O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou, no dia 1 de janeiro, na tradicional mensagem de Ano Novo, que “2023 pode vir a ser, no mundo, na Europa e em Portugal, o ano mais importante até 2026, se não mesmo até 2030”, e que, assim sendo, Portugal entra em 2023 obrigado “a evitar que seja pior do que 2022”, que “não foi o ano da viragem esperada”. No âmbito deste comunicado, o “Diário do Alentejo” apresenta esta semana o retrato atual do concelho de Castro Verde, a partir das perspetivas de António José Brito, presidente da câmara, Rita Alcazar, coordenadora do Centro de Educação Ambiental do Vale Gonçalinho, Colaço Guerreiro, apresentador de “Património”, o mais antigo programa da “Rádio Castrense”, e António Aires, vice-presidente da Associação de Agricultores do Campo Branco.
Textos José Serrano
O presidente da Câmara Municipal de Castro Verde considera que este ano representará a “continuidade do trabalho” que tem vindo a ser desenvolvido “desde 2017”. António José Brito sublinha os investimentos feitos, com vista ao desenvolvimento do território, “num contexto global, articulado e com visão de conjunto”, e assume a educação como aposta estratégica do concelho. Na área da saúde, o autarca acentua a insustentabilidade do serviço de urgência básica, incapaz de dar resposta ao número de utentes que acolhe, e pede aos responsáveis governamentais a sua redobrada atenção para este problema.
Considera que 2023 deverá ser um ano essencial, no decurso da década, para o desenvolvimento do concelho de Castro Verde?
O desenvolvimento de um território assenta na articulação de diversas ações. Em Castro Verde agimos num contexto global, articulado e com visão de conjunto. Contudo, sabemos bem que há pilares nessa intervenção que são fundamentais. Nada é desarticulado e desintegrado. Este ano de 2023 já está a representar a continuidade do trabalho, muito amplo, que, desde 2017, temos vindo a fazer em Castro Verde. São respostas fundamentais, para as pessoas e para o futuro do concelho. E isso nada tem a ver com as palavras do Presidente da República, que, admito, farão sentido noutros lugares – em Castro Verde, não. Independentemente daquilo que está feito, acabámos de abrir a nova casa mortuária de Entradas (cerca de 350 mil euros de investimento) e, na sede de concelho, o parque de estacionamento da rua do Santo (cerca de 355 mil euros). Ao mesmo tempo, temos quase concluída a zona empresarial de Castro Verde (muito perto de 2,6 milhões de euros de investimento). Esta obra, muito importante, será consolidada, em breve, com a empreitada para abastecimento de água ao espaço, cujo investimento ficará acima de 130 mil euros. A par destes investimentos relevantes, a requalificação da escola secundária caminha a “passos largos” para o fim, representando uma aposta estratégica, num investimento de cerca de 4,1 milhões de euros. Não posso deixar de assinalar que começou, há poucos dias, a obra de requalificação urbana do “eixo” largo Vítor Prazeres e rua Dr. António Francisco Colaço (220 mil euros), no centro histórico da vila, e que, neste momento, temos em concurso a requalificação de Estrada Municipal 535 – Castro Verde/Casével/Estação de Ourique (investimento superior a 1,4 milhões de euros) e do Centro Coordenador de Transportes de Castro Verde (cerca de 200 mil euros). Resumindo: Castro Verde tem concluído, em curso ou a iniciar, um valor superior a 9,3 milhões de euros de investimento para dar respostas concretas à população.
Devido a circunstâncias várias, nomeadamente, a guerra na Ucrânia e a elevada taxa de inflação que se verifica, colocam-se, atualmente, inesperados e agravados problemas sociais e económicos aos territórios e aos cidadãos, se compararmos com 2021, ano em que iniciou o seu segundo mandato como presidente de câmara. Face a esta nova conjuntura, quais as novas necessidades surgidas no concelho e de que forma as equaciona colmatar ao longo deste ano de 2023?
