de adjudicação as empreitadas dos espaços exteriores das escolas de Relíquias e de Brunheiras (Vila Nova de Milfontes). Durante este ano pretendemos, ainda, lançar o concurso para a construção do novo Centro Escolar do Almograve e a revisão do projeto para a requalificação da Escola Secundária de Odemira. O ensino superior é outra das grandes ambições que a autarquia tem e Odemira deu os primeiros passos, em parceria com o Instituto Politécnico de Beja, dispondo já de uma turma do curso Técnico Superior Profissional de Desporto, disponibilizado alojamento aos alunos que estão deslocados.

 

EMPREGO

O programa Odemira Empreende, de estímulo à criação de pequenos negócios, irá continuar. Este programa já apoiou com um valor superior a 1,15 milhões de euros, criando 105 novas empresas/empresários em nome individual e 191 postos de trabalho deste o início em 2015. O território enfrenta alguns desafios em matéria de empregabilidade, o ano todo, considerando a dinâmica do turismo e da restauração, no que diz respeito à sazonalidade, e da agricultura, pelas necessidades substanciais de mais mão de obra nos picos de campanha. Neste sentido, procuramos trabalhar com o Instituto do Emprego e Formação Profissional para que nestes períodos a formação se torne uma solução e uma ferramenta para os desempregados do nosso concelho.

 

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Foto | Hélder Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de Odemira

 

OUTRAS PERSPETIVAS SOBRE O CONCELHO DE ODEMIRA

OS OLHARES DE SARA SERRÃO, DO MOVIMENTO JUNTOS PELO SUDOESTE, E DE DORA GUERREIRO E TERESA BARRADAS, PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA TAIPA

 

Sara Serrão, considerando “o avanço descontrolado da agricultura intensiva”, em particular da produção de frutos vermelhos produzidos em estufas, sublinha “o impacto nocivo” que a atividade tem gerado no território, desalojando a agricultura tradicional, pressionando “a escassa reserva de água da barragem de Santa Clara”, destruindo valores naturais classificados e provocando “uma ferida social cada vez mais profunda” nas comunidades. Por seu lado, Dora Guerreiro e Teresa Barradas sublinham que a transição de quadros comunitários e a inflação que se regista no País poderão vir a “condicionar algumas atividades” da cooperativa que dirigem e advertem para a necessidade de estabilidade e valorização dos recursos humanos, indispensáveis para a continuidade da capacidade de respostas da organização perante os desafios vindouros no território.

 

“O MODELO DE ‘DESENVOLVIMENTO’ IMPOSTO NOS ÚLTIMOS ANOS A ODEMIRA CONSTITUI UM RETROCESSO CIVILIZACIONAL”

O movimento Juntos pelo Sudoeste nasceu, em 2019, da preocupação de um grupo de cidadãos de Odemira e Aljezur sobre o estado do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (Pnsacv), no território que “partilha” com o Perímetro de Rega do Mira, “dado o avanço descontrolado da agricultura intensiva”.

 

Em particular, das culturas de pequenos frutos sob coberto, “os ‘famosos’ frutos vermelhos em estufas, que gozam de um marketing positivo quanto aos seus efeitos na saúde das pessoas”, escondendo, contudo, “o impacto nocivo que têm gerado no sudoeste de Portugal”, afirma Sara Serrão, membro do movimento.

 

Avança, elencando um rol de situações negativas para a região consequente da prática intensiva destas culturas: “Este tipo de agricultura, quase toda para exportação para o norte da Europa, que não carece de grande licenciamento para se implantar, plastificou 40 quilómetros de costa supostamente protegida entre Vila Nova de Milfontes e Odeceixe; destruiu valores naturais que fizeram desta área um parque natural, infringindo em alguns casos o plano de ordenamento do parque natural; continua a pressionar a escassa reserva de água da barragem de Santa Clara; desalojou a agricultura tradicional, cujas áreas constituem importantes sistemas ecológicos e impôs à região um modelo agrícola que carece de um elevado número de trabalhadores, que tiveram que ser ‘importados’, sem que estivessem reunidas as condições mínimas para tal acontecer, o que tem provocado uma ferida social cada vez mais profunda nas pequenas comunidades onde acorrem milhares de pessoas, na esperança de alcançarem um passaporte europeu e uma vida melhor”.

