Diário do Alentejo

“É necessário uma alteração profunda no funcionamento da saúde, sob pena de acelerar o despovoamento do interior”

24 de março 2023 - 11:00
Mário Tomé, Olga Martins, Jorge Revez e Luís Penacho olham para o concelho de Mértola
Fotos | Ricardo ZambujoFotos | Ricardo Zambujo

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou, no dia 1 de janeiro, na tradicional mensagem de Ano Novo, que “2023 pode vir a ser, no mundo, na Europa e em Portugal, o ano mais importante até 2026, se não mesmo até 2030”, e que, assim sendo, Portugal entra em 2023 obrigado “a evitar que seja pior do que 2022”, que “não foi o ano da viragem esperada”. No âmbito deste comunicado, o “Diário do Alentejo” apresenta esta semana o retrato atual do concelho de Mértola, a partir das perspetivas de Mário Tomé, presidente da câmara, Olga Martins, diretora regional do Alentejo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, de Jorge Revez, presidente da Associação de Defesa do Património de Mértola, e de Luís Penacho, presidente da Associação de Caçadores da Amendoeira da Serra.

 

Texto  José Serrano 

 

O presidente da Câmara de Mértola, sublinhando que “a falta de médicos” influi de forma “extremamente negativa” na qualidade de vida de quem vive no concelho, considera necessário “um olhar diferenciado” na área da saúde para territórios do interior. O autarca, referindo os muitos constrangimentos quotidianos que se colocam atualmente aos cidadãos, como causa do aumento do custo de vida e da “subida vertiginosa da inflação”, refere que o município teve em adotar medidas sociais, numa “resposta rápida e efetiva às necessidades das famílias”. Acerca das acessibilidades do concelho, Mário Tomé acentua que o seu melhoramento contínuo “é uma aposta forte do executivo municipal” e que a falta de financiamento, “nacional ou europeu”, para melhorias rodoviárias entre as localidades da região, é uma questão a necessitar de ser revista.

 

Considera que 2023 deverá ser um ano essencial, no decurso da década, para o desenvolvimento de Mértola?

É, sem dúvida, um ano importante, contudo, não podemos programar o desenvolvimento territorial centrando-nos apenas no desempenho de um ano. Obviamente que é necessário contextualizar as previsões do Presidente da República relacionadas com o término do quadro comunitário vigente, a abertura do 2030 e a execução do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], mas estas questões não determinam o sucesso ou não de uma década. Contudo, no caso de Mértola, 2023 será muito importante, uma vez que teremos em execução um conjunto de obras há muito aguardadas e que impactam diretamente no futuro do concelho. O Lar de São Miguel, a Estacão Biológica de Mértola, a Galeria da Biodiversidade e Reservas do Arquivo e do Museu de Mértola, a área de serviço para autocaravanas e a requalificação do mercado da Mina de São Domingos são obras que, se tudo correr como planeado, serão uma realidade no final do ano. É um esforço financeiro significativo, que somado às contínuas intervenções de melhoramento das redes de infraestruturas básicas, como os saneamentos e arruamentos, ou à execução da estratégia local de habitação, eleva o orçamento municipal para os 37 milhões de euros durante o corrente ano. Não deixaremos de preparar outros processos fulcrais para o concelho como a tão aguardada área empresarial ou a beneficiação da ligação transfronteiriça Mértola – Pomarão. Projetos ambiciosos que necessitam ver a luz do dia – esperemos que a carga burocrática do nosso país não atrase ainda mais a sua execução. De uma coisa tenho a certeza, com a execução destes projetos estruturantes teremos dado um forte incentivo para que 2023 seja efetivamente um ano de viragem para Mértola.

 

Devido a circunstâncias várias, nomeadamente, a guerra na Ucrânia e a elevada taxa de inflação que se verifica, colocam-se, atualmente, inesperados e agravados problemas sociais e económicos aos territórios e aos cidadãos. Face a esta conjuntura, quais as novas necessidades surgidas no concelho e de que forma as equaciona colmatar ao longo de 2023?