SAÚDE Dentro do que é possível, Castro Verde tem um quadro clínico estável. O centro de saúde funciona relativamente bem, graças ao extraordinário desempenho de todos os profissionais. Contudo, o reforço do quadro médico é essencial para consolidar essa estabilidade, pois, neste momento, temos somente sete médicos de família, sendo que uma médica está a meio tempo e dois são internos. Neste contexto exigente, julgo, contudo, que a maior de todas as dificuldades são as condições do centro de saúde e, pior do que isso, o estado do serviço de urgência básica (SUB). A situação do SUB é muito preocupante e precisa de reposta clara e urgente. O espaço foi criado para os 8000 utentes do concelho, mas, nos últimos anos, acolhe mais de 45 000 utentes dos concelhos de Almodôvar, Aljustrel, Ourique, Mértola, parte do concelho de Odemira, Santiago do Cacém e até de Loulé. Há dias com mais de 100 pessoas na urgência de Castro Verde. O espaço é pequeno, sem condições de privacidade, e insustentável. A câmara tudo tem feito, nos últimos cinco anos, para resolver esta situação. Ofereceu terreno para um novo edifício de SUB, disponibilizou-se para pagar o projeto, fez inúmeras diligências junto do Governo, da Administração Regional de Saúde do Alentejo e da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo. Mas tem sido muito complicado. Espero que o novo secretário de Estado da Saúde, que conhece bem esta situação, olhe para a resolução deste problema com muita atenção.
ÁREA SOCIAL
Felizmente, não temos um quadro social como outros concelhos têm, mas, nalguns domínios, precisamos de dar mais respostas concretas, sobretudo, na área da habitação. Neste momento, na câmara municipal, o gabinete de ação social tem seis técnicas, três das quais superiores, o que permite desenvolver o projeto “Castro Verde XXI”, que assenta na coordenação e articulação com outros setores, como a educação, o desporto e a biblioteca municipal, onde é possível conjugar trabalho social regular e interdisciplinar com outros técnicos destas áreas. Tendo Castro Verde uma rede social que congrega mais de 20 entidades, não posso deixar de valorizar o seu trabalho, muito importante. Mas essa rede consolida-se muito com projetos fundamentais e interligados, como a loja social do município (onde está integrado o banco alimentar) e o CLDS 4G “Castro + Vivo”. Destaco também instrumentos de apoio como o gabinete de inserção social, o cartão social, as melhorias habitacionais, as bolsas de estudo, o serviço de transporte para estudantes do ensino superior ou a fomentação de emprego apoiado, que contempla em Castro Verde quase uma dezena de cidadãos. Na verdade, é uma dinâmica muito ampla, que continuaremos a consolidar e alargar, de acordo com o trabalho contínuo que a câmara municipal vai fazendo.
HABITAÇÃO
Temos um concelho que não diverge muito do panorama que existe agora em todo o lado. Porém, Castro Verde tem particularidades que acentuam as dificuldades no acesso à habitação. Desde logo, a vantagem económica das famílias, que resulta da atividade mineira. O concelho tem níveis de rendimento relativamente elevados e, por causa disso, uma “pressão” muito acentuada no preço das rendas ou na aquisição de novas casas. Isso é um problema muito preocupante e, obviamente, as famílias com baixos rendimentos têm uma dificuldade imensa para construir ou arrendar casa. A câmara municipal tem assinado (desde o verão de 2022) e está a implementar a estratégia local de habitação, que, acreditamos, vai dar uma resposta objetiva, sobretudo, às famílias de baixos rendimentos. Será um trabalho exigente, mas estamos empenhados em concretizar este processo.
ENERGIA
Trata-se de um setor que nos aflige muito e que nos está a causar inúmeros problemas. Os custos dispararam em 2022 de forma incomportável e isso, naturalmente, tem implicado “dores” muito relevantes nas contas municipais, fundamentalmente, no que diz respeito à eletricidade e aos combustíveis. A conjuntura obriga-nos a ser mais parcimoniosos e, no caso da câmara, temos trabalhado, sobretudo, na sensibilização para a contenção, sem pôr em causa a eficácia e a normalidade dos serviços.
