O médico Dinis Cortes é o novo presidente da Comissão Política Concelhia do PS, depois de vencer a eleição, que decorreu dia 7 de outubro, onde votaram 131 dos 142 militantes socialistas inscritos. A sua candidatura obteve 50 por cento dos votos contra 48 da lista liderada pelo outro candidato, Rui Marreiros, vice-presidente da Câmara Municipal de Beja.
Texto José Serrano
Quais são os seus principais objetivos políticos para os dois anos de mandato que agora inicia?
Um deles é representar o partido no exterior, junto da sociedade, em geral – há sempre essa tarefa, a qual flui da eleição do secretariado da comissão política. Paralelamente, e de acordo com a linha da nossa candidatura, será para nós prioritário desenvolver um trabalho organizativo interno do partido, pois consideramos que o exercício simultâneo de cargos de eleição, nomeadamente o de presidente ou de vereador de câmara e presidente da concelhia, acaba por prejudicar o exercício de uma das funções. Neste caso, a concelhia poderá ter ficado prejudicada, em termos do tempo que lhe terá sido disponibilizado. Fundamentalmente, considero que é prioritária a tarefa organizacional da concelhia, que consiste em valorizar a dinâmica interna do partido, valorizar os militantes, no sentido de lhes dar voz, para que as pessoas possam exprimir as suas ideias. O que se pretende é que ao fim destes dois anos o partido esteja mais forte, mais unido e que haja uma convergência de propósito no sentido de melhorar o apoio aos autarcas que teremos às assembleias municipais, às juntas de freguesia – as juntas, por exemplo, precisam de muita atenção e de apoio político.
O que separa as duas listas concorrentes, que dividiram, quase pela metade, os militantes socialistas bejenses?
O que se disse, durante a “campanha eleitoral”, é mais ou menos comum às duas listas. Bem… com um olhar um bocadinho diferente. Aquilo que os militantes quiseram dizer, quando apoiaram a nossa candidatura, é que o partido precisava de uma outra organização interna – isto é, de maior proximidade. O presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio, que eu apoio incondicionalmente, reconheceu que teria tido, ao longo destes últimos anos, pouco tempo para o trabalho organizativo da concelhia. A concelhia foi funcionando, mas não era tão dinâmica quanto deveria ser. Portanto, o nosso propósito de candidatura é o de melhorar a sua organização. A candidatura de Rui Marreiros, nosso adversário na altura das eleições, apresentou-se sempre como uma candidatura da continuidade, o que nos poderia levar a pensar que se tivesse ganho iríamos permanecer na mesma situação, embora ele explicasse que iria delegar poderes. Eu considero que este tipo de poder não se pode delegar. O presidente da concelhia é o presidente da concelhia. É ele que a representa, é ele que tem de lá estar. Os militantes perceberam essa diferença. E as pessoas optaram por nós.
Dirigirá o seu mandato numa perspetiva de consolidação do PS, no concelho, ou pretende extravasar essas competências, auscultando a população e os vários agentes ativos?
Dissemos várias vezes, ao longo destas eleições, e creio que foi bem percebido pelos militantes, que a vida de um partido não se esgota na câmara municipal. Há muitas áreas – as alterações climáticas, a agricultura, as questões relacionadas com a demografia e as migrações – externas à envolvente municipal. Por exemplo, as questões da olivicultura intensiva têm a ver com o Ministério da Agricultura, as câmaras não podem fazer nada em termos de decisão de licenciamento. Tudo isto são coisas que extravasam os municípios, mas que o partido, ao nível local, tem que ter uma opinião. Dessa forma, em áreas que não sejam da exclusiva competência da câmara, nós podemos e devemos intervir, tomando posição, criticando ou apoiando determinados projetos. Há questões que têm de ser debatidas e que passarão necessariamente por uma análise da comissão política que, ainda assim, em diversas situações não tem força para se opor a determinações do Governo central. Isto é genérico a todos os partidos políticos.
Alexandre Lourenço, presidente da Ordem dos Médicos da Região Sul, visitou recentemente o Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, sublinhando o envelhecimento desta unidade de saúde, o seu anacronismo com as “atuais necessidades da medicina” e a dificuldade de reposição de médicos, situação que poderá levar, de acordo com este responsável, ao desaparecimento de alguns serviços. Como médico, corrobora estas considerações?
Cá está um assunto que ultrapassa a câmara municipal, embora esta possa ser parte da solução. Todas estas questões dependem da clarificação política do Ministério da Saúde, sobre o que é que se pretende. Já há muitos anos que as autoridades, a nível central, estavam avisadas que isto ia acontecer – os médicos estão a envelhecer, não são substituídos e não se vê no horizonte, na nossa região, a possibilidade de essa situação se poder, atualmente, vir a reverter. A saúde não pode funcionar sem médicos. Vai ter que ser encontrada uma solução.
