Diário do Alentejo

Correr atrás do prejuízo

18 de dezembro 2022 - 11:30
No quarto trimestre de 2021, o desemprego jovem (15-24 anos) era cerca de quatro vezes superior ao desemprego total
Ilustração | Susa Monteiro/ArquivoIlustração | Susa Monteiro/Arquivo

A precariedade salarial, as relações contratuais atípicas e certas medidas políticas utilizadas para contrariar os efeitos negativos da pandemia são alguns dos fatores que contribuem para o aumento do desemprego entre os jovens, numa altura em que, cada vez mais, o número de licenciados e mestres aumenta. O “Diário do Alentejo” foi ouvir aqueles que, saídos da escola, querem melhores condições de vida.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

O pagamento da renda da casa e dos gastos com água, luz, gás, alimentação e combustível, aliados à falta de um suplemento monetário, fez com que Miguel Caeiro, de 23 anos, deixasse a meio o seu estágio curricular em Lisboa.

 

Prestes a terminar a licenciatura em Audiovisuais e Multimédia no Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), o jovem viu-se obrigado, passado um mês, a regressar à cidade bejense sem concluir a última etapa do seu curso.

 

“O meu estágio curricular foi em Lisboa e acabou por não correr da melhor forma. Um dos maiores problemas foi em termos monetários, já que pagar renda, água, luz, gás, comida e combustível, isto tendo em conta que tinha de fazer à volta de 40 quilómetros por dia, na altura em que a gasolina estava acima dos dois euros por litro, era pesado. Isto tudo sem receber nada, pois era um estágio curricular. Estava essencialmente a pagar para trabalhar em Lisboa e não fazia sentido para mim”, começa por explicar ao “Diário do Alentejo” (“DA”).

 

A pouca motivação que a universidade lhe estava a dar, em conjunto com todas as despesas adicionais que o estágio comportou, foram a “gota de água” que o fez tomar a decisão de começar a procurar emprego antes de terminar a sua licenciatura e fora da sua área.

 

Por sua vez, e à semelhança de Miguel, também Carina Rodrigues, de 22 anos, sentiu que o seu curso superior em Ciências do Desporto na Universidade de Évora não foi “imprescindível” para a sua entrada na área profissional.

 

“O curso que tirei, na Universidade de Évora, não correspondeu muito às minhas expectativas, pois estava à espera de um curso mais virado para a parte prática e para aquilo que realmente precisamos de saber fazer no mundo do trabalho. Achei muito teórico, com muitas disciplinas que não faziam sentido e desatualizado face àquilo que o mercado de trabalho pede na atualidade”, conta a atual técnica de exercício físico.

 

Miguel concorda. A falta de uma complementaridade entre disciplinas práticas e teóricas dificultou o seu percurso académico e fez com que se sentisse “desapontado e sem grande vontade, atualmente, de exercer na área”.

 

O recente estudo “Livro Branco: Mais e Melhores Empregos para os Jovens”, da Fundação José Neves, do Observatório do Emprego Jovem e do Escritório da Organização Internacional do Trabalho para Portugal, aponta esta questão como uma das causas que tem conduzido, nos últimos tempos, para o desemprego jovem no País, ou seja, a débil atratividade de determinados cursos superiores que, por vezes, não correspondem com a sua “procura intensa no mercado de trabalho”.

 

Multimédia0Miguel Caeiro Deixou a licenciatura devido aos custos elevados do estágio curricular em Lisboa. Agora trabalha como caixa num supermercado.

 

“AS EMPRESAS NÃO QUEREM PESSOAS SEM EXPERIÊNCIA, MAS ESQUECEM-SE QUE TEMOS QUE COMEÇAR POR ALGUM LADO”

Nos últimos anos, o Estado investiu e reorganizou a rede escolar e, consequentemente, conseguiu reduzir a percentagem do seu abandono para 8,9 por cento, em 2020, e seis por cento, em 2021, em grande medida face à introdução do ensino profissional nas escolas públicas.

 

Por sua vez, a percentagem de jovens, entre os 25 e os 34 anos, com secundário, licenciatura e mestrado completos é muito superior à das últimas décadas (36 por cento, 48 por cento e 18 por cento, respetivamente). Dados revelados no estudo da fundação.

 

Deste modo, a taxa de desemprego nos jovens, embora superior à média europeia, entre 2015 e 2019, “diminuiu acentuadamente em Portugal”, tendo inclusive nesse ano registado uma diferença inferior a dois por cento (17,6 por cento para 15,8 por cento).

 

Contudo, a crise pandémica, que se fez sentir nos últimos três anos, veio alterar o cenário e dificultar muito a introdução dos mais novos no mercado de trabalho. Segundo o mesmo estudo, no ano passado, a taxa de desemprego registada em jovens entre os 15 e os 24 anos era de 23,4 por cento, e, entre os 25 e os 29 anos, era de 10,8 por cento.