ACESSIBILIDADES
Castro Verde está muito bem no que diz respeito às vias nacionais, excetuando o troço da EN2 até Almodôvar, que está mesmo muito mau. Quanto ao resto, a vila é “cruzada” pelo IP2, EN2, EN123 e A2. É uma centralidade com grande potencial, que, em termos gerais, não apresenta dificuldades de maior. Quanto à rede municipal temos dificuldades, embora estejamos a trabalhar para as superar. Há três anos requalificámos totalmente a ligação entre Castro Verde e a Mina de Neves-Corvo (com ligação a Santa Bárbara de Padrões) e, neste momento, temos concluído o concurso para a requalificação da EM535, de Castro Verde para Estação de Ourique (com passagem por Casével). São dois eixos “internos” fundamentais, que dão uma resposta essencial dentro do concelho. Temos, contudo, outras vias a precisar de intervenção. Infelizmente, as acessibilidades não têm financiamentos comunitários e temos de recorrer a capitais próprios ou à banca, como fizemos em Castro, para resolver estes problemas. Acho lamentável que o quadro comunitário Portugal 2030 volte a excluir intervenções em acessibilidades de territórios do interior ou de baixa densidade.
AMBIENTE
O concelho de Castro Verde está classificado como reserva mundial da biosfera da Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura]. Isto, só por si, testemunha bem a riqueza ambiental do nosso território e de todo projeto ambiental que tem vido a ser desenvolvido desde há 30 anos. Contar com parceiros fundamentais, como a Liga para a Proteção da Natureza e a Associação de Agricultores do Campo Branco, é uma mais-valia essencial. Por outro lado, a câmara tem uma ação muito ampla, em vários domínios. Destacaria os biorresíduos e, nomeadamente, o projeto “Porta a Porta”, cuja implementação está a avançar e será desenvolvido na zona histórica da vila de Castro Verde. Estamos também muito empenhados no aprofundamento do trabalho com o canal Horeca (hotéis, restaurantes, cafés, etc.) e na criação de recursos para a implementação de uma solução comum, com escala regional, para os resíduos de construção e demolição. Creio que, também neste caso, teremos de ser capazes de articular o trabalho entre todas as autarquias. Isso terá de decorrer numa escala semelhante à que tem vindo a ser desenvolvida na Resialentejo e todos os presidentes de câmara terão de olhar mais para o conjunto e menos para a circunstância particular do seu território.
EDUCAÇÃO
A Câmara de Castro Verde assume como objetivo central o fortalecimento contínuo da atividade educativa e do sucesso escolar dos alunos, mas também a consolidação de maior bem-estar e qualidade de vida das famílias do concelho. A educação está identificada como pilar estratégico para o futuro do concelho. A câmara faz relevantes investimentos que, em 2022/23, deverão representar cerca de 655 mil euros no plano letivo (transportes, refeições, ensino artístico, manutenção de edifícios, etc.), a que se juntam os custos com pessoal não docente (mais de 900 mil euros). Noutras áreas, assinale-se a disponibilidade municipal para assegurar apoios concretos nos transportes (pagamento de 100 por cento dos passes); atividade curricular diária e/ou várias visitas de estudo (65 viagens de estudo nos diversos níveis de ensino em 2021/22); transporte regular entre Castro Verde e a Funcheira para estudantes do [ensino] superior; apoio concedido, no âmbito dos cartões municipais do Bombeiro e da Cruz Vermelha, aos respetivos descendentes diretos ou, no caso das bolsas de estudo, financiamento a 23 alunos do ensino superior (27 668 euros). Temos praticamente concluída a nova carta educativa e é neste contexto que assumimos a educação como aposta estratégica no concelho. Diria mais: com a conclusão da relevante obra de requalificação da escola eecundária, cujo investimento rondará mais de quatro milhões de euros, teremos condições letivas de grande qualidade para toda a comunidade educativa e, estamos certos disso, afirmaremos Castro Verde como “centro educativo e de formação” de todo o território do Campo Branco.
INVESTIMENTO EMPRESARIAL
Destaco que Castro Verde tem no seu território a Somincor, que é a maior empresa do Alentejo. Isso, só por si, representa muito daquilo que é a nossa atividade económica, que, naturalmente, está muito influenciada pela importante ação da Somincor. Muitas vezes as pessoas não têm a noção que a mina de Neves-Corvo, em trabalho direto da Somincor e de outras empresas a operar na atividade mineira, tem mais de 2500 trabalhadores, muitos deles altamente qualificados. Isto é, naturalmente, uma grande vantagem. Infelizmente, durante muitos anos, não houve a capacidade de criar formas de “contagiar” essa dinâmica e, sobretudo, diversificar a atividade económica. Só em 2020 iniciámos a construção de uma zona empresarial, em Castro Verde, com 39 lotes, para atrair e fixar outras empresas e, acreditamos, diversificar a base económica do concelho. Felizmente, a obra da zona empresarial está praticamente concluída e representa cerca de 2,5 milhões de euros de investimento do município. Estamos agora a trabalhar no respetivo abastecimento de água e no plano de comunicação e marketing. Creio que, até ao final do verão, teremos condições de contratualizar os primeiros investimentos.