De que forma poderá essa solução ser encontrada?
Por muito que custe a algumas pessoas vai haver a necessidade de se alocar alguns tipos de serviços e, provavelmente, vamos ter que os encontrar fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS), visto que, quando são abertos concursos para médicos virem trabalhar aqui para a região quase ninguém concorre, muitas vezes as vagas ficam desertas. A manter-se o presente ritmo, daqui por dez anos não teremos médicos em Beja. As soluções não indicam necessariamente a privatização, o que está aqui em causa não é as pessoas deixarem de ter a prestação de cuidados de saúde gratuita, o que pode estar em causa é uma revisitação ideológica da questão do prestador/pagador. Isto é: o Estado tem que ser pagador, mas terá também de ser prestador? Creio que poderá existir uma relação entre o Estado e o privado ou mesmo entre o Estado e o setor social e Organizações Não Governamentais, onde haja médicos. Isso existe um pouco por toda a Europa, mesmo em países que não têm serviços nacionais de saúde.
Considera que os atuais salários dos médicos, no SNS, poderão ser um entrave para que estes queiram exercer medicina, no Estado?
Eu tenho dificuldade em acreditar que haja médicos que queiram apenas ser funcionários públicos, pelos valores que são atualmente pagos, sem ser revista a sua carreira e estrutura salarial. Quando eu e outros colegas chegámos para trabalhar em Beja, na década de 80, viemos porque havia condições – o hospital assegurava-nos uma belíssima formação, as pessoas eram simpáticas, a região era ótima e a gente foi ficando. Mas o salário é sempre um fator importante. No meu tempo, os ordenados não davam para alguém enriquecer, mas eram atrativos, havia uma carreira atrativa. Hoje é diferente, 40 anos depois essas condições alteraram-se. Depois, há outros fatores favorecedores, como a existência de boas acessibilidades. Estas questões fogem por completo do âmbito estritamente municipal, mas é necessário que alguém, dentro do partido, tenha uma posição sobre as mesmas e algum tipo de intervenção, a este nível. É importante que os partidos consigam perceber estas coisas e tenham uma opinião, de forma a representar as pessoas que os apoiam.
Deveria haver uma política mais destacada, relativamente à discriminação positiva dos salários dos médicos que venham para o interior?
Dos médicos e de outros profissionais de saúde, porque o médico, por melhor que seja, não pode trabalhar sozinho. Nos meus primeiros tempos, como médico, aprendi tanto ou mais com a enfermagem de urgência – sólida, com conhecimentos, perfeitamente adequada ao serviço – do que com os colegas. Eram pessoas com uma prática enorme e com uma consciência profissional fortíssima.
Referiu as acessibilidades como fator bloqueador da atratividade da região. Como é que as classifica?
Evidentemente que eu estou do lado da melhoria geral das acessibilidades e tudo farei, com o que estiver ao meu alcance, para que elas sejam melhoradas. Embora devamos, com todas as nossas forças, defender a melhoria das acessibilidades, neste caso a trilogia dos acessos – aeroporto, via-férrea e autoestrada –, há que procurar outras vias para o desenvolvimento da região. Eu não compreendo (alguém terá um dia de me explicar) porque é que o Instituto Politécnico de Beja perdeu “gás”, quando há 20 anos a cidade parecia querer arrancar a partir daí… Vila Real, por exemplo, desenvolveu-se muito à custa da universidade [Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro], que veio trazer um enorme boom de pessoas, uma maior necessidade de construção civil e dinâmica comercial. Foi, portanto, outro fator de desenvolvimento, que não as acessibilidades, que contribuiu para o crescimento daquela região. E em Bragança, que não tem linha de comboio nem aeroporto, o desenvolvimento veio através da indústria – e hoje aquele território tem “peso”.
Considera que Beja perdeu atratividade?
Genericamente, sim. Não por responsabilidade de ninguém em particular, mas através de um processo do qual os decisores não se aperceberam…terá havido fatores incontroláveis. Eu não sou de cá [natural de Vila Real], mas vivo aqui há muitos anos – nós não podemos escolher onde nascemos, mas podemos escolher onde queremos morrer e eu vou ficar aqui até ao fim dos meus dias. Portanto, percebo estas modificações e percebo que houve fatores, que não se devem à atuação de uma autarquia ou de um Governo. Fatores, se calhar, da própria sociedade civil, que levaram a uma valorização da vida fora de Beja, à emigração, à saída para Lisboa. Há aqui uma partilha da responsabilidade, de toda a gente, por Beja ter dificuldade em “descolar”. Estamos a tentar inverter esses fatores, nos últimos tempos.
