Diário do Alentejo

“Quantas pedras trago eu no sapato…

29 de outubro 2023 - 14:00
Bandidos do Cante já esgotaram três coliseus com os D.A.M.A e o seu conterrâneo Buba Espinho
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Rendidos desde pequenos ao encanto do Alentejo e, especialmente, às raízes e tradições do cante alentejano, o grupo Bandidos do Cante é o espelho das vivências de outras gerações e do cante ao balcão das tabernas. A simplicidade e a irreverência com que se apresentam quando puxam uma moda fizeram com que grandes nomes da música os chamassem para duetos. O “Diário do Alentejo” dá a conhecer Luís Aleixo, Duarte Farias, Francisco Raposo, Miguel Costa e Francisco Pestana.

 

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Dentro da taberna A Pipa, numa das ruas estreitas da cidade de Beja, o frio e a chuva que teimam em fazer-se sentir são amenizados por um ou outro copo de vinho tinto. A mesa rústica, tapada com uma toalha quadriculada em tons de azul, enche-se, graciosamente, de bons petiscos alentejanos à medida que o dia avança.

 

Envolvidos pelas pás, foices e potes de barro que enfeitam a sala fazem, normalmente, soar  mais uma vez “Quantas pedras trago eu no sapato...”, do single “Casa”, que gravaram juntamente com a banda portuguesa D.A.M.A e o seu conterrâneo Buba Espinho.

 

Luís Aleixo, Duarte Farias, Francisco Raposo, Miguel Costa e Francisco Pestana, mais conhecidos como Bandidos do Cante, andam nas bocas do mundo desde que o referido single foi lançado nas plataformas digitais. Este foi também o grande motivo que levou o grupo de amigos a profissionalizar a sua “paixão pela música”.

 

“Nós sempre estivemos ligados à música e, principalmente, ao cante alentejano e foi através do convite do Buba [Espinho] para integrarmos a música ‘Casa’ que surgiram os Bandidos do Cante. Aliás, o principal culpado foi o Kasha [dos D.A.M.A] que nos meteu esse bichinho na cabeça, porque sempre que chegávamos a algum sítio ele chamava-nos ‘bandidos’ e depois juntou isso àquilo que nós fazíamos, [ou seja] o cante”, começa por contar, ao “Diário do Alentejo”, Duarte Farias, de 23 anos.

 

A simplicidade com que unem as suas vozes, fazendo diferentes harmonias e dando um “ar mais fresco” ao cante alentejano, é o que, segundo Francisco Raposo, de 24 anos, os diferencia dos restantes grupos de música portuguesa e o que fez com que artistas pop projetassem trabalhar com eles. “Acho que o que nos caracteriza é a nossa simplicidade, a nossa vontade e irreverência. Damos um ar mais fresco ao cante alentejano, em vez daquele sofrimento que se tinha antes quando se cantava a moda. Nós jogamos com as harmonias que o cante alentejano, que é a nossa raiz, nos deu e trabalhamo-las numa forma mais pop”, explica.

 

Este atrevimento e originalidade em transformar a forma como se interpreta o cante alentejano e utilizar as suas particularidades para dar uma “nova vida” a determinadas músicas, tais como a regravação de “Menina estás à janela” com Vitorino Salomé e D.A.M.A, fez com que os Bandidos do Cante já se tenham apresentado em grandes palcos, tais como no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, no Coliseu do Porto e no Festival do Crato a convite dos D.A.M.A, Buba Espinho e da banda portuguesa Quatro e Meia.

 

“A exigência que nós damos às coisas, de acharmos que podemos fazer sempre mais um bocadinho, de acharmos que aquele arranjo de guitarra está bom, mas que pode ser melhorado, de falarmos para saber se entramos por aqui ou por ali em novas harmonias e tudo com uma linguagem tão simples, tem feito com que as coisas corram bem. As pessoas têm gostado e nós esperamos que continue a haver aceitação, porque as modas e as músicas são bonitas como eram há 100 anos e como nós as cantamos agora”, realça o antigo integrante do Grupo Coral Os Discípulos.