 

SAÚDE

É transversal a todo o País, mas impacta de uma forma extremamente negativa a qualidade de vida de quem vive no concelho de Mértola. A falta de médicos, e o consequente impacto na saúde das pessoas, é mais uma dificuldade na atratividade destes territórios para quem se quer cá fixar. O cenário ainda seria pior se a câmara municipal não apoiasse os médicos que já estão por cá, substituindo-se, mais uma vez, ao Estado central para manter o centro de saúde aberto. Sou eu próprio a realizar contactos diretos com profissionais de saúde para os mobilizar para Mértola. Não pode ser este o modelo. É necessária uma alteração profunda no funcionamento da saúde e um olhar diferenciado para territórios como o de Mértola, sob pena de acelerar o despovoamento do interior.

 

ÁREA SOCIAL

Vivemos tempos complexos, em que as dificuldades das famílias são notórias, devido ao contexto mundial que atravessamos. O aumento do custo de vida derivado da subida vertiginosa da inflação coloca muitos constrangimentos no dia a dia, que precisamos de mitigar. Nesse sentido, reformulámos os nossos regulamentos na área social para uma resposta rápida e efetiva às necessidades das famílias. Entre as várias medidas em vigor, são de realçar o reforço no apoio à natalidade, o aumento e diversificação das comparticipações no cartão social do município (inclusive o apoio a consultas da especialidade) ou o reforço dos melhoramentos habitacionais, de forma a possibilitar condições dignas de habitabilidade a todos os munícipes. São medidas efetivas e que permitem atenuar o contexto económico que atravessamos. Também aceitámos a descentralização de competências na área social, uma vez que funciona como um veículo para prestarmos um melhor serviço, com uma maior proximidade às famílias mais vulneráveis, cobrindo, de forma quase imediata, as suas necessidades.

 

HABITAÇÃO

É um problema crónico, que tentamos combater com a ajuda da estratégia local de habitação. Desta forma, o município irá adquirir, para reabilitação, fogos degradados, e construir 15 novos fogos, que colocará no mercado para arrendamento municipal a rendas acessíveis.

 

ACESSIBILIDADES

Mértola, fruto da sua morfologia, com mais de 100 localidades espalhadas por 1300 quilómetros quadrados, possui uma grande rede rodoviária e sem ela o concelho não conseguiria operar. O melhoramento contínuo destas ligações é uma aposta forte do executivo municipal. Vamos intervir nos principais eixos de comunicação do concelho, nomeadamente, na ER265 (Corvos – Corte Sines); na EN122 à localidade de Corte-Gafo; no alargamento de pontões e curvas e futura pavimentação da ER265 (Santana de Cambas – Salgueiros) e da ER267 (Brites Gomes – São Sebastião dos Carros – São Miguel do Pinheiro). Também é intenção do município beneficiar a ligação Mértola – Pomarão de condições dignas e de fazer jus à ligação internacional e fronteira europeia da margem esquerda do concelho. Todas estas ligações são feitas através de orçamento próprio, sem qualquer financiamento a nível nacional ou europeu. É uma questão que deve ser revista e ponderada porque o País tem necessidades diferentes e, no nosso caso, estas artérias são cruciais para o território. O mundo está muito diferente do que estava há alguns anos e as pessoas precisam de estar conectadas ao resto da região (e do País) de uma forma rápida e segura. Neste momento, no concelho de Mértola, estão duas das piores estradas do distrito de Beja: a ER267 (Mértola – Almodôvar) e a ER265 (Mértola – Serpa). Estas estradas são de uma importância estratégica para região e, claro, para o nosso concelho. Se a ER267 liga Mértola a uma das maiores empresas nacionais – a Somincor –, à A2 e à sede de concelho de Almodôvar, a ER265 é a ligação transfronteiriça existente de ligação a Serpa. Mesmo que não seja da responsabilidade direta do município, é minha convicção de que estas ligações deveriam ser analisadas enquanto vetores de desenvolvimento regionais e englobadas nas prioridades nacionais/regionais… ou até ao nível da Cimbal [Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo]. Estaremos sempre do lado da solução, mesmo que para isso tenhamos de assumir ainda mais responsabilidades. Precisamos, sim, é de uma resposta rápida e articulada, de forma a intervir o mais rapidamente possível.