Por outro lado, a câmara faz diariamente muito trabalho para tentar atrair investimento. Desde logo a partir da ação do InCastro – Centro de Ideias de Negócios, onde estão instaladas, fisicamente, cerca de 20 empresas e mais seis virtuais, também com “diplomacia económica”, visando a concretização e investimentos no concelho. Por exemplo, está em curso a instalação de uma grande loja da cadeia alemã de supermercados LIDL, que representa cerca de seis milhões de euros de investimento e vai criar mais de 20 novos postos de trabalho.
PATRIMÓNIO HISTÓRICO
Desde 2017, temos valorizado muito o património histórico do concelho, sobretudo, os monumentos religiosos. Fundamentalmente, destaco a Basílica Real. Nem sempre Castro Verde soube valorizar este templo importante – é a única basílica a sul do Tejo. A partir da sintonia criada com a paróquia, a Direção Regional de Cultura do Alentejo, o Governo, através da CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional], e a Somincor, renovámos e pintámos todo o monumento, limpámos os telhados e arranjámos portas e janelas, requalificou-se profundamente o coro alto e o nártex e, neste momento, está concluída a reabilitação dos “tímpanos” e do extraordinário teto pintado. Só este esforço de equipa, que foi além das palavras e se traduziu em trabalho concreto, permitiu a classificação da Basílica Real como monumento nacional. Depois de um ano e meio fechada e mais de meio milhão de euros de investimento para assegurar estas intervenções, a Basílica Real de Castro Verde deverá reabrir ao culto e ao público no início da próxima primavera.
CULTURA
Sempre nos distinguimos pela aposta consistente na programação cultural. A câmara reserva muitos recursos para esse fim. Destaco o facto de Castro Verde ter, ao longo do ano, eventos culturais tão distintos como o festival “Entrudanças”, em Entradas, a “Primavera no Campo Branco”, as Festas e a Feira de Castro, e os festivais “Sabores do Borrego”, “Castro Mineiro” ou “7 Sóis 7 Luas”. A par disso, em 2023, estamos a apostar na iniciativa “Há Festa”, assente numa programação regular e descentralizada, ao longo do ano, em todos os lugares do concelho, quer tenham 40 ou 500 residentes. A nossa estratégia é, além da riqueza e diversidade da programação cultural, associar a valorização do território e aquilo que tem de melhor. Se a Feira de Castro é “uma marca” nacional, quando promovemos os festivais “Sabores do Borrego” e “Castro Mineiro” estamos a valorizar o melhor que temos no nosso território, seja no mundo rural ou numa atividade industrial importantíssima. Sinto que Castro Verde “pede meças”, em termos de programação cultural, à generalidade dos municípios do Alentejo. Para mim isso é óbvio.
Foto | José António Brito, presidente da Câmara Municipal de Castro Verde
OUTRAS PERSPETIVAS SOBRE O CONCELHO DE CASTRO VERDE
OS OLHARES DE RITA ALCAZAR, DO CENTRO DE EDUCAÇÃO DO VALE GONÇALINHO, DE COLAÇO GUERREIRO, DO OBSERVATÓRIO DO CANTE ALENTEJANO, E DE ANTÓNIO AIRES, DA ASSOCIAÇÃO DE AGRICULTORES DO CAMPO BRANCO
Rita Alcazar considera que as alterações da paisagem, que se têm verificado no território, consequentes da conversão agrícola, colocam em risco, “por perda de habitat”, as espécies de aves estepárias. No que lhe concerne, Colaço Guerreiro acentua que todos os recursos que estarão disponíveis em 2023 deverão ser “aplicados criteriosa e meticulosamente”, com vista a favorecer o desenvolvimento local, de importância crucial para o futuro das comunidades do território. Por sua vez, António Aires manifesta que o concelho atravessa, em termos agrícolas, “um momento difícil” e mostra-se preocupado quanto ao novo Plano Estratégico da Política Agrícola Comum, “que põe em causa” o Plano Zonal de Castro Verde, “uma das medidas mais importantes” para os agricultores” da região.