 

E prossegue, crítica, considerando que a agroindústria beneficia, por parte do Governo, “de uma espécie de ‘via verde’, que lhe permite instalar ‘aldeias de lata (contentores)’” para albergar milhares de trabalhadores, “em pleno coração do Pnsacv”, o que contrasta, sublinha, com a “burocracia infindável” que qualquer outro cidadão tem de enfrentar “para realizar qualquer edificação para viver”.

 

Neste contexto, as ações do movimento têm-se focado no acompanhamento e na análise “das complexas condições em que este imparável e absurdo avanço agrícola, em regime intensivo, acontece”, alertando, subsequentemente, para os seus efeitos “através de redes e meios de comunicação sociais”, pedindo “esclarecimentos e responsabilidades a quem de direito, ou seja, a todas as entidades que têm alguma palavra a dizer sobre o ordenamento deste território”, acentua Sara Serrão.

 

Relativamente à importância de 2023 para a salvaguarda ambiental do concelho de Odemira, considera a necessidade de ser um ano “de inflexão, num sentido positivo de uma maior harmonia entre ambiente, sociedade e economia”, decisivo para o concelho. E justifica a premência desta mudança de direção considerando que, numa atualidade em que as alterações climáticas têm vindo a afetar “profundamente o sul da Europa”, e em que a “seca no Sul de Portugal se tornou estrutural”, o “lobby dos frutos vermelhos” tem, paradoxalmente, “pugnado por assegurar a água necessária para a manutenção e expansão do seu negócio em detrimento da agricultura tradicional de Odemira”. Por conseguinte, Sara Serrão manifesta que, “à exceção do setor [agrícola] e da Direção Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural, tutelada pelo Ministério da Agricultura”, toda a região “está agora consciente da necessidade de haver a reposição de um equilíbrio há muito perdido”.

 

Isto porque, “numa terra onde não há água”, diz, “faz cada vez menos sentido um perímetro de rega com a atual dimensão e o caminho que tem sido trilhado, em direção ao abismo, em nome de meia dúzia de empresas, algumas das quais sem ligação ao território, a não ser numa lógica mercantilista, que nem sequer pagam impostos cá e que não devolvem nada a não ser degradação ambiental e social”.

 

Paralelamente, acentua: “Ainda que o parque natural tenha causado resistência a muitos odemirenses, por ter restringido muitas das suas atividades, estamos todos mais conscientes da importância vital da preservação dos ecossistemas, habitats e valores naturais únicos que aqui foram identificados, assim como da paisagem como identificação cultural e do potencial económico deste património ambiental”.

 

Assim, revela que a maior ameaça que se apresenta ao desenvolvimento sustentável e ao bem-estar dos cidadãos do concelho será “continuar a ignorar que o modelo de ‘desenvolvimento’ que foi imposto nos últimos anos a Odemira constitui, na realidade, um subdesenvolvimento e um retrocesso civilizacional”.

 

Por isso, afirma que o maior desafio passará por as “forças do território” reencontrarem o equilíbrio, “para que todos possam ter aqui um lugar para trabalhar dignamente e com qualidade de vida” – “Quando vemos uma área protegida a ser arrasada para ampliar a área agrícola com culturas que nem dão garantia de soberania alimentar, quando vemos milhares de indivíduos a vaguear pelo concelho ou instalados às dezenas em casas degradadas, sem as mais elementares condições de habitabilidade, quando vemos que se tornou impossível arrendar uma casa ou uma loja, quando vemos muitos odemirenses de orgulho perdido, cansados do que veem diariamente e desgostosos com a sua própria terra”.

 

Para que as carências apresentadas possam ser reconhecidas e colmatadas, Sara Serrão considera ser indispensável a demonstração, por parte do Governo, de “coragem e vontade política” e a necessidade de o “Estado, na pessoa das entidades públicas que têm alguma palavra a dizer sobre a gestão do território”, ter de “ir para o terreno fazer respeitar a lei, nas várias camadas da complexa situação instalada”, no concelho. Por conseguinte, a responsável diz que é urgente uma “fiscalização persistente e sem tréguas das atividades que se desenvolvem no território e a penalização exemplar e eficiente de quem prevarica”.

 

Por outro lado, conclui, “é preciso ter uma visão de futuro e uma estratégia que nos dê esperança, no sentido de respeitar os limites e a sensibilidade do território e das suas gentes, adaptando as atividades que aqui se praticam à realidade da região, nunca esquecendo princípios como a equidade e a justiça social e ambiental”.

