Diário do Alentejo

Antes do lavar dos cestos, como está a vindima?

08 de outubro 2022 - 09:15
Campanha deste ano termina nas próximas semanas
Foto | Ana Filipa Sousa de SousaFoto | Ana Filipa Sousa de Sousa

No Alentejo a percentagem de vinhas tintas sobressai quando comparadas com as vinhas brancas. Excecionalmente no concelho de Vidigueira essa situação é revertida face a “escarpa falha” que protege e tempera o clima da região e iguala o número de uvas tintas e brancas entregues à Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito. A campanha deste ano já superou a de 2021.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Na propriedade do associado José Francisco Ramalho, em Pedrógão do Alentejo, concelho de Vidigueira, a campanha da vindima deste ano está prestes a terminar, nos próximos dias. Nos últimos dois meses, o trabalho diário da apanha manual e mecânica dos 40 hectares resultou na entrega à Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito (Acvca) de seis castas de vinha distintas.

 

O calor “muito grande” que se fez sentir, “logo no início”, e a incerteza do impacto que as vinhas novas trariam, deixaram o produtor com medo do desfecho final de outubro, que se sabe agora ter sido desnecessário.

 

“Este ano foi um ano diferente, porque vieram uns calores muito grandes logo de início, mas, desde que choveu, melhorou um bocadinho,  [e agora] as vinhas estão muito preenchidas. Neste momento, tenho um grupo a apanhar tintas e outro a apanhar brancas. No total, estão hoje aqui na vindima 32 pessoas”, começa por explicar ao “Diário do Alentejo” (“DA”) o viticultor de 50 anos.

 

Ainda que a conclusão geral seja de que estes últimos meses tenham sido atípicos, fruto, em grande parte, das alterações climáticas, cada vez mais sentidas, o balanço final da campanha é positivo e significativo. A Adega, que apontava para uma subida de cinco por cento de uva entregue, face a 2021, afirma agora que falhou nas “previsões iniciais” e que esse “intervalo é superior” e rondará os sete por cento.

 

“As nossas previsões iniciais apontavam para, mais ou menos, cinco por cento em relação aos 9,7 milhões [de uvas entregue] no ano passado, mas, neste momento, creio que falhámos e estamos num intervalo superior, ou seja, devemos superar em sete por cento”, revela o presidente da Acvca, José Miguel Almeida.

 

Até ao momento, as percentagens desta campanha apontam para uma predominância de vinhas colhidas mecanicamente (60 por cento) e maioritariamente tintas, contudo é possível que nos próximos dias haja um “equilibrar” face ao que ainda está por apanhar no campo.

 

“Agora a vindima manual representa 40 por cento e temos 55 por cento de [uvas] tintas, embora eu me pareça que haverá tendência a equilibrar porque esta reta final está a tender mais para as brancas, uma vez que acho que é o que está agora no campo. Ainda assim, pessoalmente, o ideal para nós era que fossem mais tintas, porque já temos bastante brancas em casa e por tinto ser o vinho mais consumido”, esclarece.

 

Assim, este balanço de campanha, segundo José Miguel Almeida, é marcado por uma vindima “não linear, em termos daquilo que são as massas vínicas chegadas à Acvca, extensíssima do ponto de vista da quantidade e média ao nível qualitativo”, o que poderá vir a conduzir a “vinhos que se destacam pela positiva”.

 

UM OÁSIS EM ÁGUA, SOLO E CLIMA  

Dos 1400 hectares dos cerca de 300 associados da Acvca, a vinha de José Francisco Ramalho é a mais próxima do rio Guadiana. A vantagem da sua irrigação a partir da Barragem do Alqueva tem permitido, principalmente nos últimos tempos, que as suas vinhas não sejam condicionadas por restrições do uso ou até mesmo falta de água.