 

Ainda assim, Francisco Pestana, também de 23 anos, o único dos cinco que não é natural do concelho de Beja, mas, sim, de Monte Trigo (Portel), adverte para o facto de os Bandidos do Cante não serem “um grupo coral de cante alentejano”, mas sim “um grupo de cinco jovens que quer fazer música portuguesa, que muito naturalmente traz o Alentejo na voz por causa das suas referências, e que bebe de uma ou duas modas, mas que agarra nelas e as trabalha à sua maneira”.

 

“NÓS TEMOS MILHARES E MILHARES DE HORAS DE ENSAIO” 

Luís Aleixo, de 28 anos, o membro mais velho do grupo, formou e integrou o Grupo Coral Os Bubedanas, em 2013, e desde então que a sua vida tem sido preenchida com projetos musicais, principalmente, em conjunto com o seu amigo de infância Buba Espinho.

 

À sua semelhança, também Duarte Farias e Francisco Raposo fizeram parte do grupo Os Discípulos, criado “muito por influência do grupo Os Bubedanas”, porque olhavam “para eles como uma referência”. Por sua vez, Francisco Pestana e Miguel Costa, de 21 anos, entraram no mundo da música inspirados pelos pais.

 

“O gosto pelo cante já vem desde muito novo, muito por influência do meu pai e dos grupos que existiam na minha zona. Lembro-me de andar na escola e nos intervalos e no final das aulas ir com um amigo para as casas de banho cantar, porque tinham aquela acústica de que nós gostávamos”, recorda Francisco Pestana.

 

Para Miguel Costa, apesar de ter noção que gostava de fazer música logo aos “cinco anos” quando lhe “deram uma guitarra”, foi só aos 18, quando se inscreveu no programa de televisão “The Voice”, da “RTP1”, que confirmou “aquilo que não tinha bem a certeza”, ou seja, “que era da música que queria fazer vida”.

 

Apesar das suas tenras idades, entre os 21 e os 28 anos, a maioria dos integrantes dos Bandidos do Cante já conta com mais de 10 anos de experiência e “milhares e milhares de horas de ensaio”, uma vez que começaram “muito novos, com 12 ou 13 anos”.

 

“Acho que as pessoas pensam que a música é um dom e que o resto está tudo feito, mas não é nada disso. Há muito trabalho por trás, há muitas horas de estrada, há muita coisa associada a este mundo que dá trabalho, muitas horas de ensaio, muitas coisas abdicadas, como o estar com a nossa família”, refere Luís Aleixo.

 

Francisco Raposo concorda. “Para haver a coisa bonita dos coliseus houve muita estrada, muita hora de estúdio, muito tempo a cantar a mesma música, comer pizzas todos os dias para sermos rápidos e voltarmos ao trabalho, só que isso é o trabalho invisível, que a malta não vê. E é essa compreensão que as pessoas ainda não têm”.

 

Ainda assim, os Bandidos do Cante têm noção de que “a bitola está muito elevada” e que o trabalho árduo tem de continuar para que o projeto se mantenha em pleno e com sucesso. Atualmente, encontram-se a trabalhar em novas músicas, para interpretarem ou darem a outros artistas, e num espaço, em Beja, para “receber outras pessoas e fazer música”.

 

“Este grupo começou num patamar muito elevado. Começámos com três coliseus esgotados e isso traz-nos muito mais responsabilidade para continuar”, conclui Luís Aleixo.

 

TABERNA A PIPA É “PONTO DE ENCONTRO”

Saudade Campião, proprietária do restaurante A Pipa, local onde o grupo Bandidos do Cante se reúne com regularidade, não deixa de mostrar o seu apoio, principalmente, nas redes sociais. Ao “Diário do Alentejo” garante que o facto de a taberna ser, atualmente, um “ponto de encontro” tem a ver com a valorização que sempre se deu no seu estabelecimento ao cante espontâneo após um almoço ou jantar.

 

“Criámos na Pipa este ambiente onde as pessoas vêm independentemente da idade, em grupo ou não, porque se sentem bem e podem cantar de improviso. No caso deles [os Bandidos do Cante], desde que começaram a vir, ainda muito novos, sempre os deixamos cantar à vontade e isso tem feito com que voltem e com que tenhamos, agora mais ainda, muito orgulho neles”, refere.

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