Diário do Alentejo

Nova canção de Pedro Mafama junta cante alentejano e música cigana

08 de abril 2023 - 12:00
“Oxalá a ‘Grândola’ seja um dia o hino de Portugal”, diz músico
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“Estrada” é o título da nova canção de Pedro Mafama, artista apaixonado pelo cante alentejano que une, nesta sua mais recente criação, esta forma de expressão musical com as sonoridades de raiz cigana, através das prestações musicais do Grupo Coral do Sindicato dos Mineiros de Aljustrel e dos Ciganos d’Ouro. Carlos Marçalo, mineiro cantador, mostra-se agradado com a participação do grupo nesta experiência musical e com o resultado final, considerando, contudo, que o cante alentejano genuíno “tem de ser ouvido tal como ele é”, cantado a cappella.

 

Texto José Serrano

 

Disponível ao público desde a passada semana, “Estrada” é o título do novo tema de Pedro Mafama, uma canção que junta o cante alentejano, interpretado pelo Grupo Coral do Sindicato dos Mineiros de Aljustrel, e as sonoridades da música cigana dos Ciganos d’Ouro.

 

Sobre esta nova criação, que faz parte do seu próximo álbum – “Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente” –, a ser editado em maio, o músico diz tratar-se de uma música “que fala sobre querer escapar às garras de algo ou alguém que nos faz mal e acelerar em frente pela estrada fora, em busca da felicidade”.

 

Em declarações ao “Diário do Alentejo”, o autor revela a génese deste seu interesse em unir, em “Estrada”, dois caminhos musicais: “Eu andava a trabalhar, há já algum tempo, numa rumba portuguesa, quando me veio à cabeça o ‘Hino dos Mineiros’, que, por coincidência ou não, tem precisamente a mesma cadência – andaluza, flamenca – da canção que eu estava a fazer e cuja letra se relaciona com a história que eu estava a querer contar, de luta pela liberdade. A junção destes universos, que em certos momentos se tocam, pareceu-me explosiva, tendo em conta todas as tensões que existem hoje. Acho que é um ato importante juntar a música de tradição cigana, que faz parte da cultura portuguesa e tem de ser vista como tal, e o cante alentejano, uma tradição riquíssima que me apaixona desde há muito”.

 

Uma paixão, revela, que teve origem nos seus tempos de menino, quando começou a admirar um dos emblemáticos temas de Zeca Afonso: “Eu sou de uma família que está muito associada à luta pela liberdade no nosso país – o meu avô foi preso e torturado pela PIDE – e faço parte de um grande grupo de pessoas que em criança ouviu, lavado em lágrimas, a ‘Grândola Vila Morena’, que faz parte da minha memória familiar, que associo à luta pela liberdade e que para mim podia ser o hino de Portugal, oxalá um dia o seja”. Foi precisamente este “seu” hino que o levou a “mergulhar bastante” na tradição da música alentejana, da qual se intriga sobre “os melismas, as ‘voltinhas’ da voz do alto” que dela fazem parte.

 

Acerca da possibilidade de poder vir a estar em palco rodeado por todos os intervenientes desta “Estrada”, Pedro Mafama revela-se claramente entusiasmado: “Isso é que era uma coisa linda, só de pensar nisso já ganhei o meu dia – sem dúvida que o vou fazer num momento oportuno. Em Aljustrel seria fantástico e já disse ao presidente da câmara que gostaria muito de ser convidado…”.

 

Carlos Marçalo, membro do Grupo Coral do Sindicato dos Mineiros de Aljustrel, revela que para este projeto chegar a bom porto existiram “conversações” sobre a participação, ou não, deste que é o primeiro grupo coral alentejano, criado, em 1926, e a inclusão do “Hino dos Mineiros”, canção de elevado significado e distinta solenidade, no tema de Pedro Mafama.

 

Isto, porque, manifesta, “há sempre quem diga – e já ouvi a crítica – que o hino não se deve introduzir em certos ritmos musicais”. Por fim, revela o cantador, “o pessoal chegou à conclusão que seria vantajoso para o grupo, ainda que o hino fosse apresentado de maneira diferente. Nós não podemos fugir do nosso caminho mas aceitarmos experiências diferentes, uma vez por outra, esporadicamente, acaba por ser bom para nós”.

 

No entanto, Carlos Marçalo, ainda que agradado com o resultado deste envolvimento musical – “já ouvi bastamente vezes a música e reconheço-lhe qualidade” –, sublinha a necessidade de se preservar a génese da tradição Património da Humanidade: “Podemos pegar no cante alentejano e introduzi-lo numa música mas, nesse momento, ele deixa de o ser, pois a sua raiz é ser cantado a cappella¸ não se faz acompanhar de instrumentos musicais. Para a divulgação dos grupos corais é benéfica a sua participação em projetos com artistas, mas o cante tem de ser ouvido tal como ele é. Temos de saber distinguir as coisas”.

 

E termina, corroborando a intenção de Pedro Mafama em partilharem palco, ao vivo, uma hipótese que diz ver “com bons olhos”.

 

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