 

Sendo assim, em 2021, “o desemprego entre os mais qualificados era praticamente o mesmo do que o desemprego entre os menos qualificados (27,3 por cento e 28 por cento, respetivamente)”, refere o documento.

 

Miguel Caeiro esteve à procura de trabalho durante seis meses, entre maio e outubro deste ano. Pouco ou nada encontrou. Enviou currículos e foi a entrevistas de recrutamento que não retomaram o contacto, como prometido, para o informar quanto às suas intenções.

 

Pelo contrário, deparou-se com um leque reduzido de ofertas de emprego, no geral, com falta de informações, sobre os salários e horários, e com entradas em regime de part-time.

 

“Estive entre maio e outubro deste ano a procurar trabalho e nesse tempo as oportunidades foram muito poucas, mesmo que eu quisesse trabalhar dentro da minha área seria muito difícil. Nesses meses fui a apenas três entrevistas. Numa dessas entrevistas foi-me dito que, quer fosse chamado para ir trabalhar para lá ou não, entrariam em contacto comigo para me dar essa informação. Isso nunca aconteceu. [E depois], sou um jovem de 23 anos com um curso por acabar, sem saída nesta zona do País, a procurar trabalhos de baixa remuneração e sem verdadeira experiência profissional”, confessa o jovem de Beringel.

 

Carina Rodrigues e Milene Pinto tiveram outro tipo de sorte. Ao acabarem as licenciaturas ficaram empregadas nos locais onde fizeram os seus estágios profissionais e onde continuam até hoje.

 

“Quando terminei a licenciatura fui convidada, por um professor da universidade, a fazer estágio profissional no seu ginásio e foi por aí que comecei o meu percurso nesta área. Eu sei que tive muita sorte por ter começado a trabalhar logo na minha área de formação, mas infelizmente essa não é a realidade para muitos jovens. Hoje em dia há muita dificuldade em começar a trabalhar na área em que se investiu, e em grande parte porque as empresas não querem pessoas sem experiência, mas esquecem-se que temos que começar por algum lado...”, diz Carina.

 

Milene Pinto, ainda que a trabalhar no seu antigo local de estágio, não exerce o curso que tirou de assistente social. “Realizei o estágio curricular do último ano do curso, no Centro de Acolhimento Residencial “A Buganvília”, em Beja, e, após a sua conclusão, foi aberta uma vaga como ajudante de ação educativa e tive a possibilidade de concorrer à mesma. Felizmente, após o processo de seleção, consegui a função pretendida. Neste momento continuo à procura de exercer as funções para as quais estudei, no entanto, recém-licenciada e sem experiência na área, o caminho dificulta-se”, explica a jovem de 22 anos, natural de Selmes.

 

Uma das preocupações do estudo é também esta: o crescente aumento da presença de licenciados em profissões menos qualificadas ou elementares que provoca a exclusão de não-graduados de profissões onde o nível de escolaridade secundário seria suficiente. Em 2019, cerca de 30,1 por cento dos jovens, entre os 25 e os 34 anos, eram subqualificados para o cargo que exerciam.

 

 

Multimédia1Carina Rodrigues Irá emigrar para a Bélgica no próximo ano à procura de valorização profissional

 

“SE ACHO JUSTO? CLARO QUE NÃO, É UM PROBLEMA SEM FIM”

Há dois meses, Miguel começou a trabalhar na caixa de um supermercado de uma multinacional, como “reforço de Natal”. À semelhança do que lhe ofereceram anteriormente, viu-se obrigado a aceitar um contrato temporário e a part-time, de 20 horas, até ao final de dezembro, com um valor base de 360 euros mensais, fora domingos e feriados, pagos à parte.

 

“Se acho justo? Claro que não, mas, no meu caso específico, se não fosse pela oportunidade que esta empresa me proporcionou, eu estaria ainda à procura de trabalho neste momento. Como se costuma dizer, ‘não odeies o jogador, odeia o jogo’, e, neste caso, devemos apontar o dedo ao sistema [porque], estas grandes empresas fazem o que fazem porque lhes permitem fazê-lo”, esclarece o jovem.

 

A pandemia veio “fragilizar os contratos temporários” e tornar uma situação transitória em algo permanente, sujeitando os empregados mais novos a continuar com “contratos temporários, não por opção, mas por falta de alternativa”.

 

Tendo em conta o “Livro Branco”, em 2021, mais de metade dos jovens portugueses até aos 29 anos estava com contratos não permanentes involuntários (65,8 por cento entre os 15 e os 24 anos e 73,8 por cento entre os 25 e os 29 anos).