 

CULTURA

Neste território, com uma matriz cultural tão acentuada, devemos ter como prioridade facilitar, a todas as pessoas, o acesso à cultura, estimulando o conhecimento sobre o património local em presença, capacitando a comunidade para a compreensão de diferentes manifestações e linguagens culturais, ultrapassando as separações entre o popular e o erudito, o tradicional e o contemporâneo, e atendendo às novas linguagens artísticas emergentes. Contudo, há eventos que pela sua transversalidade são um marco no ano da comunidade. Talvez o maior exemplo seja o Festival Islâmico, que voltamos a realizar este ano, em maio. Mas também realizamos eventos que denotam a nossa matriz mais pura e as nossas tradições, como a Feira da Caça ou a Feira do Mel, Queijo e Pão. Com estes pressupostos, a nossa estratégia passa por continuar a valorizar e salvaguardar o nosso património identitário e histórico através da contínua promoção. Ao mesmo tempo, compete-nos colocar Mértola como um território recetivo à produção cultural contemporânea, promovendo residências artísticas, parcerias com diferentes agentes culturais de geografias mais urbanas, programação cultural diversa e um contínuo programa de literacia cultural dirigido a toda a comunidade.  

 

EDUCAÇÃO

Vivemos uma era verdadeiramente desafiante para as comunidades educativas em geral e, em particular, para as que se situam em territórios de muito baixa densidade, como Mértola. O problema, nestes casos, é quase sempre analisado em torno da equação simples que relaciona o reduzido número de alunos com os recursos a afetar ao serviço educativo. Nesta equação o resultado tem conduzido, invariavelmente, ao encerramento de escolas e à centralização da oferta, decorrendo desta política de rácios uma progressiva fragilidade social, relacional e institucional dos territórios desprovidos de escola. Partindo deste contexto, a estratégia municipal de educação do município contempla a conceção e implementação de um projeto educativo comprometido com o território e com os seus desafios – da demografia, da salvaguarda dos valores naturais e culturais do território, da prosperidade, da inclusão e coesão social, da adaptação às alterações climáticas, da transição ecológica e do desenvolvimento sustentável. Por outro lado, também temos a noção que a descentralização de competências aceites pelo município aproxima a escola da comunidade e permite que os problemas sejam imediatamente identificados e rapidamente resolvidos. Contudo, nesta área, necessitamos de melhorar as instalações que “herdámos”. Tencionamos, ainda durante este ano, lançar o novo Centro Escolar de Mértola, que permitirá uma melhoria significativa das condições para alunos e professores, ao mesmo tempo que centraliza a atividade e otimiza os recursos.

 

EMPREGO

Neste momento é algo que nos preocupa, não pela taxa de desemprego, mas, sim, pela notória dificuldade de encontrar mão de obra, seja para que ramo for, seja qualificada ou não. Restauração, panificação, construção… este problema é algo que é constante. O lado positivo é o sentimento de Mértola ter várias oportunidades para quem pretende ficar pelo território. E isso demonstra a vivacidade e as oportunidades que Mértola tem para oferecer.

 

INVESTIMENTO EMPRESARIAL

O nosso tecido empresarial é notável na capacidade de superação e resiliência que demonstra. Queremos continuar a apoiar os empresários e temos bem assente que a maior urgência é a nova área empresarial e logística do concelho de Mértola. Estamos a finalizar o projeto deste importante polo de dinamização empresarial que irá aumentar a fixação de novas empresas. Numa outra vertente, existem alguns projetos empresariais com interesse em se fixarem no território e esperamos, efetivamente, que este investimento se concretize.