 

“A vinha não é uma cultura de regadio, mas é uma cultura que, em determinados momentos do seu ciclo, precisa de água. Nesta zona específica, estamos irrigados pela rede da EDIA e até agora não houve restrições ao uso de água, apesar do cenário de seca. Mas nós temos outros associados onde há essa limitação, inclusive por não haver de todo água, e isso influencia e constitui um problema [à vinha], tal e qual como para qualquer outra cultura”, continua a explicar José Miguel Almeida.

 

Além da vantagem de regadio, a diversidade de solos à disposição e o microclima, trazido pela “falha da Vidigueira” são um verdadeiro oásis para a produção de vinhas neste concelho.

 

“O nosso país, e sobretudo esta região do Alentejo, ao nível dos solos é uma autêntica manta de retalhos. Nós vemos, por exemplo, numa propriedade de um ou dois hectares, vários tipos de solos na mesma vinha, o que influencia muito a castas, os índices de maturação e o próprio comportamento dos vinhos. Na questão do microclima amenizado da Vidigueira, [marcado pela escarpa que divide o Alto e o Baixo Alentejo], este é uma justificativa para os [vinhos] brancos se produzirem mais, estarem melhor inseridos e mais adaptados aqui do que em qualquer outra parte do Alentejo”, revela o, também, engenheiro.

 

 

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ATÉ AO LAVAR DOS CESTOS É VINDIMA

O fim das campanhas das vindimas marca o término de todo um ano de trabalho para os viticultores. É neste momento que entregam à Acvca “o fruto do seu trabalho”, são recompensados por ele e veem as repercussões para o próximo ano. Agora, fora do campo, o alvo está na vinificação, no engarrafamento, na expedição, no marketing e na venda dos vinhos originários das uvas entregues.

 

“A função dos nossos cooperadores, com o nosso apoio em campo, na seleção das castas e no tratamento fitossanitário das vinhas termina agora e daqui para a frente a responsabilidade é da Adega. Portanto, o foco agora é a colocação do máximo de garrafas na mesa das pessoas”, esclarece José Miguel Almeida.

 

Popularmente, num sentido metafórico, diz-se que “até ao lavar dos cestos é vindima” quando se deve esperar pelo fim de algo, sem desesperar ou retirar conclusões precipitadas, e é neste ponto que Vasco Moura Fernandes, enólogo residente da Adega, se encontra.

 

“Este ano de vindimas tem sido difícil, porque foi um ano com pouca água e com calores excessivos, o que levou a uma grande heterogeneidade ao nível das uvas que entraram na adega, mas o balanço final ainda é cedo para o fazer. Na minha parte do processo, ainda existem vinhos que estão a acabar de fazer a fermentação e, como se costuma dizer, até ao lavar dos cestos ainda é vindima, por isso é precoce estar a fazer um balanço pormenorizado”, adianta.

 

Esta fermentação, se as últimas uvas entrarem na adega até ao final da próxima semana, deverá ser concluída no final de outubro e início de novembro, uma vez que o seu tempo ideal, nesta fase final, ronda as duas semanas.

 

“O tempo de fermentação depende um bocadinho da altura da vindima em que estamos. Nesta fase final consegue-se demorar mais tempo, no início ou a meio é necessário acelerar o processo e, por vezes, fica-se entre os cinco e sete dias”, diz.

 

Para Vasco Moura Fernandes a heterogeneidade e a quantidade de uva recebida durante a campanha que agora termina é o reflexo de que “as coisas estão a correr bem”, tanto na aposta em novas plantações, como no crescimento da Adega, que se traduz numa valorização do vinho alentejano.

 

VINHO ALENTEJANO NAS BOCAS DO MUNDO

Nos últimos anos, a região alentejana tem ganho cada vez mais destaque no panorama vinícola, concorrendo diretamente com outros vinhos nacionais e internacionais.