 

Multimédia1Foto | Sara Serrão, membro do movimento de cidadãos Juntos Pelo Sudoeste

 

“FALAR DE TERRITÓRIO É NECESSARIAMENTE FALAR DE PESSOAS, DE COMUNIDADE”

Fundada no ano 2000 pela necessidade sentida pelos seus edificadores em criar a primeira entidade no concelho de Odemira que interviesse na dinâmica de desenvolvimento local, a Taipa – Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Integrado do Concelho de Odemira tem nas áreas da intervenção social, formação socioprofissional, integração socioprofissional e do desenvolvimento económico as suas principais atividades.

 

Embora ao longo da sua existência a cooperativa tenha alargado a sua intervenção para o Alentejo Litoral e para quatro concelhos do Algarve, ainda hoje o seu principal foco de intervenção está, fundamentalmente, centrado em Odemira, uma vez que a sua forma de ação se pauta “pelo fomento de relações de proximidade quer com o público-alvo, quer com os parceiros”, dizem as responsáveis da direção, Dora Guerreiro e Teresa Barradas.

 

Colaborações que, em articulação com a Taipa, permitem que o caminho feito se tenha percorrido de forma “mais fácil, com suporte na rede de parceiros, sejam estes financeiros ou não, que partilham recursos, objetivos, metas e uma missão em prol da comunidade”, do território, acentuam. E avançam: “Falar de território é necessariamente falar de pessoas, de comunidade, e é a pensar nas pessoas e nas suas necessidades que os projetos são delineados”.

 

Desta forma, a Taipa, no âmbito da sua intervenção, sublinham as responsáveis, tem procurado dar respostas, ao nível do desenvolvimento local, aos desafios que a região foi apresentando “sempre em parceria e respeito” pelas entidades que nela foram surgindo “de forma a complementar as respostas existentes – a Taipa foi, inclusive, para que o território pudesse beneficiar da sua intervenção, impulsionadora da criação de entidades e associações locais, com intervenção específica em determinadas áreas”.

 

Frisando que os quase 23 anos de existência lhes permitiu adquirir “uma grande capacidade de adaptação, persistência e superação”, uma vez que tal “como qualquer entidade da economia social, a Taipa depende em mais de 50 por cento de financiamento comunitário”, as responsáveis da cooperativa consideram que “todos os dias são uma luta e uma vitória” na persecução do trabalho que desenvolvem.

 

Este ano não será exceção: “Atualmente o grande desafio que temos pela frente é a transição do quadro comunitário Portugal 2020 para Portugal 2030, aliado aos efeitos da guerra da Ucrânia e à elevada taxa de inflação. As transições de quadros comunitários são sempre períodos difíceis, marcados pelo atraso na sua implementação em pleno, originando a paragem de projetos, sendo muitos deles, na verdade, respostas sociais, cuja única forma de implementação é a realização de candidaturas”.

 

Relativamente à inflação que se verifica na Europa, as responsáveis sublinham o impacto que tem na entidade, “quando ao dia de hoje estamos a executar projetos baseados num orçamento realizado em 2021, sem possibilidade de revisão – é mais um desafio gigante, a superar, que pode condicionar algumas atividades”.

 

Aliado ao desafio da sustentabilidade financeira, sendo um dos objetivos manter a sua capacidade de resposta e implementação de projetos, a Taipa pretende, em 2023, reafirmar a capacidade de intervenção comunitária, nomeadamente, na prevenção e combate à violência doméstica e promoção da igualdade de género, na integração de migrantes e na promoção do bem-estar na terceira idade.

 

Três subáreas em que a cooperativa se tem “especializado ao longo dos anos e atuado de forma continuada”, contando com o suporte de uma “grande rede de entidades parceiras, que tem permitido tornar as respostas mais robustas e consolidadas nos diferentes territórios em que tem intervenção”.

 

Para que a continuidade deste trabalho, “reconhecido a nível nacional”, seja possível, é necessário, realçam, a valorização e estabilidade “dos recursos humanos, das pessoas que trabalham na Taipa e que contribuem para a sua identidade, que dão corpo aos sonhos e aos projetos, tornando possíveis as conquistas”.

 

Por conseguinte, Dora Guerreiro e Teresa Barradas terminam, reforçando: “Sem esta valorização e esforço para a continuidade dos financiamentos perde-se capital humano, precioso e identitário, e, consequentemente, enfraquece-se a futura capacidade de resposta a contínuos e novos desafios que se irão colocar perante a cooperativa e o território”.

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Foto | Dora Guerreiro e Teresa Barradas, presidente e vice-presidente da Taipa - Organização para o Desenvolvimento Integrado do Concelho de Odemira

 

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