 

Assim como Miguel, também Carina tem um contrato de trabalho sem vínculo efetivo e a recibos verdes, ou seja, não tem um ordenado fixo, recebe consoante aquilo que trabalha, “quanto mais horas ou mais clientes mais recebemos”, refere.

 

Contudo, são os horários “confusos” que a desiludem. “Nós temos três tipos diferentes de horários, ou seja, não temos um horário de oito horas seguidas, podemos, por exemplo, entrar às 07:00 horas da manhã, ter uma quebra no horário de quatro a cinco horas, e só chegarmos a casa às 23:00 horas. Não se consegue ter uma rotina”, acaba por explicar, ao “DA”, a jovem natural de Alfundão.

 

Milene Pinto, ainda que com um contrato a termo certo de um ano e a receber o ordenado mínimo nacional, acrescido de subsídio de turno, sente-se como a maioria dos jovens em Portugal, “frustrada” porque “todos nós já sabíamos que iria ser difícil e ouvíamos muitas vezes: ‘três anos de curso para acabar nas caixas do supermercado’. Não que haja problema, mas sim porque vemos todo o nosso esforço ir por água abaixo”, comenta.

 

A instabilidade financeira, os contratos incertos, os horários carregados, a pouca oferta nas áreas de formação e o elevado custo de vida traz consequências, em círculo, a curto, médio e longo prazo, ao nível do investimento na formação, na segurança, na oportunidade de progredir na carreira, na maternidade, na velhice, na saúde mental, na possibilidade de comprar casa e, consequentemente, na emancipação financeira dos jovens em relação aos seus pais.

 

“É complicado iniciar uma vida independente quando as condições de vida só tendem a piorar. Sinto que o facto de os jovens saírem cada vez mais tarde de casa dos pais vai-se prolongar. Principalmente se pretenderem fazer uma vida sozinhos, e não em casal, são necessários vários anos até conseguir juntar algumas economias que suportem rendas, caução, mobílias, etc. Outro dos problemas é conseguir ser independente e manter economias, quando os salários mal dão para viver durante o mês, o que provoca a necessidade de trabalhar, seja em que ramo for, e por vezes deixar de parte investimentos, sonhos, sejam eles pessoais ou profissionais. Não podem pedir também que aumente a natalidade quando esta é a dura realidade atual”, corrobora Milene.

 

Em junho de 2021, segundo o “Livro Branco”, cerca de 59,7 por cento dos jovens até aos 29 anos recebiam o salário mínimo nacional, estando o prémio salarial da educação a diminuir substancialmente.

 

“Em 2010, um jovem adulto (25-34 anos) com licenciatura ganhava, em média, 95 por cento mais do que um jovem com o ensino básico e 59 por cento mais do que um jovem com o ensino secundário. Em 2019, estes diferenciais caíram para 60 por cento e 42 por cento, respetivamente.

 

 

Multimédia2Milene Pinto Trabalha como ajudante de ação educativa em Beja

 

“EM PORTUGAL NUNCA VOU CONSEGUIR SER BEM-SUCEDIDA NA MINHA ÁREA”

Face à desvalorização salarial e profissional, a maioria dos jovens portugueses opta por procurar melhores condições de vida noutros países, de forma temporária ou permanente. Carina Rodrigues contará, a partir de janeiro de 2023, para o número de jovens licenciados que deixará o País por considerar que em Portugal nunca irá conseguir ser “bem-sucedida” na sua área, pelo facto de esta estar “demasiado banalizada”. Parte para a Bélgica sem “qualquer trabalho garantido” e na esperança de dar a “última oportunidade” à área desportiva.

 

“A diferença, e foi isso que me fez querer arriscar, é a perspetiva sobre a prática de atividade física dos outros países. A mentalidade é diferente, as pessoas priorizam mais a saúde, e é com a saúde que nós trabalhamos. Ora se as pessoas gostam ou importam-se mais com essa prática eu consigo ter mais clientes e receber melhor que em Portugal, pois também o poder económico das pessoas é maior. Neste momento, ganho entre os 800 e os 1000 euros mensais e posso vir a ganhar o dobro, ou mais, dependendo do meu esforço e da minha carteira de clientes”, conta.

 

Carina juntar-se-á aos 24,4 por cento dos jovens licenciados, aos 9,2 por cento dos pós-graduados, aos 43 por cento dos mestres e aos 22,3 por cento dos doutorados que o estudo “Êxodo de Competências e Mobilidades Académia de Portugal para a Europa” identificou nos últimos anos, emigrados em países europeus.

 

“Se Portugal incentiva os jovens a emigrarem? Não necessariamente, mas que não faz o suficiente para reter os que se vão embora todos os dias, não faz. Como em tudo, não é bem o que Portugal faz, é mais o que Portugal não faz”, reitera Miguel Caeiro.

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