 

ENERGIA

A subida do custo da energia é uma temática fulcral na nossa sociedade, sentida de forma transversal. Começando pelo impacto no próprio orçamento camarário, mas também com a pressão dos preços a ser sentida pelas famílias, seja nos custos dos bens, seja na própria fatura da eletricidade. Penso que estamos num caminho sem regresso, em que a realidade se alterou face à guerra na Ucrânia. É necessário aumentar a eficiência energética das habitações e de todo o edificado, apostando forte no autoconsumo e na produção de energia limpa. É nesse sentido que temos vindo a trabalhar. Precisamos de apostar na descarbonização e na produção de uma energia mais verde. É nesse patamar que Mértola se quer fixar – um território que aposta nas energias limpas, assumindo-se como um dos produtores de energia renovável do Sul do País.

 

AMBIENTE

Enquanto território recentemente classificado em termos climáticos como semiárido, o nosso compromisso, a este nível, está na procura e implementação de soluções locais que reforcem a capacidade de resiliência do território face à temática das alterações climáticas e ao risco elevado de desertificação. A ação incide na promoção de iniciativas de investigação/   /ação nas áreas da agroecologia, dos sistemas alimentares locais, na valorização de uma economia de proximidade, apostada em circuitos curtos e em estreita ligação com princípios e práticas de regeneração dos ecossistemas, com particular enfoque na melhoria dos solos, no aumento da capacidade de retenção de água no território e na salvaguarda da biodiversidade que temos em presença. Este trabalho tem sido realizado numa lógica de território em cocriação com vários parceiros locais e em estreita ligação com a academia e várias iniciativas de redes nacionais e internacionais que partilham dos mesmos valores. Exemplos destes projetos são, entre muitos outros, a Estação Biológica de Mértola, a Rede Alimentar de Mértola, o Centro Experimental de Agroecologia, a Rede Nacional das Cidades Circu-lares e o projeto Pastagens Regenerativas.

 

Multimédia0Foto | Mário Tomé, presidente da Câmara Municipal de Mértola

 

 OUTRAS PERSPETIVAS SOBRE O CONCELHO DE MÉRTOLA

OS OLHARES DE OLGA MARTINS, DIRETORA REGIONAL DO ALENTEJO DO ICNF, DE JORGE REVEZ, PRESIDENTE DA ADPM, E DE LUÍS PENACHO, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE CAÇADORES DA AMENDOEIRA DA SERRA

 

Olga Martins, considerando que a subsistência ambiental não pode ser dissociada das sustentabilidades económica e social, realça a importância, para o território, das sinergias estabelecidas entre as atividades cinegética e agrícola e a conservação da natureza. Por sua vez, Jorge Revez sublinha a imprescindibilidade de preservar e valorizar os ativos patrimoniais, materiais e imateriais da região, através de uma visão pensada “a médio e longo prazo”. No que lhe respeita, Luís Penacho salienta a importância económica, social e ambiental que a atividade cinegética tem para os territórios do concelho, lamentando o “enorme desinteresse e falta de conhecimento” que existe pelo mundo rural e a indiferença do poder político pelo Baixo Alentejo.

 

“É CADA VEZ MAIS EVIDENTE A NECESSIDADE DE CONTRARIAR A DESTRUIÇÃO DO MOSAICO DE PAISAGENS RURAIS” 

O Parque Natural do Vale do Guadiana (PNVG) foi criado em 1995, na sequência de diversos estudos que revelaram o seu elevado interesse faunístico, florístico, geomorfológico, paisagístico e histórico-cultural. Estes valores naturais, os vários percursos de caminhadas existentes, a caça, o rio Guadiana, a observação de aves, o cycling e os produtos endógenos do território têm atraído inúmeros turistas ao parque ao longo destes anos. Paralelamente, o trabalho de reintrodução do lince-ibérico no Vale do Guadiana tem sido também um ponto forte de atração para muitos visitantes.

