Almodôvar, Mértola e Ourique receberam, uma vez mais, o título de “Autarquia + Familiarmente Responsável”, um galardão atribuído pelo Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis. Comparticipação de medicamentos, bolsas de estudo, incentivos à natalidade e financiamento de serviços de obras, adaptações e pequenos arranjos no domicílio são algumas das medidas “amigas das famílias”. Ao todo, nesta 14.ª edição, que diz respeito ao ano de 2021, foram premiados 95 municípios do País, “por investirem na construção de uma política integrada de apoio à família”.
Texto Nélia Pedrosa
"Arranjaram-me as paredes, os poiais, o telhado, o móvel da casa de banho”. Maria Isabel Neves, de 64 anos, reformada por invalidez, vai enumerando as intervenções mais recentes de que foi alvo a sua habitação no antigo bairro mineiro na Mina de São Domingos, na freguesia de Corte do Pinto, concelho de Mértola.
Com a sua parca reforma de “290 euros”, a que junta algum dinheiro, pouco, da “venda de bolos para fora”, seria impossível suportar as obras necessárias para que deixasse de chover dentro de casa como chovia na rua. Por isso, diz, não lhe restou outra alternativa se não recorrer à câmara municipal.
“Chovia em cima da mesa da cozinha, ao pé da lareira, em cima do frigorífico, em cima de tudo. Não podíamos estar aqui. Agora já está tudo resolvido. Estar a chover lá fora e não chover em casa é uma maravilha. Estou muito satisfeita”.
Esta não foi a primeira vez que Maria Isabel contou com o apoio da autarquia de Mértola. Já em 2015 tinha beneficiado de obras de melhoramento no telhado dos dois quartos. Daqui a três anos pensa candidatar-se uma vez mais, “para arranjar a casa de banho, porque os azulejos estão a cair”, diz.
Para além desta medida, Maria Isabel usufrui do Cartão Social do Munícipe, que lhe permite um reembolso do valor gasto em medicamentos, assim como um desconto de 50 por cento nos serviços de água e saneamento e resíduos sólidos.
“Chego a tomar 12 comprimidos por dia. Tenho espondilite anquilosante, má circulação, arritmia. Às vezes gasto 40 euros em medicamentos todos os meses e a reforma não chega para tudo”.
O Cartão Social e serviços de obras e pequenos arranjos no domicílio a famílias com fragilidade social são duas das boas práticas em matéria de responsabilidade familiar implementadas pela Câmara de Mértola que levaram o município a receber em janeiro, pela décima segunda vez, a Bandeira Verde de “Autarquia + Familiarmente Responsável”, uma iniciativa do Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis. Almodôvar e Ourique foram os outros dois municípios do distrito de Beja também distinguidos.
Para Sandra Gonçalves, chefe da Divisão de Educação, Saúde e Desenvolvimento Social da Câmara de Mértola, a atribuição da Bandeira Verde “é um reconhecimento público” do trabalho desenvolvido, demonstra que continuam “no bom caminho” e reforça a vontade em prosseguirem “com o desenvolvimento de outras propostas de apoio às famílias de Mértola”.
Foto | Maria Isabel Neves, Mina de São Domingos (Mértola)
CARTÃO SOCIAL ABRANGE QUASE 700 FAMÍLIAS DE MÉRTOLA
Entre as várias medidas implementadas pela autarquia, o Cartão Social destaca-se como sendo a que abrange mais munícipes, “quase 700 famílias”, acrescenta a responsável. Os beneficiários terão de residir no concelho, ter mais de 65 anos ou serem reformados/pensionistas e pertencerem a um agregado familiar cujo rendimento mensal per capita seja igual ou inferior ao salário mínimo nacional.
Para “além do reembolso em consultas, medicamentos e fraldas, entre outros, usufruem de metade do valor pago pelos consumidores domésticos em todas as tarifas”.
O apoio económico a jovens estudantes através da bolsa de estudo Serrão Martins abrange, por sua vez, “65 famílias”. Em 2021, ano a que diz respeito a atribuição da Bandeira Verde, este apoio representou um investimento de 99 700 euros.
Em 2022 o valor subiu para os 105 mil euros. Sandra Gonçalves sublinha que este apoio “reveste-se de crucial importância, permitindo que mais jovens munícipes possam prosseguir os estudos após a conclusão do ensino secundário, diminuindo a hipótese de não se candidatarem ao ensino superior por razões económicas”.
Todos os jovens têm direito à bolsa de estudo desde que sejam residentes no concelho e que se candidatem a bolsa na Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. “Tendo um filho a estudar em Lisboa e saber que se pode contar todos os meses com um apoio de 200 euros é, sem dúvida, para a maioria das famílias, um alívio”, frisa.