“A CONVERSÃO DE MUITAS ÁREAS DE CEREAL EM OLIVAIS E AMENDOAIS ESTÁ A PROVOCAR O DECLÍNIO DE AVES ESTEPÁRIAS”
Localizado no concelho de Castro Verde, numa propriedade pertencente à Liga para a Proteção da Natureza (LPN), o Centro de Educação Ambiental do Vale Gonçalinho (Ceavg), promove um modelo de gestão assente em práticas agrícolas e pecuárias extensivas de sequeiro, com uma rotação de culturas de cereal e pastagens espontâneas, essenciais para promover um habitat de qualidade para a conservação de aves estepárias.
Aos visitantes da Reserva da Biosfera de Castro Verde, reconhecida, em 2017, pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o Ceavg disponibiliza, para além dos percursos pedestres para observação da natureza, aconselhamento técnico para a realização de visitas de observação de várias espécies, como a abetarda, o sisão, o tartaranhão-caçador, o cortiçol-de-barriga-negra, o peneireiro-das-torres ou o rolieiro.
A LPN dinamiza ainda, no Ceavg, ao longo do ano, atividades para públicos de todas as idades, famílias e escolas, com práticas pedagógicas e lúdicas para a descoberta da natureza e para a transmissão da necessidade da sua preservação. Além das atividades de sensibilização ambiental, a LPN implementa vários projetos, nacionais e internacionais, que incluem a execução de diversas ações de conservação da natureza. Ações “que, envolvendo várias empresas locais e regionais na sua realização, se traduzem num benefício social e económico para a região”, sublinha Rita Alcazar, membro do corpo técnico da LPN e coordenadora do Ceavg.
Assim, esta responsável considera a prestação do trabalho desenvolvido no fortalecimento da atratividade do território e do desenvolvimento sustentável do concelho: “A LPN dinamiza atividades de sensibilização ambiental, tanto para as comunidades locais como para visitantes nacionais e estrangeiros, promovendo os valores naturais que distinguem esta região e que estiveram na base da classificação de Castro Verde como Reserva da Biosfera”. Um reconhecimento internacional “que contribui para a promoção da região e para o desenvolvimento das atividades turísticas, efetuadas ao nível do alojamento, da gastronomia e animação cultural”, refere Rita Alcazar.
Outro dos aspetos da atividade da LPN, em Castro Verde, considerado como fundamental pela coordenadora do Ceavg, relaciona-se “com os ensaios e a demonstração de boas práticas de gestão rural, com particular foco na conservação da natureza e na agricultura”. Um trabalho que permite “adquirir experiência prática muito importante para definir medidas de gestão agrícola e ambiental que contribuem, decisivamente, para o desenvolvimento sustentável de Castro Verde”, acentua.
Considerando que as mudanças que se têm verificado, nos últimos anos, na paisagem do Baixo Alentejo, com a conversão de muitas áreas de cultivo de cereal em olivais, amendoais e outras culturas agrícolas permanentes, “estão a provocar, por perda de habitat, o declínio muito significativo das espécies de aves estepárias, confinadas a algumas áreas protegidas, como é o caso de Castro Verde”, Rita Alcazar declara que um dos objetivos delineados pelo Ceavg, para 2023, passará por “identificar e promover mecanismos adequados que apoiem os agricultores, em locais com importantes valores naturais, a manter práticas agrícolas que garantam a proteção destas aves ameaçadas e a implementação de ações, capazes de garantir a sua sobrevivência”.
Outro dos propósitos da LPN, para este ano, continuará a ser o incremento do trabalho relacionado com a temática da sensibilização ambiental, pretendendo-se, com esse objetivo, “aumentar o número de visitantes ao Ceavg, tanto nas atividades que se desenvolvem ao longo do ano, como em visitas escolares, dando a conhecer os extraordinários valores naturais que ocorrem nesta região”.