 

Com um plano de cogestão que integra o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), os municípios de Mértola e de Serpa, o Instituto Politécnico de Beja, a Associação de Defesa do Património de Mértola, a Associação Rota do Guadiana, a Escola Profissional Alsud e a Cooperativa Agrícola de Mértola, o PNVG tem como lema “É preciso conhecer, para valorizar e proteger”, recorda Olga Martins, diretora regional do ICNF do Alentejo: “Informar e sensibilizar a população, assim como promover o conhecimento acerca dos valores naturais desta área protegida, é fundamental para a valorização do PNVG. As nossas áreas protegidas, por serem humanizadas, terem pessoas a viver nelas, são vistas muitas vezes como entraves e bloqueios ao desenvolvimento dos concelhos onde se inserem.

 

No entanto, são essas especificidades que diferenciam estes territórios dos restantes, o que traz também oportunidades”. Oportunidades que passam por várias áreas e dinâmicas que possibilitam condições para o “PNVG, e Mértola em particular”, se afirmar como “um destino turístico sustentável”, atraindo pessoas, dinamizando a economia local e respeitando a biodiversidade”, transmite Olga Martins. Ao mesmo tempo, a responsável do ICNF realça a importância que a atividade cinegética e a agricultura têm no território e das sinergias que se estabelecem com a conservação da natureza – “não podemos dissociar a sustentabilidade ambiental da sustentabilidade económica e social”.    

 

Sobre a capacidade de o PNVG se poder vir a constituir como ativo para o estancar do declínio populacional que se regista no concelho (Mértola perdeu 14,68 por cento da sua população entre 2011 e 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística), Olga Martins considera que o parque “é já uma peça importantíssima na dinâmica da região, sendo um ponto de atratividade para muitos turistas e para a comunidade científica que o visitam à procura do património natural e arqueológico”.

 

Por conseguinte, diz a responsável, o PNVG “pode e deve constituir-se como um parceiro na dinamização do território, apoiando as diversas entidades na implementação de soluções que promovam a fixação de pessoas e de novas atividades geradoras de emprego – será sempre um parceiro ativo, do lado das soluções”. 

 

Relativamente aos principais desafios que o PNVG terá pela frente, em 2023, a diretora regional expõe: “As circunstâncias geográficas dos territórios meridionais da Península Ibérica, em particular do Sul de Portugal, proporcionam condições ambientais difíceis e exigentes relativamente aos recursos naturais, designadamente, o solo, a água e a biodiversidade, provocando constrangimentos complexos a algumas atividades socioeconómicas. Estes territórios, onde Mértola se inclui, estão sujeitos a um conjunto de riscos naturais de entre os quais sobressai o risco de desertificação, que deve ser assumido por todos os agentes do território – administração, agricultores, gestores cinegéticos, empresários…”.

 

Na esfera de intervenção do ICNF, subsistem, revela a responsável, desafios importantes relativamente a várias espécies de mamíferos, aves de rapina, mas também à conservação dos sistemas agro-silvo-pastoris, “nomeadamente, a proteção e promoção dos povoamentos de sobreiro e, em especial, de azinheira, a conservação e gestão dos matagais mediterrânicos, a gestão florestal e defesa da floresta, o controlo de espécies invasoras, a recuperação de áreas degradadas e o restauro de habitats e de ecossistemas”.

 

Deverá merecer, também, especial atenção a necessidade de estancar processos de degradação, “em particular, os que se traduzem no declínio do arvoredo e na redução das densidades dos povoamentos de sobreiro e de azinheira e a importância de fomentar a renovação dos montados”, promovendo a regeneração natural e artificial de azinheiras e sobreiros para reconstituição e aumento dos povoamentos.

 

Avança: “Temos pela frente o desafio de gerir e conciliar, no mesmo espaço territorial, as atividades humanas com as atividades mais compatíveis com a conservação da natureza e promotoras da biodiversidade. É cada vez mais evidente a necessidade de contrariar a destruição do mosaico de paisagens rurais, a redução da diversidade e da complexidade dos ecossistemas, a fragmentação de habitats e de fomentar o restauro ecológico, a renaturalização de espaços degradados e a implementação de estruturas sistémicas de valorização ecológica”.