Do conjunto das medidas com “um valor considerável” no orçamento da autarquia, a chefe de divisão destaca o projeto “Mértola acarinha o teu futuro”, de incentivo à natalidade e que se traduz num apoio financeiro de 800 euros por cada criança nascida, sendo que, em 2021, foram gastos 28 mil euros; e o projeto de apoio ao segundo filho e seguintes, que beneficia 37 famílias e que se traduz num reembolso nas despesas com fraldas, leite em pó, infantário, consultas médicas (equipamento oftalmológico, auditivo, ortopedia e ortodontia), numa verba que rondou, em 2021, os 40 mil euros.
É de salientar, ainda, diz, os apoios da autarquia ao nível dos recursos humanos, que permitem assegurar às famílias “o prolongamento do horário escolar após o período das aulas diárias e o acolhimento no primeiro dia de setembro” e à Santa Casa da Misericórdia de Mértola a abertura de mais uma sala de creche “para que todas as famílias possam ter um local que acolha os seus bebés”.
Na área da deficiência, a câmara financia, na totalidade, o projeto “Capacitar+”, dinamizado por duas instituições particulares de solidariedade social, e que visa “o combate ao isolamento da população com deficiência, a sua ocupação com atividades de estimulação e promoção do bem-estar físico e mental, bem como a valorização da sua individualidade enquanto pessoas”.
Ainda na mesma área, reembolsa 25 por cento do valor da mensalidade na frequência de respostas sociais que não existam no concelho, nomeadamente, centros de atividades ocupacionais e lar residencial. E coordena e financia, na totalidade, a Universidade Sénior, cuja “operacionalização está a cargo da Escola Profissional Alsud”, e que conta, atualmente, com 13 polos, o que se traduziu num investimento de 45 mil euros em 2021.
As instituições particulares de solidariedade social também são apoiadas, “desde o funcionamento regular às atividades pontuais, aquisição de carrinhas, entre outros, num valor que, em 2021, rondou os 70 mil euros, considerando os apoios extraordinários no âmbito da pandemia de covid-19”.
Sandra Gonçalves sublinha, no entanto, que “todas as medidas são importantes”.
“O apoio nos melhoramentos habitacionais que permitem ao munícipe melhorar as suas condições de habilidade [e que, no caso de Maria Isabel Neves, representou um valor de 4760 euros em 2015 e 6850 euros em 2022]. Os rendimentos são baixos, as obras são caras. As diversas medidas no acompanhamento das crianças desde que nascem até optarem por um curso superior. A comparticipação nos medicamentos e consultas para os mais idosos e mais jovens. A Ludoteca e a unidade móvel como medida de combate ao isolamento. Todas têm a sua importância e relevo num determinado contexto (…) Estes valores todos somados são significativos num município como o nosso, mas é, sem dúvida, o maior investimento que se pode fazer”.
No que respeita aos melhoramentos habitacionais, adianta, a autarquia “pode intervir até aos 7500 euros”, um valor que vai, no entanto, “ser revisto, face ao aumento dos materiais e do custo de vida em si”.
Para quem se encontra desempregado, a Câmara de Mértola dispõe de um programa de ocupação temporária de jovens ou desempregados de longa duração que, em 2021, “integrou 36 desempregados, num investimento de 51 mil euros”.
COMPARTICIPAÇÃO DE MEDICAMENTOS E DO KIT ESCOLA COM MIL BENEFICIÁRIOS EM OURIQUE
À semelhança de Maria Isabel Neves, as despesas mensais de Maria Ilda Raposo com a medicação também são significativas, tendo em conta o valor da sua reforma de invalidez. Por isso, diz a septuagenária residente em Ourique, o reembolso a 100 por cento dos medicamentos comparticipados pelo Sistema Nacional de Saúde é uma ajuda preciosa.
Sempre “dá para compensar” o que gasta com os que não têm comparticipação e que “são os mais caros”, diz, adiantando que “toda a ajuda é bem-vinda”, porque é obrigada a “contar sempre os tostõezitos”.
Para além da comparticipação dos medicamentos, Maria Ilda tem usufruído de outras medidas implementadas pela Câmara de Ourique, como ginástica sénior, passeios para idosos e o cabaz entregue pelo Natal. Já os seus três netos mais velhos têm beneficiado das bolsas de estudo concedidas pela autarquia a quem frequenta o ensino superior. As netas “já são formadas”, o neto está no último ano. “Era mais um dinheirinho que ajudava a minha filha a pagar o alojamento dos filhos”, frisa.
“As pessoas são a preocupação central da nossa ação com ideias, projetos e iniciativas destinadas às crianças, aos jovens, às famílias e à população sénior que contribuem para a coesão social e a qualidade de vida”, sublinha o presidente da Câmara de Ourique, adiantando que a atribuição da Bandeira Verde, pelo terceiro ano, “reflete a importância do conjunto de respostas municipais de proximidade no apoio à família”.
“No fundo, além dos impactos positivos na vida das pessoas, é o reconhecimento do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo executivo e pelos técnicos afetos às áreas de intervenção familiar. É motivo de orgulho. É uma renovada inspiração para prosseguir, sempre atentos às realidades e às circunstâncias. O prémio revela ainda a importância da aposta efetiva em políticas municipais que contribuem para que Ourique seja um concelho onde ‘vale a pena viver’”, acrescenta Marcelo Guerreiro.