Foto | Rita Alcazar, coordenadora do Centro de Educação Ambiental do Vale Gonçalinho
“OU OS ELEITOS LOCAIS ASSUMEM A POLÍTICA CULTURAL OU COLABORAM NO ESVAZIAMENTO DA MEMÓRIA COLETIVA DO SEU POVO”
O rico subsolo da região de Castro Verde, integrante da faixa piritosa ibérica, tem sido “desde há milénios motivo de cobiça e ocupação de povos antigos que aqui se fixaram para fazer a sua exploração mineira”, expõe Colaço Guerreiro, coordenador do Observatório do Cante Alentejano e do Centro de Documentação do Cante Alentejano, e apresentador de “Património”, o mais antigo programa da “Rádio Castrense”, emitido desde 1989.
“A imensa jazida mineral existente nas profundezas da nossa terra, já exploradas à superfície por povos antigos”, conduziu à criação, em 1980, da Somincor – Sociedade Mineira de Neves-Corvo, “que iniciou, em 1988, a operação de extração de cobre, zinco, chumbo e prata”. Uma situação que permite ao concelho, “com cerca de 6900 habitantes e aproximadamente 5200 a residir na vila sede”, garantir, através da empresa mineira, “cerca de 2500 empregos, sendo 84 por cento ocupados por trabalhadores da região – pelo que o desemprego é residual”, esclarece.
Contudo, e para além dos “benefícios imediatos e subsequentes que a laboração da mina acarretou”, deveriam ter sido “objeto de atenção os impactos económico e sociocultural que esta realidade trouxe”, bem como “acautelado o inevitável [período] pós-mina do concelho, com a adoção de medidas que mitigassem o descalabro e acautelassem o nosso bem-estar futuro”, acentua Colaço Guerreiro. Desta forma, o ex-advogado entende que, “em termos socioculturais, deveriam ter sido adotadas medidas profiláticas que valorizassem e salvaguardassem a nossa identidade cultural e a memória coletiva local”.
Por outro lado, lamenta ainda ter sido “desperdiçada a fase de crescendo da mina, nada se tendo feito com vista à captação, instalação, diversificação e fortalecimento do nosso tecido empresarial”. E avança: “Com efeito, só em março de 2021, mais de 40 anos após a constituição da Somincor, foi lançada a primeira pedra para a construção de uma zona empresarial [em Castro Verde], agora em fase de conclusão”.
Acerca da relevância que 2023 poderá representar para o concelho, Colaço Guerreiro expressa o que considera ser a importância estratégica do desenvolvimento local, “fulcral para as comunidades”, tendo em vista o seu presente, “mas especialmente” o seu futuro.
“Medidas que não são adotadas agora vão afetar e comprometer o bem-estar das populações mais tarde. Por isso, este ano não é exceção à regra e deve ser aproveitado, mês a mês, com todos os recursos disponíveis, aplicados criteriosa e meticulosamente, com vista a favorecer a felicidade e qualidade de vida dos castrenses atuais e vindouros”.
Em termos da sua energia patrimonial cultural, Colaço Guerreiro, cidadão profundamente ligado à cultura local e à música de raiz popular, apresenta o concelho como tendo sofrido “uma enorme erosão cultural a partir dos anos 90, no que toca a valores identitários e manifestações de índole tradicional”, consequência, também, da “’desruralização’ da vila, trocada por um modelo urbano”.
Do património edificado, destaca as avultadas “obras de conservação e restauro da Basílica Real (prestes a abrir ao culto e ao público) e algum cuidado para com o edificado, em geral”. Relativamente ao património imaterial, salienta a abertura e funcionamento, desde 2021, do Centro de Artes e Viola Campaniça, “onde se ensina a construir e a tocar a dita viola de arame”, encontrando-se sediado no mesmo local o Grupo de Trabalho do Cante Alentejano, o Observatório do Cante Alentejano e o Centro de Documentação do Cante Alentejano, “tendo em vista a revitalização da prática classificada, [em 2014], como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela Unesco”.