Qual considera ser o modelo de desenvolvimento, de acordo com as características da região, mais indicado para o concelho de Beja?
Estamos a assistir à implementação de um modelo agrícola assente em população que vem de fora, com baixos salários – não sei se isso favorecerá o modelo de desenvolvimento que se pretende. Não sou sociólogo, mas estou atento a esse fenómeno, não sei se é por aí que a região se desenvolverá ou se será mais através de um modelo misto, agroindustrial, com salários médios, em que houvesse o reinvestimento desses salários, na própria dinâmica da região. Mas considero que o modelo que se quer, terá de ser, obviamente, sustentado, ecológico, sem chaminés a deitar fumo que cheira mal. Sou completamente contra o tipo de fábricas transformadoras de bagaço poluentes que existem, causadoras de cheiros insuportáveis – em alguns países da Europa, se isso acontecesse, aquilo já tinha fechado há muito tempo. Esse modelo de “desenvolvimento” não é para nós – Fortes, Alfundão e Alvito são três exemplos maus. Se nós queremos ter turismo na região – e já o modelo de agricultura intensiva não ajuda muito, porque ninguém faz turismo em olivais com 4 ou 5 mil hectares – não podemos ter chaminés a exalar fumo nauseabundo.
Tem dificuldade em compreender o arrastar deste problema relativo às fábricas de bagaço de azeitona, com queixas reiteradas das populações que se encontram perto destas infraestruturas e sem se encontrar uma solução?
Sobre estas situações, fiz uma queixa à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território. Neste momento julgo que a entidade licenciadora desse tipo de infraestruturas já não é a mesma e, aí, se houver uma municipalização da decisão, será diferente, com uma intervenção direta das autarquias onde as fábricas estão implementadas, no sentido de fazer melhorar os indicadores. Eu participei na análise de algumas associações ambientais, face a este assunto, e é importante referir que nunca ouvi ninguém dizer que queria aquilo fechado. As pessoas querem, sim, que as fábricas sejam modificadas, para que o ar que delas sai seja respirável e que, desta forma, lhes permita continuar a trabalhar lá. Não há hostilidade contra o empreendimento propriamente dito, as pessoas querem é que aquilo melhore. E sabemos que é possível que podem ser muito melhoradas. Contudo as condições mantêm-se, o cheiro pestilento continua muitas vezes a chegar até à cidade de Beja…
Como tem acompanhado a situação da população migrante no concelho de Beja, que se confronta, em muitos casos, com situações de exploração do trabalho e inúmeras carências sociais, nomeadamente alimentares e de habitação?
Isto é um problema, efetivamente. Nós, enquanto país, temos obrigação de integrar essas pessoas, que vêm para trabalhar – claro que haverá exceções. Acho que a nossa justiça e as nossas forças de segurança têm de ter especial atenção aos indivíduos que vêm enquadrados em organizações que pretendem apenas explorá-los e não, propriamente, que tenham uma vida digna. Muitas vezes, as pessoas são abandonadas por aqueles que os trouxeram e, não tendo emprego, ficam perfeitamente perdidos. As empresas também têm uma responsabilidade social, a esse nível – não faz sentido que as empresas contratem pessoas que estejam fora de um contexto legal. Eu sou a favor da integração. Não nos podemos esquecer que nos anos 60 houve muitos portugueses em França, levados por engajadores, a viver situações idênticas, em bairros de lata, abandonados, sem conhecer a língua do país, sem nada. Temos que nos rever, hoje, nestas pessoas que estão cá.
Considera um pedido de reunião com o primeiro-ministro e líder socialista, António Costa, de forma a manifestar-lhe pessoalmente as necessidades do concelho?
Diretamente, não. Sob o ponto de vista hierárquico temos uma estrutura federativa, representada pelos nossos dois deputados, que se relacionam a esse nível – de secretários de Estado e de ministros. Também ao nível municipal o presidente da autarquia poderá fazer essa solicitação. Eu aconselhar-me-ia sempre, no caso de haver necessidade disso, com o presidente da federação, o deputado Nelson Brito. Essa é, sem dúvida, a primeira instância.
Poderá esta vitória aproximá-lo da candidatura, em 2025, à Câmara Municipal de Beja?
Não. Isso está fora de hipótese, completamente. Deixo claríssimo, desde já, que se houver uma recandidatura do presidente Paulo Arsénio eu estarei na primeira linha do seu apoio.