A comparticipação municipal de medicamentos aos maiores de 65 anos é a medida que abrangeu, em 2022, o maior número de munícipes, 502, representando um valor total de 33 mil euros. Embora sublinhe que todas as medidas “contribuem para dignificar a melhoria das condições de vida das famílias” do território, porque, apesar, “de existirem algumas que têm um maior peso no orçamento municipal, existem outras que não o têm, mas que contribuem de igual forma para a melhoria da qualidade de vida das famílias”, o autarca salienta, por abrangerem “quase a comunidade em geral”, o apoio à natalidade de 1000 euros por criança, e que totalizou, em 2022, 30 mil euros (30 munícipes); o kit escolar destinado a crianças entre os três e os 18 anos, num valor total de 33 mil euros (500 beneficiários); e as bolsas de estudo para o ensino superior, de 130 euros mensais, e que se traduzirá, no ano letivo 2022/2023, num investimento de 39 mil euros.
Do conjunto das medidas que abrangem mais munícipes, destacam-se, ainda, as atividades de tempos livres para crianças e jovens que frequentam os estabelecimentos de ensino do concelho (250 beneficiários em 2022) e a ginástica sénior destinada aos idosos não institucionalizados e aos utentes de todas as instituições sociais com resposta para a terceira idade (150 munícipes em 2022).
Foto | Maria Ilda Raposo, Ourique
AUMENTO DO CUSTO DE VIDA IMPLICA "REDOBRADA VIGILÂNCIA"
Para Marcelo Guerreiro, o impacto das medidas adotadas pela autarquia “é, naturalmente, positivo, pois contribuem para a melhoria das condições de vida das famílias, para a promoção do bem-estar físico e social, para a redução dos níveis de fragilidade social e para a promoção da autonomização das famílias e estabilidade social e equilíbrio financeiro das famílias”.
O autarca sublinha que a “atual conjuntura de inflação e com impactos da guerra na Ucrânia em bens e serviços essenciais implica uma redobrada vigilância sobre as realidades concretas da vida das pessoas” e que, “anualmente, o município promove uma oferta diversificada nas diferentes áreas de intervenção social, atenta às necessidades e às novas dinâmicas”.
O orçamento municipal para 2023, adianta, “mantém o forte investimento nas políticas sociais, com margem para podermos responder às atuais e novas dificuldades das pessoas e das famílias, em complemento às respostas nacionais”.
A Câmara de Mértola também está atenta às necessidades dos munícipes, garante Sandra Gonçalves. “O aumento do custo de vida está a provocar uma maior pressão junto das instituições de apoio alimentar, o salário deixou de chegar para as despesas. Ouvimos pessoas diariamente, as suas dificuldades e angústias. Procuramos criar respostas e medidas nesse sentido, o que nos levou a alterar os nossos regulamentos de apoio social para ir ao encontro dessas necessidades”, diz a responsável, frisando que “se prevê um aumento do número dos beneficiários” das medidas adotadas pela autarquia, “face ao aumento do custo de vida e ao aumento das taxas de juro”.
“Qualquer medida será sempre para melhorar a vida do munícipe, promover o acesso a direitos sociais. O município tem sempre a vantagem de estar próximo das pessoas”, conclui.
O “Diário do Alentejo” questionou ainda a Câmara de Almodôvar sobre a atribuição da Bandeira Verde e as medidas implementadas de apoio às famílias, mas não obteve resposta até ao fecho da presente edição.
No site do Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis, “do vasto conjunto de medidas adotadas em 2021” pela referida autarquia, são apontados como exemplos “o apoio domiciliário a famílias com pessoas em situação de fragilidade social a cargo”, o “financiamento de serviços de obras, adaptações e pequenos arranjos no domicílio a famílias com fragilidade social” e o “gabinete de apoio jurídico para todas as famílias”.
PREVENIR SITUAÇÕES DE RISCO E VULNERABILIDADE
O Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis (OAFR) foi criado em 2008 pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas e tem como principais objetivos “dar visibilidade às autarquias que se destaquem por práticas amigas das famílias; potenciar a experiência obtida por uns municípios em benefício dos outros; e colocar ao dispor das autarquias uma equipa pluridisciplinar, constituída, essencialmente, por pessoas da área da sociologia, psicologia, assistência social e familiar e economia que, com experiência nos âmbitos da família e das autarquias, possam contribuir positivamente para a avaliação de medidas nesta área, quer previamente, quer a posteriori”.
A ambição do OAFR é “contribuir para que todas as autarquias de Portugal desenvolvam políticas transversais capazes de acolher e valorizar a família, garantindo-lhes o pleno exercício das suas responsabilidades e competências, e prevenindo as situações de risco e vulnerabilidade”, refere o observatório.