Acerca do que julga dever ser feito para fortalecer essa mesma energia cultural, identitária do território, Colaço Guerreiro considera que “o trabalho crucial, a ser desenvolvido na área do imaterial, passa essencialmente por uma aposta forte e determinada” das autarquias. “A política cultural dos eleitos locais é a pedra de toque na construção e execução, em cada concelho, de projetos de visem a salvaguarda da cultura identitária do seu território. Ou a assumem como prioridade ou colaboram no esvaziamento sistemático da memória coletiva do seu povo, oferecendo-lhe repetidos programas de entretenimento e diversão”. E acrescenta: “Porque o movimento associativo, em geral, já é insípido e não tem estrutura humana, técnica e financeira para alavancar projetos culturais de grande monta, cabe aos municípios esse papel”.
Sobre o que gostaria de ver implementado em Castro Verde até final de 2023, Colaço Guerreiro diz desejar “ver, de volta, a cantar, todos ou parte dos grupos corais existentes no concelho à data da inscrição do cante na lista da Unesco”, e que o Grupo de Trabalho do Cante, “instrumento vital para a sua revitalização,” assumisse, “com a maior brevidade, a função para a qual foi criado”.

Foto | Colaço Guerreiro, coordenador do Observatório do Cante Alentejano e do Centro de Documentação do Cante Alentejano
"É NECESSÁRIO VALORIZAR A NOSSA FORMA DE FAZER AGRICULTURA"
O vice-presidente da Associação de Agricultores do Campo Branco (AACB), António Aires, diz que o concelho de Castro Verde atravessa, em termos agrícolas, “um momento difícil”, resultante da conjuntura atual, “com o aumento dos custos dos fatores de produção” aliado “à situação de seca” que tem afetado o território e às “incertezas inerentes” ao início de um novo quadro comunitário. E especifica: “O novo Plano Estratégico da Política Agrícola Comum [Pepac] traz novidades e, quanto a nós, põe em causa uma das medidas mais importantes para os agricultores do concelho – o Plano Zonal de Castro Verde, com condições de acesso mais restritivas, o que fará com que a medida tenha menor adesão”.
Uma medida agroambiental, elaborada especificamente para a região do Campo Branco, “que já deu provas de sucesso no desenvolvimento sustentável e ambiental do território, servindo, inclusive, de premissa para a classificação do concelho de Castro Verde, como reserva da biosfera da Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] ”, realça. Por conseguinte, António Aires transmite a ideia da relevância que 2023 poderá ter para o desenvolvimento agrícola do concelho, “uma vez que é o primeiro ano do Pepac, com duração até 2027, com muitas alterações ao nível da atribuição das ajudas e dos compromissos assumidos”, e que, entende a AACB, “não representa as necessidades dos agricultores da região”.
Sendo a zona de Castro Verde uma região de agricultura de sequeiro e de pecuária extensiva, “torna-se difícil competir com outras regiões que têm acesso à água”, sendo necessário “valorizar a nossa forma de fazer agricultura”, acentua.
“Para os associados da AACB seria importante um aumento das ajudas pagas” pelos serviços “ao ecossistema que este tipo de agricultura presta à sociedade” e pelo facto de se encontrarem em zona protegida, sujeitos a limitações, como, por exemplo, a impossibilidade de instalar painéis fotovoltaicos, de fazer agricultura de regadio ou de proceder a florestação.
“Ainda que”, explana António Aires, “nos pareça viável a conjugação de pequenos regadios e de pequenas unidades de painéis fotovoltaicos com a agricultura de conservação que se pratica no concelho”. Outros dos desafios que se colocam, este ano, à agricultura, na região, passam pela criação de projetos de apoio “à instalação de jovens agricultores”, a “pequenos investimentos nas explorações agrícolas, de forma permanente” e de “ajuda na criação de agrupamentos de produtores reconhecidos”.
E conclui, sublinhando, uma vez mais, que a maior preocupação atual dos associados da AACB é a viabilidade do Plano Zonal de Castro Verde, bem como a sua revisão “no que diz respeito à interdição de pastoreio, em 20 por cento da área de pastagem, de 1 de março a 30 de junho, o que nos parece muito penalizador para a pecuária da região, uma vez que já existe uma limitação de encabeçamento e porque, devido às situações climatéricas que temos vivido, as pastagens são escassas”.
Foto | António Aires, vice-presidente da Associação de Agricultores do Campo Branco (AACB)