 

E termina, salientando “a importância do reforço da resiliência dos territórios e da articulação intersetorial, em particular, com os setores agrícola e cinegético, sempre dos mais determinantes para o bom êxito da conservação da natureza, com a academia e centros de investigação, que nos permitem acrescentar conhecimento e potenciar resultados”.

 

Multimédia1Foto | Olga Martins, diretora regional do Alentejo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas

 

"É PRECISO ATRIBUIR-LHE RECURSOS FINANCEIROS E GARANTIR QUE AS COMUNIDADES INTERIORIZAM" O PATRIMÓNIO COMO SEU  

Criada em 1980, a Associação de Defesa do Património do Mértola (ADPM) apresenta-se como uma organização da sociedade civil que procura, a partir dos recursos locais, materiais e imateriais, encontrar os caminhos para o crescimento económico, social e local de uma região, numa perspetiva de sustentabilidade e partilha. Assim, através de uma abordagem multidisciplinar, integradora e participativa, a ADPM tem, no seu quotidiano, atividades tendentes à sustentabilidade, procurando caminhos para o futuro dos territórios através de missões de conservação e valorização territorial, criação de emprego, apoio ao tecido económico, capacitação e formação, muitas vezes em articulação com a academia.

 

Jorge Revez, presidente da associação, sublinha que a ADPM, ao formar “centenas de pessoas”, ao longo da sua existência, “tem sido uma escola com muita da responsabilidade naquilo que Mértola é hoje, se atendermos que um território é o reflexo daquilo que são os seus recursos humanos”.

 

Uma atuação que permitiu a criação do Parque Natural do Vale do Guadiana e o desenvolvimento de uma estratégia intitulada “Um Cordão Verde para o Sul de Portugal”, na qual “muitos dos projetos deste território tiveram e hão de ter origem”.

 

Jorge Revez sublinha ainda o trabalho que a associação tem vindo a desenvolver além-fronteiras, em Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, “onde os projetos que implementa contribuem para melhorias visíveis na vida de milhares de pessoas, particularmente, crianças e mulheres”, sendo que o nome de Mértola vai, “junto com a ADPM, para cada um destes países”, refere.

 

Acerca da importância do património para as dinâmicas do concelho, Jorge Revez considera-o como o elo que “ativou todo um processo de desenvolvimento de Mértola”, uma feliz conjugação de fatores que deu origem a "um caminho novo” de descoberta coletiva.

 

“A junção de muitas perspetivas, a imensa partilha de conhecimento e a tenacidade de muita gente – de que Cláudio Torres, Serrão Martins e Fernando Rosa são os rostos que os simbolizam –, foram idealizando uma fórmula feliz de transformar Mértola”. Um modelo que consistiu em reunir, “através de sonhos e ideias”, toda a comunidade de Mértola, “os que cá residiam e a diáspora”, construindo os alicerces, diz, do que o concelho representa hoje. Uma visão “de futuro e não imediatista”, baseada “no seu usufruto para o desenvolvimento”, considera o sociólogo ser fundamental assinalar numa análise à atualidade: “Essa é a grande diferença entre essa visão do património e a que hoje transparece – num certo sentido, o património foi uma ‘arma’ para o desenvolvimento, hoje é pouco mais do que uma fotografia. Claro que, tal como atualmente ‘bebemos’ os resultados do que se fez há 20 ou 30 anos, ‘beberemos’ daqui a uns anos o que hoje acontece”.

 

Por conseguinte, acentua a necessidade de a preservação e valorização patrimonial terem de ser pensadas como “uma visão a médio e longo prazo”, como um investimento “que tem retorno”, devendo, por isso, ser contínuo e efetivo. “É preciso atribuir-lhe recursos financeiros, mas também é preciso garantir que as comunidades interiorizam esse património como seu, que sintam que é muito mais do que um instrumento para o turismo – que é parte integrante da sua existência, que é pertença e nos faz sentir pertencentes, colados a um território, a um grupo, a uma comunidade. Sem isso, não há preservação duradoura e eficaz”, realça.