 

“Nós estamos habituados, hoje em dia, a que o Alentejo lidere a venda dos vinhos em Portugal, quer em valor, quer em volume, mas não nos podemos esquecer que nem sempre foi assim. Na década de 80, quando se começou a preparar o Alentejo, esta era uma região pequeniníssima e desconhecida de vinhos em Portugal”, recorda o presidente da Adega. O caminho “fabuloso” que se percorreu até aqui é o resultado de três décadas de trabalho em prol da “valorização e afirmação das características intrínsecas do vinho do Alentejo”, que acabou por “recolher muita simpatia por parte dos consumidores”.

 

“Esta valorização dos vinhos alentejanos é muito positiva e [um espelho] das provas dadas da qualidade por parte dos consumidores, que continuam a comprar cada vez mais vinhos alentejanos”, refere, por sua vez, Vasco Moura Fernandes.

 

Ainda assim, para o engenheiro José Miguel Almeida este percurso de destaque não está “garantido” e é preciso que os produtores, as adegas e a região continuem a melhorar o trabalho que tem sido feito até aqui.

 

“Porque nós não nos podemos esquecer que, quer a nível nacional, quer a nível internacional, há excelentes zonas vinícolas, vinhos, adegas, enólogos e isto não pára. Aquilo que é hoje uma região muito reconhecida, pode amanhã ser “ultrapassada” por outras regiões que surjam com todo o seu valor e com as coisas muito bem-feitas e pensadas. Portanto, o trabalho está todo por fazer, porque nada é garantido”, realça.

 

 

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DAQUI A 10 MESES VOLTA-SE A VINDIMAR

José António Ramalho sabe que já tem em mãos a vindima seguinte. Para o próximo ano, não pede uma campanha melhor do que esta, se for igual já se dá por satisfeito. Espera que as vinhas de 18 anos não o desiludam e que consiga manter a entrega das suas castas brancas de Antão Vaz, Perron e Arinto; e das tintas Aragonez, Alicante Bouschet, Tinta Grossa e Trincadeira.

 

Para além da habitual incerteza de produção, tem consciência que continuará a debater-se com os já conhecidos desafios prolongados que não controla: os calores extremos, a falta de água e a subida de preços (que condicionará a compra de produtos) e a manutenção das vinhas.

 

Também a própria Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito está ciente destes entraves e assegura que se irá adaptar o máximo possível para manter “o perfil heterogéneo típico” dos vinhos, corresponder às expetativas dos seus fidelizados e apostar em novos consumidores.

 

“As plantas sujeitas a secas prolongadas têm tendência a defender-se, normalmente isso acontece com a regulação da produção, com o equilíbrio em termos dos frutos que produzem e obrigam a um maior trabalho em campo no que diz respeito às práticas culturais que se fazem na vinha. [Por isso], temos de estar muito atentos àquilo que é o comportamento das diferentes castas face a essas alterações e não fechar a porta à experimentação de novas castas ou de porta-enxertos mais resistentes e resilientes a estas situações”, garante o presidente.

 

Daqui a 10 meses estar-se-á novamente a vindimar. Os campos receberão novos grupos de trabalhadores, os tratores voltarão a encher-se de uva e as cubas entrarão novamente em fermentação. O futuro para a próxima campanha permanecerá em aberto, porque, até ao lavar dos cestos, é vindima…

 

TABELA DE VALORIZAÇÃO É A ÚNICA DO ALENTEJO

A Adega Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito apresenta uma grelha “única” no Alentejo de valorização da uva que chega. Estas são analisadas e avaliadas minuciosamente quanto ao seu tipo (branca/tinta), casta, álcool provável, sustentabilidade, certificação (DOC, Regiões ou Mesa), graduação e sanidade (podridão cinzenta, podridão ácida, atividade fermentativa), sendo ainda penalizadas quanto a objetos estranhos, transporte inadequado ou mistura. Segundo José Miguel Almeida, estes parâmetros são multiplicados por um valor base e resulta no pagamento daquela unidade ao viticultor.

 

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