 

Relativamente aos desafios que se apresentam, Jorge Revez considera que os que se colocam neste ano passam por concretizar os projetos que a ADPM vem desenvolvendo em Mértola e no Alentejo, bem como em países em vias de desenvolvimento. Projetos atuantes em áreas tão diversas como a educação, a saúde, a investigação, a capacitação, a agricultura, a conservação do montado, a preservação da floresta em Cabo Verde e, “claro, na defesa e valorização do património, quer em Mértola, quer na Ilha de Moçambique”.

 

E termina, sublinhando que o maior desafio passa por continuar a ter uma equipa fortemente capacitada e motivada, que entende que o desenvolvimento se faz e acontece “com os que que cá estão e com os de fora”, com os agricultores, os professores, os jovens, os empresários, os idosos, as universidades, as empresas e as pessoas que acrescentam valor – “é sempre dessa ‘mistura’ que resulta o sucesso do desenvolvimento local”.

 

Multimédia2Foto | Jorge Revez, presidente da Associação de Defesa do Património de Mértola

 

“HÁ UM ENORME DESINTERESSE E FALTA DE CONHECIMENTO PELO MUNDO RURAL E as SUAS ATIVIDADES”

A Associação de Caçadores da Amendoeira da Serra, fundada no ano 2000, é, atualmente, composta por 20 sócios, com idades compreendidas entre os 45 anos e os 78 anos, sendo que cerca de dois terços são oriundos do concelho de Mértola, com alguns dos restantes provenientes do Algarve.

 

Ao longo do seu período de existência, e mantendo intacto o número de sócios – "os mais novos, nestes meios rurais, ainda vão aparecendo, mas verifica-se o desinteresse dos jovens citadinos pelo mundo rural e, em particular, pela caça” –, a associação regista um decréscimo acentuado dos efetivos cinegéticos presentes na região: “Não tem comparação, hoje temos muito menos caça”, sublinha Luís Penacho, presidente da associação. Uma constatação que é consequência, de acordo com este responsável, de vários fatores, nomeadamente, das alterações climáticas e dos períodos de seca associados; de doenças que afetam espécies como a perdiz vermelha, a lebre ou coelho bravo; do repovoamento maciço de perdizes de cativeiro, “que trazem parasitas e doenças às selvagens”; e de “um abandono forçado da agricultura”, na região.

 

Considerando a relevante importância económica, social e ambiental que a atividade cinegética tem para os territórios do concelho de Mértola, e acentuando o valor do trabalho articulado desenvolvido “entre proprietários e associações de caçadores”, contribuindo, assim, para o melhoramento dos ecossistemas e habitats cinegéticos, Luís Penacho lamenta o “enorme desinteresse e falta de conhecimento” que existe pelo mundo rural.

 

“O poder político central voltou as costas ao interior do País e, em particular, ao Baixo Alentejo”, diz, manifestando, por conseguinte, o seu receio, acentuado pela perda demográfica do interior, pela pressão exercida pelos detratores da caça e pelas inusitadas circunstâncias atuais: “As notícias que vamos lendo e ouvindo não são animadoras. A inflação, o aumento dos combustíveis, dos alimentos e as subidas das taxas de juros e a guerra na Europa fazem com que se avizinhem tempos complicados e difíceis”.

 

Desta forma, o maior desafio que se coloca, neste ano, à Associação de Caçadores da Amendoeira da Serra, é tentar que a mesma “se mantenha firme e unida”, impedindo qualquer desistência. Nesse sentido, Luís Penacho revela ser necessário “ajustar o valor das cotas” para que o esforço [económico] dos sócios seja minimizado. E termina, sublinhando ser necessário em 2023 verificar-se “um maior apoio, por parte das entidades ligadas à caça”, relativamente ao setor e uma mais correta divulgação “da importância económico-social do mundo rural e das suas atividades e costumes” para a sociedade.  

 

Multimédia3Foto | Luís Penacho, presidente da Associação de Caçadores da Amendoeira da Serra

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